Folha de S. Paulo
Em algum momento, o centrão vai ter que
recuar e aceitar a restauração de uma democracia funcional
O Congresso
Nacional, inteiramente controlado pela direita, está fazendo três coisas:
guerra contra o STF,
em especial contra o ministro Flávio Dino,
pelo direito de continuar roubando dinheiro da saúde; guerra contra Haddad para
garantir que o ajuste fiscal será feito exclusivamente em cima dos pobres; e
campanha para eleger Tarcísio, com o apoio indispensável dos golpistas de
Bolsonaro.
Digamos que tudo dê certo para os congressistas de direita: Lula sangra sem conseguir aprovar nada até perder a eleição, Tarcísio se elege e a aliança de ladrões e golpistas se consagra com os impeachments de Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
Teríamos um presidente cheio de amigos
golpistas anistiados, inclusive nas Forças
Armadas. Diante dele, um Congresso abertamente ladrão que se apoderou
indevidamente de uma fatia imensa do Orçamento e exige que Tarcísio cumpra uma
lista de reformas altamente impopulares. Não há mais nenhum STF disposto a
defender a democracia. O presidente americano é Donald Trump.
Existe cenário melhor para um autogolpe que
feche o Congresso?
Se um Tarcísio recém-eleito
e queridinho da mídia fizer, no início do mandato, a mesma oferta que Jair fez
aos militares depois de perder a eleição, a resposta será a mesma?
Sim, eu sei que no cenário de sonhos da turma
de sempre as coisas não se passam assim. Nesse roteiro, dos mesmos autores de
"o ministro da Fazenda do Temer será um candidato forte em 2018",
Tarcísio aceitará a farra das emendas e estará disposto a sacrificar
mortalmente sua popularidade fazendo o ajuste fiscal em cima do gasto social.
No fundo, seria o "semipresidencialismo" com que o centrão sempre
sonhou, um governo Temer sem Lava
Jato.
Vocês têm certeza de que Tarcísio vai topar
isso? Virar rainha da Inglaterra para chegar no mesmo nível de popularidade do
último "semipresidencialista", Michel Temer?
No final do seu mandato, a aprovação de Temer era menor que a margem de erro
das pesquisas. Era impossível dizer, com segurança estatística, que o próprio
Temer se apoiava.
Congressistas, se o STF sair do alvo, quem
vocês acham que entra? O STF ainda tinha algum capital de popularidade depois
dos julgamentos do mensalão e
da Lava Jato. Vocês partem de onde? Como vocês se saem nessas pesquisas que
medem a confiança nas instituições? Como foram as citações a "Congresso
Nacional" nas redes sociais nas últimas semanas?
Congressistas, vocês são a turma contra quem
o governo Lula, que está com popularidade em baixa e não tem nenhum apoio no
Congresso, na elite ou no Exército, está topando brigar. Por que um governo
popular que tenha isso tudo não brigaria com vocês?
Centrão, eu te entendo. Você ganhou muita
grana nessa crise política de dez anos. Você escapou da Lava Jato com o
impeachment, ganhou fortuna com o orçamento secreto, e agora usa os golpistas
como seus guarda-costas contra o STF.
Mas não se pode ficar na antessala do abismo
para sempre, centrão. Em algum momento você vai ter que recuar, limitar suas
conquistas e aceitar a restauração de uma democracia funcional. Ou uma hora a
crise vai chamar sua senha.
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