domingo, 29 de junho de 2025

Para que mais 18 deputados federais? - Jairo Nicolau

O Globo

Por incrível que pareça, no agregado, a distorção da representação dos estados piorou em relação ao que é hoje

O Brasil terá mais 18 deputados federais. O Congresso decidiu pelo aumento na semana passada. A proposta foi aprovada no Senado, por 41 votos (o mínimo necessário), com o plenário esvaziado em virtude das festas de São-João. Em meio às discussões sobre o que fazer com o IOF e o desempenho dos times brasileiros no Mundial de Clubes, pouca gente deu atenção à notícia.

A Constituição, no artigo 45, dá um tratamento genérico ao tema. O texto estabelece que o total de deputados e a representação por estado e pelo Distrito Federal devem ser proporcionais à população, com os ajustes necessários, realizados no ano anterior às eleições. Esses ajustes devem ser feitos respeitando a regra de que nenhum estado pode ter menos de oito ou mais de 70 deputados.

Portanto os congressistas têm autonomia para decidir o total de representantes na Câmara, bem como para interpretar a regra da proporcionalidade. O esperado era que, depois da divulgação de cada Censo, os ajustes na representação dos estados fossem realizados. Mas isso aconteceu apenas uma vez, em 1993. Por isso a bancada dos estados na Câmara é a mesma desde 1994.

Ao longo de três décadas, alguns estados perderam população, e outros ganharam. A inércia prevaleceu. Nenhuma mudança foi feita depois da divulgação dos dados dos Censos de 2000 e 2010. O STF entendeu que os ajustes deveriam ser realizados com a divulgação dos dados do Censo de 2022. Por isso deu um prazo que acaba amanhã. E o Congresso conseguiu. Aprovou a nova regra cinco dias antes do dia derradeiro.

Os Estados Unidos têm uma Câmara menor que a do Brasil. São 435 parlamentares, distribuídos de maneira rigorosamente proporcional entre os estados. A cada dez anos, desde o século XVIII, as cadeiras são redistribuídas entre os estados, com alguns perdendo e outros ganhando.

Os congressistas brasileiros inovaram em 2025. Em vez de redistribuir as 513 cadeiras entre os estados, o que implicaria alguns perderem cadeiras, inventaram uma fórmula para que nenhum estado fosse prejudicado. Para isso, estabeleceram um número arbitrário de 18 cadeiras a mais.

Há um detalhe que não pode ser perdido de vista. As 531 cadeiras não foram redistribuídas proporcionalmente entre os estados. Isso faria o Rio de Janeiro perder duas vagas, e outros 13 estados também ficariam com bancadas alteradas.

Desconfio de que a nova distribuição foi feita “no olho”, e não com base numa fórmula matemática. Isso explica que o Amazonas, com 3,9 milhões de habitantes, tenha ficado com dez cadeiras e a Paraíba, com população quase idêntica, tenha ficado com 12.

O leitor deve estar se perguntando: a distorção da representação dos estados diminuiu? Alguns estados, como Pará e Santa Catarina, antes muito sub-representados, receberam cadeiras e melhoraram a situação. Mas, por incrível que pareça, no agregado, a distorção da representação estadual piorou em relação ao que é hoje.

Além das correções arbitrárias, a razão é que, como o tamanho da Câmara aumentou, São Paulo ficou ainda mais sub-representado. O estado tinha 13,7% de cadeiras e passará a ter 13,2%.

Os congressistas justificaram o aumento de deputados como único caminho para garantir a proporcionalidade. A proposta é tecnicamente frágil e ainda piorou, no agregado, a situação atual. Melhor que não tivessem feito nada.

Em pesquisa feita pelo Datafolha, 76% dos brasileiros disseram ser contra o aumento no número de deputados. Já comecei a receber mensagens de uma nova campanha no WhatsApp: “Não precisamos de mais deputados”.

As razões que movem os eleitores são as conhecidas. Mais deputados significa mais recursos gastos com salários dos parlamentares, seus assessores e estrutura na Câmara. Significa milhões a mais de emendas do Orçamento (ou alguém tem a ilusão de que os valores atuais de cada um serão diminuídos?).

Também não precisamos de mais deputados pelas razões que eles alegaram: corrigir a distorção das bancadas. Um truque desnecessário, mostrando mais uma vez que nossos representantes estão descolados dos interesses de seus representados.

*Jairo Nicolau, cientista político, é professor do CPDOC FGV

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