José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
"O governo pode continuar sem ter terceiro mandato", pontificou a chefe da Casa Civil e candidata lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à própria sucessão, Dilma Rousseff, num almoço sábado, na casa da ex-prefeita petista de São Paulo Marta Suplicy, com apresentadoras de programas de televisão. A frase é significativa, porque justifica esta nova onda de queremismo que assalta o noticiário político nacional desde que o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) obteve o número suficiente de assinaturas para seu projeto de emenda constitucional para permitir a nova reeleição de Lula em 2010. A frase expõe a evidência que o chefe dela tem feito o possível para ocultar nas declarações dúbias que faz a respeito do delicado tema: a tática eleitoral sucessória do governo petista é ficar no poder. Se a manobra golpista der certo, ele aceitará, constrangido, o dever de permanecer no posto. Se o calendário não a permitir, o jeito será transferir o voto para ela. "Se colar, colou."
Há obviamente um ventríloquo atrás da retórica da ministra. Quando disse, por exemplo, que o terceiro mandato de Lula não é um projeto de governo, mas não há como impedir que as pessoas tomem iniciativas, ela reproduziu o álibi que parece conduzir as palavras e obras presidenciais quando se trata de sua permanência. Ele não quer ficar, mas muita gente quer. Muita gente significa o quê? O eleitorado, que celebra o atual ocupante no poder com uma popularidade consagradora e inusitada? Ou a corte palaciana, constituída pelos dirigentes partidários da base situacionista, pelos dirigentes sindicais que ocupam os bons empregos da burocracia estatal, seus parentes e companheiros? Ou as duas coisas?
João Santana, o letrista Patinhas, parceiro de Gereba no grupo musical Bendegó, desembarcado no planeta musical do Sudeste nos anos 70, e substituto de outro baiano, Duda Mendonça, que caiu em desgraça por causa dos pagamentos que recebeu por fora e fora do País, foi, na certa, encarregado de colar neste continuísmo a garantia do apoio popular. Ele sabe que é forçar a barra, como se diz na gíria, considerar como iguais o apoio ao presidente e a aceitação da quebra do preceito constitucional para mantê-lo no poder. O Datafolha deixou clara essa distinção ao constatar um apoio de 47% dos eleitores brasileiros ao projeto queremista versus 49% contra. Dilma, Patinhas e Lula podem não ser gênios da aritmética, mas sabem que 49 é mais que 47.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
"O governo pode continuar sem ter terceiro mandato", pontificou a chefe da Casa Civil e candidata lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à própria sucessão, Dilma Rousseff, num almoço sábado, na casa da ex-prefeita petista de São Paulo Marta Suplicy, com apresentadoras de programas de televisão. A frase é significativa, porque justifica esta nova onda de queremismo que assalta o noticiário político nacional desde que o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) obteve o número suficiente de assinaturas para seu projeto de emenda constitucional para permitir a nova reeleição de Lula em 2010. A frase expõe a evidência que o chefe dela tem feito o possível para ocultar nas declarações dúbias que faz a respeito do delicado tema: a tática eleitoral sucessória do governo petista é ficar no poder. Se a manobra golpista der certo, ele aceitará, constrangido, o dever de permanecer no posto. Se o calendário não a permitir, o jeito será transferir o voto para ela. "Se colar, colou."
Há obviamente um ventríloquo atrás da retórica da ministra. Quando disse, por exemplo, que o terceiro mandato de Lula não é um projeto de governo, mas não há como impedir que as pessoas tomem iniciativas, ela reproduziu o álibi que parece conduzir as palavras e obras presidenciais quando se trata de sua permanência. Ele não quer ficar, mas muita gente quer. Muita gente significa o quê? O eleitorado, que celebra o atual ocupante no poder com uma popularidade consagradora e inusitada? Ou a corte palaciana, constituída pelos dirigentes partidários da base situacionista, pelos dirigentes sindicais que ocupam os bons empregos da burocracia estatal, seus parentes e companheiros? Ou as duas coisas?
João Santana, o letrista Patinhas, parceiro de Gereba no grupo musical Bendegó, desembarcado no planeta musical do Sudeste nos anos 70, e substituto de outro baiano, Duda Mendonça, que caiu em desgraça por causa dos pagamentos que recebeu por fora e fora do País, foi, na certa, encarregado de colar neste continuísmo a garantia do apoio popular. Ele sabe que é forçar a barra, como se diz na gíria, considerar como iguais o apoio ao presidente e a aceitação da quebra do preceito constitucional para mantê-lo no poder. O Datafolha deixou clara essa distinção ao constatar um apoio de 47% dos eleitores brasileiros ao projeto queremista versus 49% contra. Dilma, Patinhas e Lula podem não ser gênios da aritmética, mas sabem que 49 é mais que 47.
Embora também estejam escolados o suficiente para saber que, em termos de pesquisa, isso representa um empate técnico. Seja como for, o citado levantamento não registra uma vontade política (para usar uma expressão da linguagem petista pré-governo) maciça da sociedade brasileira que justifique uma intervenção golpista na ordem institucional vigente.
Apoio inquestionável à permanência do chefe à frente do governo depois de 2011 é, sim, dos chefões dos partidos para cujos quadros o presidente duas vezes eleito abriu vagas na burocracia e alguns forrados cofres da viúva. Isso não basta para subverter o preceito constitucional da única reeleição e Lula, Patinhas e Dilma não o ignoram. Muito menos para alterar o calendário da possibilidade da mudança. Daí, o "se colar, colou": "se não der para que tudo fique como está com Lula, é possível deixar tudo como está com Dilma." Não importa esclarecer se o "plano B" é Lula de novo ou Dilma no lugar. Como todo "criador", noço guia deve ter a ilusão de que sua candidata permitirá que ele próprio continue pilotando o barco com a desenvoltura de hoje. Talvez por isso repita tanto que não quer ficar no poder, embora deixe muitas pistas de que não pensa em outra coisa.
