O Estado de S. Paulo
Trump encontrou no presidente do Fed o bode
expiatório para o estrago causado por suas políticas
A ameaça de Donald Trump de destituir o
presidente do Banco Central (Fed), Jerome Powell, é mais um golpe no sistema
que transformou os EUA na nação mais rica e poderosa de todos os tempos. O
presidente está destruindo o maior ativo do país: a independência e
confiabilidade de suas instituições.
As leis americanas pressupõem presidentes que compartilham valores fundamentais do país, incluindo o respeito às normas e à Justiça e os limites do poder, sujeito a freios e contrapesos. A lei que criou o Fed, em 1913, não explicita que seu presidente não pode ser destituído, mas estabelece as condições para sua autonomia, no plano operacional e institucional: o banco não depende de dotações orçamentárias nem presta contas ao Congresso – e muito menos ao Executivo, o que parecia óbvio ao legislador, até surgir Trump.
Presidentes, às vezes, reclamam de juros
altos, mas jamais ameaçam demitir o presidente do Fed. Em 1972, Richard Nixon
pressionou o então presidente do Fed, Arthur Burns, a baixar os juros. Burns
cedeu e o resultado foi a Grande Inflação, que chegou a 14,5% em 1980. O
objetivo era conter o desemprego, que foi a 7,5%.
Essa lição cimentou nos EUA a convicção de
que o BC tem de estar blindado de influências políticas, uma vez que precisa
fazer escolhas impopulares, ignorando o ciclo eleitoral, para preservar o poder
de compra dos americanos. Essa independência é um traço das democracias
liberais. O Fed reduziu os juros três vezes entre setembro e dezembro, porque a
inflação estava sob controle. Trump acusa Powell de ser “muito lento” em cortar
os juros, quando na verdade ele apenas recomenda prudência diante do cenário de
pressão inflacionária e desaceleração criado pelas tarifas.
Trump desobedece decisões da Justiça sobre a
detenção e deportação de imigrantes. E ameaça deportar americanos para prisões
de El Salvador, para cometer arbitrariedades contra cidadãos fora do alcance da
Justiça.
Essas atitudes alimentam a insegurança do
mercado mundial em relação aos títulos do Tesouro americano e ao dólar, que
antes eram o porto seguro em momentos de crise. Como resultado, os juros dos
títulos subiram 0,5 ponto porcentual na última semana – maior alta semanal
desde 2001, ao mesmo tempo em que o dólar segue se desvalorizando, com queda
acumulada de 9% no ano.
Tudo indica que o presidente encontrou em
Powell – filiado ao Partido Republicano, nomeado por Trump e reconduzido por
Joe Biden – o bode expiatório para o estrago causado por suas políticas.
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