O Globo
Por incrível que pareça, no agregado, a
distorção da representação dos estados piorou em relação ao que é hoje
O Brasil terá mais 18 deputados federais. O
Congresso decidiu pelo aumento na semana passada. A proposta foi aprovada no
Senado, por 41 votos (o mínimo necessário), com o plenário esvaziado em virtude
das festas de São-João. Em meio às discussões sobre o que fazer com o IOF e o
desempenho dos times brasileiros no Mundial
de Clubes, pouca gente deu atenção à notícia.
A Constituição, no artigo 45, dá um tratamento genérico ao tema. O texto estabelece que o total de deputados e a representação por estado e pelo Distrito Federal devem ser proporcionais à população, com os ajustes necessários, realizados no ano anterior às eleições. Esses ajustes devem ser feitos respeitando a regra de que nenhum estado pode ter menos de oito ou mais de 70 deputados.
Portanto os congressistas têm autonomia para
decidir o total de representantes na Câmara, bem como para interpretar a regra
da proporcionalidade. O esperado era que, depois da divulgação de cada Censo,
os ajustes na representação dos estados fossem realizados. Mas isso aconteceu
apenas uma vez, em 1993. Por isso a bancada dos estados na Câmara é a mesma
desde 1994.
Ao longo de três décadas, alguns estados
perderam população, e outros ganharam. A inércia prevaleceu. Nenhuma mudança
foi feita depois da divulgação dos dados dos Censos de 2000 e 2010. O STF entendeu
que os ajustes deveriam ser realizados com a divulgação dos dados do Censo de
2022. Por isso deu um prazo que acaba amanhã. E o Congresso conseguiu. Aprovou
a nova regra cinco dias antes do dia derradeiro.
Os Estados Unidos têm
uma Câmara menor que a do Brasil. São 435 parlamentares, distribuídos de
maneira rigorosamente proporcional entre os estados. A cada dez anos, desde o
século XVIII, as cadeiras são redistribuídas entre os estados, com alguns
perdendo e outros ganhando.
Os congressistas brasileiros inovaram em
2025. Em vez de redistribuir as 513 cadeiras entre os estados, o que implicaria
alguns perderem cadeiras, inventaram uma fórmula para que nenhum estado fosse
prejudicado. Para isso, estabeleceram um número arbitrário de 18 cadeiras a
mais.
Há um detalhe que não pode ser perdido de
vista. As 531 cadeiras não foram redistribuídas proporcionalmente entre os
estados. Isso faria o Rio de Janeiro perder duas vagas, e outros 13 estados
também ficariam com bancadas alteradas.
Desconfio de que a nova distribuição foi
feita “no olho”, e não com base numa fórmula matemática. Isso explica que o
Amazonas, com 3,9 milhões de habitantes, tenha ficado com dez cadeiras e a
Paraíba, com população quase idêntica, tenha ficado com 12.
O leitor deve estar se perguntando: a
distorção da representação dos estados diminuiu? Alguns estados, como Pará
e Santa
Catarina, antes muito sub-representados, receberam cadeiras e melhoraram a
situação. Mas, por incrível que pareça, no agregado, a distorção da
representação estadual piorou em relação ao que é hoje.
Além das correções arbitrárias, a razão é
que, como o tamanho da Câmara aumentou, São Paulo ficou
ainda mais sub-representado. O estado tinha 13,7% de cadeiras e passará a ter
13,2%.
Os congressistas justificaram o aumento de
deputados como único caminho para garantir a proporcionalidade. A proposta é
tecnicamente frágil e ainda piorou, no agregado, a situação atual. Melhor que
não tivessem feito nada.
Em pesquisa feita pelo Datafolha,
76% dos brasileiros disseram ser contra o aumento no número de deputados. Já
comecei a receber mensagens de uma nova campanha no WhatsApp: “Não
precisamos de mais deputados”.
As razões que movem os eleitores são as
conhecidas. Mais deputados significa mais recursos gastos com salários dos
parlamentares, seus assessores e estrutura na Câmara. Significa milhões a mais
de emendas do Orçamento (ou alguém tem a ilusão de que os valores atuais de
cada um serão diminuídos?).
Também não precisamos de mais deputados pelas
razões que eles alegaram: corrigir a distorção das bancadas. Um truque
desnecessário, mostrando mais uma vez que nossos representantes estão
descolados dos interesses de seus representados.
*Jairo Nicolau, cientista político, é professor do CPDOC FGV
Nenhum comentário:
Postar um comentário