Tolo é pensar que a confusão que Sua Excelência faz entre parlamentarismo e presidencialismo, ao reclamar da falta para presidentes da boa vontade gozada pelos primeiros-ministros, resulta de seu desconhecimento do funcionamento dos sistemas políticos. Lula tem consciência de que comparar a longevidade no poder de Margaret Thatcher ou Helmut Kohl com o dispositivo constitucional que só lhe permite uma reeleição se assemelha a comprar uma penca de bananas e levar uma bacia de laranjas. Proposital, tal confusão não resulta da ignorância do líder, mas na aposta que ele faz na ignorância do liderado.
Da mesma forma, quando faz troça da oposição, acusando-a de temer o referendo popular que autorizaria o golpe continuísta, o presidente investe na falácia de que seguir os preceitos institucionais da Constituição de 1988 é menos democrático que rompê-los para atender aos clamores "queremistas" da sociedade. As aspas são usadas para lembrar que tais clamores não são majoritários, apesar de ser a popularidade dele indiscutível.
Ao defender a proposta de seu amigo Hugo Chávez, autorizado pelo Congresso venezuelano a disputar mandatos sucessivos e ilimitados, Lula deixa explícito que é blague a condenação que faz ao terceiro governo aqui, quando diz que quem o obtiver poderá tentar o quarto, o quinto, o sexto e daí por diante. A coerência não é seu forte, mas seria um exagero imaginar que ele não tenha percebido o absurdo de rejeitar para si próprio o que aceita para o vizinho. É o caso de pensar que o chefe do governo brasileiro aposta seu cacife na tática adotada pelo "Velho Guerreiro" Chacrinha: "confundir para comunicar."
O debate sobre terceiro mandato é um achincalhe à democracia e a estratégia de comunicação de atribuir à candidatura Dilma o condão de continuar sem ruptura institucional, um lance legítimo do jogo de xadrez da disputa correta pelo poder no Estado Democrático de Direito. Talvez tenha o condão de operar o milagre da transposição do apoio a Lula para votos em Dilma. Só que, para tanto, Lula precisa esclarecer, de uma vez, que não há "plano B" em seu projeto para 2010.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
Apoio inquestionável à permanência do chefe à frente do governo depois de 2011 é, sim, dos chefões dos partidos para cujos quadros o presidente duas vezes eleito abriu vagas na burocracia e alguns forrados cofres da viúva. Isso não basta para subverter o preceito constitucional da única reeleição e Lula, Patinhas e Dilma não o ignoram. Muito menos para alterar o calendário da possibilidade da mudança. Daí, o "se colar, colou": "se não der para que tudo fique como está com Lula, é possível deixar tudo como está com Dilma." Não importa esclarecer se o "plano B" é Lula de novo ou Dilma no lugar. Como todo "criador", noço guia deve ter a ilusão de que sua candidata permitirá que ele próprio continue pilotando o barco com a desenvoltura de hoje. Talvez por isso repita tanto que não quer ficar no poder, embora deixe muitas pistas de que não pensa em outra coisa.
Tolo é pensar que a confusão que Sua Excelência faz entre parlamentarismo e presidencialismo, ao reclamar da falta para presidentes da boa vontade gozada pelos primeiros-ministros, resulta de seu desconhecimento do funcionamento dos sistemas políticos. Lula tem consciência de que comparar a longevidade no poder de Margaret Thatcher ou Helmut Kohl com o dispositivo constitucional que só lhe permite uma reeleição se assemelha a comprar uma penca de bananas e levar uma bacia de laranjas. Proposital, tal confusão não resulta da ignorância do líder, mas na aposta que ele faz na ignorância do liderado.
Da mesma forma, quando faz troça da oposição, acusando-a de temer o referendo popular que autorizaria o golpe continuísta, o presidente investe na falácia de que seguir os preceitos institucionais da Constituição de 1988 é menos democrático que rompê-los para atender aos clamores "queremistas" da sociedade. As aspas são usadas para lembrar que tais clamores não são majoritários, apesar de ser a popularidade dele indiscutível.
Ao defender a proposta de seu amigo Hugo Chávez, autorizado pelo Congresso venezuelano a disputar mandatos sucessivos e ilimitados, Lula deixa explícito que é blague a condenação que faz ao terceiro governo aqui, quando diz que quem o obtiver poderá tentar o quarto, o quinto, o sexto e daí por diante. A coerência não é seu forte, mas seria um exagero imaginar que ele não tenha percebido o absurdo de rejeitar para si próprio o que aceita para o vizinho. É o caso de pensar que o chefe do governo brasileiro aposta seu cacife na tática adotada pelo "Velho Guerreiro" Chacrinha: "confundir para comunicar."
O debate sobre terceiro mandato é um achincalhe à democracia e a estratégia de comunicação de atribuir à candidatura Dilma o condão de continuar sem ruptura institucional, um lance legítimo do jogo de xadrez da disputa correta pelo poder no Estado Democrático de Direito. Talvez tenha o condão de operar o milagre da transposição do apoio a Lula para votos em Dilma. Só que, para tanto, Lula precisa esclarecer, de uma vez, que não há "plano B" em seu projeto para 2010.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
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