domingo, 29 de junho de 2025

O Congresso no teatro de sombras - Míriam Leitão

O Globo

O Congresso pensou estar derrotando o governo, mas estava onerando o país, ofendendo eleitores e descumprindo seu papel

O Brasil vive um episódio sério de crise de governabilidade, que é um pouco mais grave e complicado do que parece. Ao derrubar os vetos do presidente Lula na energia, o Congresso comprometeu os próximos governos, não apenas o atual, e onerou o consumidor atual e do futuro. Quando revogou um decreto do Executivo, o fez sem olhar os limites de cada poder. Quando aumentou o número de deputados, minou ainda mais a relação entre os eleitores e os representantes políticos. Tudo isso enfraquece, não o governo, mas a democracia, que anda passando por maus bocados nos últimos anos.

A briga não é entre governo e oposição, entre direita e esquerda, entre lulistas e bolsonaristas. Para se ter uma ideia da confusão, até o PT votou pela derrubada dos vetos presidenciais. Perguntei a duas autoridades petistas o que significaram esses votos e recebi uma explicação confusa. Mais turvos são os jabutis do PL das eólicas, que estabelecem a compra compulsória de energia de certas fontes, para atender a interesses de lobbies conhecidos.

— Não é só o custo que é uma aberração. O texto estabelece o lugar de fazer o investimento, a data e o valor a ser pago pela energia. Onde já se viu colocar isso em uma lei? É escandaloso — disse uma das autoridades.

Os vetos do presidente Lula fazem todo o sentido. Os jabutis detalhavam que energia comprar, em que local, a que preço e por quantos anos. Um veto ainda não derrubado cria uma profusão de térmicas a gás, em estados sem gás, e prorroga a obrigação de compra de energia do carvão de 2028 para 2050.

Essas térmicas a gás foram um jabuti dependurado na lei que privatizou a Eletrobrás no governo Bolsonaro. O que fazem no PL das eólicas no mar que é do governo Lula? Perguntei isso a um especialista em energia e ele respondeu: “jabutis migram”. Só os interesses dos barões da energia do Brasil é que não migram. Permanecem fincados no Congresso Nacional.

O país entendeu o que tudo isso significava, até porque anda pagando muito na conta de luz. Foi fácil compreender que a energia iria encarecer por culpa do Legislativo. Os presidentes das duas Casas, irritados, disseram que o governo havia jogado no colo deles essa fatura. E ameaçaram reagir impondo derrotas ao governo.

Era noite de São João, às 23h35, quando o presidente da Câmara, Hugo Motta, irrompeu numa rede social avisando que colocaria para votar no dia seguinte o Projeto de Decreto Legislativo para revogar o aumento do IOF. Na quarta-feira, foi o fim de mundo. O PDL, que revogava o aumento do imposto sobre operações financeiras, foi aprovado com votação estonteante na Câmara e seguiu célere para o Senado, onde também passou em minutos. Como os parlamentares estavam bem poderosos, o Senado aprovou projeto que aumenta o número de deputados, mandou para a Câmara, que confirmou tudo em votação relâmpago. Teremos, portanto, mais 18 deputados em 2027.

O IOF é um imposto feito para regular e não para arrecadar. O problema é que o Congresso usou o instrumento errado para revogar o aumento. O projeto de decreto legislativo é para ser usado quando o Executivo vai além da sua competência. Não é para quando o Congresso discorda do mérito da decisão do governo.

O que une os jabutis, alíquotas de IOF e número de deputados na Câmara? Simples. O Congresso está funcionando muito mal e tomando muita decisão errada. O Brasil tem que tirar o excesso de peso da conta de luz em vez de pôr novos penduricalhos. Os poderes precisam saber exatamente quais são as suas competências. E o país não quer mais 18 deputados.

Quando derruba vetos que impediriam aumento na conta de luz, o Congresso não está derrotando o governo, mas conspirando contra o orçamento das famílias e das empresas. Quando usa um PDL para revogar um aumento de alíquotas, não está derrotando o governo, está ferindo a Constituição. Quando aumenta o número de deputados, não está derrotando o governo, está ofendendo a opinião pública.

A minha geração viu tanques na porta do Congresso. Mais de uma vez. É cena que fica na mente como assombração. Então, a torcida de gente assim como eu é para que o Congresso entenda seus poderes e os exerça bem, reflita sobre o enorme privilégio de representar o país e honre o mandato, respeite os eleitores e não se deixe capturar por grupos de interesse. Essa é a esperança que afugenta as sombras.

 

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