Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
Há uma preocupação grande entre as autoridades envolvidas nas negociações dos Brics de que esse movimento não seja entendido como de oposição aos Estados Unidos. A reunião dos chefes do Estado de Brasil, Rússia, Índia e China, da próxima terça-feira em Yekaterinburgo, na Rússia, pelo impacto de ser a primeira, e pelos temas que estarão em discussão, como a reformulação dos organismos internacionais ou a análise do dólar como moeda de referência internacional, tem potencial para ser polêmica, mas o objetivo é que seja o início de uma ampliação de espaço para os emergentes, mas não de confronto.
Mesmo porque neste novo mundo geopolítico que está sendo desenhado pela crise internacional, ainda há muitos avanços a serem feitos pelos Brics. O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, em recente palestra sobre os Brics, ressaltou que os Estados Unidos continuarão a ser o centro de elaboração do capitalismo liberal, baseado na inovação e nos novos métodos de organização de empresas e trabalho.
A Europa será cada vez mais a mediadora entre os Estados Unidos e a China, com relações intensas com o chamado “segundo mundo”, especialmente a Rússia e a América do Sul.
A China, com seu liberalismo econômico e autoritarismo político, transformará o Triângulo do Pacífico, formado por ela, Japão e a Australásia, no eixo econômico mais rico do mundo.
Neste novo mundo, Brasil, Rússia, Índia e outros países do “segundo mundo” serão fundamentais para o equilíbrio mundial, mas com ressalvas importantes.
O equilíbrio institucional interno é forte no Brasil e na Índia, mas ainda está em construção na Rússia.
O desenvolvimento tecnológico e a capacidade de inovação são fortes na Índia e na Rússia, e estão em construção no Brasil. A capacidade de evitar o isolamento político e estratégico, ou “soft power”, é forte no Brasil e na Índia, e fraco na Rússia.
Para o ministro do Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, seria muito natural que os Estados Unidos suspeitassem de qualquer iniciativa dos Brics, e reagissem contra, como se o objetivo maior dos movimentos dos emergentes fosse conter a ascendência americana. “Mas isso seria uma miopia”, já advertiu a interlocutores do novo governo de Barack Obama, de quem foi professor na Universidade Harvard.
“Deveriam ver nossos movimentos como uma genuína tentativa de reconstruir a ordem do mundo num sentido que atenderia também aos interesses de longo prazo dos Estados Unidos”, analisa.
Mas Unger admite que há uma distância grande entre o entendimento teórico dessa nova situação, que Barack Obama tem, da prática.
“É preciso observar que essa ambivalência é muito antiga nos Estados Unidos, que sempre quiseram se considerar uma potência revolucionária, mas hoje há razões para eles aceitarem essa mudança no mundo multipolar”.
Aos Estados Unidos pode interessar o avanço em direção a essa nova ordem mundial que dá mais espaço para experimentos, especula Mangabeira Unger.
Mas ele diz que ninguém nos Brics quer institucionalizar novos fóruns de decisão, nem criar regras que engessem as relações internacionais.
Ao contrário, o que se busca são maneiras novas de alcançar um desenvolvimento includente.
Também o embaixador Marcos Azambuja, que como representante do Centro Brasileiro de Relações Internacionais tem participado de diversos encontros com representantes de “think-thanks” de Rússia, Índia e China para discutir uma agenda comum, defende uma agenda mínima, com temas como meio a m b i e n t e e s e g u r a n ç a energética.
A ordem é “não criar uma instituição excessiva, não ser anti alguma coisa”. Ele destaca as afinidades de uma diplomacia presidencial: os quatro líderes que estarão reunidos na Rússia já se entendem diretamente, e estão saindo dessa crise mais fortes do que entraram, “alegando com razão que não foram responsáveis por ela, são vítimas e talvez um pouco salvadores da lavoura”.
Ele acha que “foi a crise que nos revelou e vai nos projetar”. Mas também admite que são países “de extraordinários avanços e extraordinários atrasos”. Seiscentos milhões de indianos vivem em condições de pobreza incompreensíveis para nós. A China tem centenas de milhões de pessoas na miséria, precisam trazer para a cidade 900 milhões de pessoas.
Mas os quatro países estão entre as dez economias do mundo pelo critério de poder de compra, e a reunião deles “tem a força de uma realidade que uma vez revelada é irresistível”.
Na avaliação de Marcos Azambuja, o Brasil é o mais avançado institucionalmente dos quatro, os três outros, os Rics sem o B, “têm uma tradição de rivalidade, de enfrentamento, três países mais em rivalidade do que em cooperação”.
Algumas vantagens comparativas dos países democráticos dentro dos Brics são ressaltadas pelo embaixador Azambuja: “Todas as eleições de todas as democracias europeias juntas não dão os 750 milhões de eleitores que votaram na última eleição da Índia”.
Mangabeira Unger admite, porém, que há um problema nos Brics “que não dá para sonegar”: dois dos países ou não são democracias (China) ou são democracias muito limitadas (Rússia). “E a falta de democracia é um imenso impedimento para o desenvolvimento de alternativas”.
