O PPS deu uma consertada na campanha eleitoral que vem divulgando, admitindo que o governo "vai mexer na poupança como Collor", mas desta vez apenas nos rendimentos, sem confiscar os depósitos existentes. É uma diferença fundamental, que faz com que a denúncia do PPS tenha sido tratada pelo próprio presidente Lula como "irresponsável" e "insana". Mas, mesmo sendo uma abordagem tecnicamente errada, estaria errada politicamente? Os que analisamos a política nacional temos a obrigação de defender que a atividade política obedeça a critérios éticos, e, desse ponto de vista, concordo com os que criticaram a campanha do PPS. Mas temos também que analisar a maneira como a política brasileira vem sendo disputada nos últimos anos, entender quais as raízes de suas distorções e trabalhar para que os erros sejam corrigidos.
Não me lembro, por exemplo, de um programa do PT, quando na oposição, admitindo ter errado na crítica ao governo tucano. Desse ponto de vista, a atitude do PPS já é um avanço.
Mas o deputado Raul Jungmann, autor da "denúncia", levanta uma questão importante: por que o governo não deixa o mercado se ajustar, obrigando os bancos a reduzirem as taxas de administração dos fundos de renda fixa, que chegam a 4%, em vez de apenas reduzir os ganhos da poupança?
Não há dúvida de que foi o PT que iniciou essa maneira de fazer política, ao defender posições apenas para se opor ao governo, sem levar em conta as reais necessidades do país, como faz agora o PPS, ao criticar a mudança nas cadernetas de poupança sem admitir que existem necessidades macroeconômicas que a torna imperiosa.
Mas também o presidente Lula, ao anunciar que o governo mexerá na poupança "para proteger o pequeno poupador", está sendo impreciso, tão impreciso quanto a denúncia do PPS, e tenta engabelar a maioria dos depositantes das cadernetas de poupança.
São abordagens políticas de um tema econômico delicado, e por isso o governo como um todo, e o presidente Lula pessoalmente, estão tão irritados com a maneira de fazer política do PPS, que eles conhecem muito bem. Tão bem que sabem de seus efeitos na população.
Mais de uma vez o passado petista voltou para assombrar seus integrantes no governo, mostrando quanto tempo foi perdido nas reformas do Estado pela ação predatória do PT, as famosas "bravatas" que o presidente Lula já admitiu ter usado como recurso de oposicionista.
No início do governo, as reformas da Previdência e tributária mostraram a incoerência entre o que o PT defendia na oposição e o que fazia no governo, e próceres do petismo explicavam tudo como sendo "luta política".
Basta lembrar que o PT votou contra o Fundef, que mudou radicalmente o financiamento do ensino fundamental no país; contra a criação da CPMF; contra a Lei de Responsabilidade Fiscal; contra a reforma da Previdência; contra a privatização das telecomunicações. Uma enorme lista.
Até mesmo quando o PT conseguiu impor medidas corretas ao governo, ele não as assumiu por questões meramente eleitoreiras. Foi o que aconteceu, por exemplo, na negociação da Lei de Responsabilidade Fiscal, já no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique.
Estavam incluídos no projeto de lei temas polêmicos, como a proibição de o Banco Central emitir títulos por conta própria, e a obrigação de dirigentes da instituição e do Ministério da Fazenda comparecerem ao Congresso regularmente para prestar contas.
Todos os pontos que diziam respeito à relação do Tesouro Nacional com o Banco Central, porém, foram tirados do texto oficial, pois o governo de então temia que disputas internas interferissem na tramitação do projeto.
Nas negociações no Congresso, no entanto, o PT decidiu só apoiar o projeto de lei se alguns desses pontos fossem novamente incluídos.
Mas o PT recuou, alegando razões políticas, e se recusou a votar o projeto, que foi aprovado contra o voto dos petistas.
O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que como deputado federal votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, disse certa vez que o também ex-ministro Pedro Malan merecia uma estátua por ter renegociado as dívidas dos estados e municípios.
O Partido dos Trabalhadores foi contra também a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que se tornou tão imprescindível para fechar as contas públicas que o próprio governo petista quis transformá-la em permanente na reforma tributária, e desvinculou-a oficialmente dos gastos com a saúde. Depois lamentou profundamente seu fim.
O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) promoveu uma transformação radical na estrutura de financiamento do ensino fundamental no país e foi implantado em 1998, contra o voto do PT. Mas deu tão certo que o governo petista lançou o Fundeb, para o ensino básico.
A emenda constitucional que quebrava o monopólio estatal nas telecomunicações foi aprovada contra o voto do PT, que foi acusado de defender as corporações estatais. Hoje, o governo reformou a legislação para permitir que surja uma grande empresa nacional privada de telefonia, com a compra da Brasil Telecom pela Oi.
Foram essas posições irresponsáveis que levaram o PT ao governo, e, como a receita deu certo, a oposição se vê tentada a adotar os mesmos métodos demagógicos. Até por que o presidente Lula continua mestre nas bravatas, mesmo no governo. Agora, o PPS denuncia a redução dos rendimentos da caderneta de poupança, tucanos e democratas pedem reajustes maiores do salário mínimo ou cortes maiores nas taxas de juros.
Mesmo que em prejuízo da democracia, quem com bravatas fere...
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