DEU EM O GLOBO
Há uma preocupação grande entre as autoridades envolvidas nas negociações dos Brics de que esse movimento não seja entendido como de oposição aos Estados Unidos. A reunião dos chefes do Estado de Brasil, Rússia, Índia e China, da próxima terça-feira em Yekaterinburgo, na Rússia, pelo impacto de ser a primeira, e pelos temas que estarão em discussão, como a reformulação dos organismos internacionais ou a análise do dólar como moeda de referência internacional, tem potencial para ser polêmica, mas o objetivo é que seja o início de uma ampliação de espaço para os emergentes, mas não de confronto.
Mesmo porque neste novo mundo geopolítico que está sendo desenhado pela crise internacional, ainda há muitos avanços a serem feitos pelos Brics. O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, em recente palestra sobre os Brics, ressaltou que os Estados Unidos continuarão a ser o centro de elaboração do capitalismo liberal, baseado na inovação e nos novos métodos de organização de empresas e trabalho.
A Europa será cada vez mais a mediadora entre os Estados Unidos e a China, com relações intensas com o chamado “segundo mundo”, especialmente a Rússia e a América do Sul.
A China, com seu liberalismo econômico e autoritarismo político, transformará o Triângulo do Pacífico, formado por ela, Japão e a Australásia, no eixo econômico mais rico do mundo.
Neste novo mundo, Brasil, Rússia, Índia e outros países do “segundo mundo” serão fundamentais para o equilíbrio mundial, mas com ressalvas importantes.
O equilíbrio institucional interno é forte no Brasil e na Índia, mas ainda está em construção na Rússia.
O desenvolvimento tecnológico e a capacidade de inovação são fortes na Índia e na Rússia, e estão em construção no Brasil. A capacidade de evitar o isolamento político e estratégico, ou “soft power”, é forte no Brasil e na Índia, e fraco na Rússia.
Para o ministro do Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, seria muito natural que os Estados Unidos suspeitassem de qualquer iniciativa dos Brics, e reagissem contra, como se o objetivo maior dos movimentos dos emergentes fosse conter a ascendência americana. “Mas isso seria uma miopia”, já advertiu a interlocutores do novo governo de Barack Obama, de quem foi professor na Universidade Harvard.
“Deveriam ver nossos movimentos como uma genuína tentativa de reconstruir a ordem do mundo num sentido que atenderia também aos interesses de longo prazo dos Estados Unidos”, analisa.
Mas Unger admite que há uma distância grande entre o entendimento teórico dessa nova situação, que Barack Obama tem, da prática.
“É preciso observar que essa ambivalência é muito antiga nos Estados Unidos, que sempre quiseram se considerar uma potência revolucionária, mas hoje há razões para eles aceitarem essa mudança no mundo multipolar”.
Aos Estados Unidos pode interessar o avanço em direção a essa nova ordem mundial que dá mais espaço para experimentos, especula Mangabeira Unger.
Mas ele diz que ninguém nos Brics quer institucionalizar novos fóruns de decisão, nem criar regras que engessem as relações internacionais.
Ao contrário, o que se busca são maneiras novas de alcançar um desenvolvimento includente.
Também o embaixador Marcos Azambuja, que como representante do Centro Brasileiro de Relações Internacionais tem participado de diversos encontros com representantes de “think-thanks” de Rússia, Índia e China para discutir uma agenda comum, defende uma agenda mínima, com temas como meio a m b i e n t e e s e g u r a n ç a energética.
A ordem é “não criar uma instituição excessiva, não ser anti alguma coisa”. Ele destaca as afinidades de uma diplomacia presidencial: os quatro líderes que estarão reunidos na Rússia já se entendem diretamente, e estão saindo dessa crise mais fortes do que entraram, “alegando com razão que não foram responsáveis por ela, são vítimas e talvez um pouco salvadores da lavoura”.
Ele acha que “foi a crise que nos revelou e vai nos projetar”. Mas também admite que são países “de extraordinários avanços e extraordinários atrasos”. Seiscentos milhões de indianos vivem em condições de pobreza incompreensíveis para nós. A China tem centenas de milhões de pessoas na miséria, precisam trazer para a cidade 900 milhões de pessoas.
Mas os quatro países estão entre as dez economias do mundo pelo critério de poder de compra, e a reunião deles “tem a força de uma realidade que uma vez revelada é irresistível”.
Na avaliação de Marcos Azambuja, o Brasil é o mais avançado institucionalmente dos quatro, os três outros, os Rics sem o B, “têm uma tradição de rivalidade, de enfrentamento, três países mais em rivalidade do que em cooperação”.
Algumas vantagens comparativas dos países democráticos dentro dos Brics são ressaltadas pelo embaixador Azambuja: “Todas as eleições de todas as democracias europeias juntas não dão os 750 milhões de eleitores que votaram na última eleição da Índia”.
Mangabeira Unger admite, porém, que há um problema nos Brics “que não dá para sonegar”: dois dos países ou não são democracias (China) ou são democracias muito limitadas (Rússia). “E a falta de democracia é um imenso impedimento para o desenvolvimento de alternativas”.
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