domingo, 14 de junho de 2009

Em busca do equilíbrio institucional

Luiz Orlando Carneiro Raphael Bruno
Brasília
Entrevista Flávio Dino
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Autor da proposta de reforma eleitoral, deputado explica o que muda para 2010 e diz que TSE não pode ir além da lei

Derrotada, mais uma vez, a proposta de reforma política que estabelecia o financiamento público exclusivo de campanhas e o voto em listas partidárias fechadas, os deputados se mobilizam para realizar uma última tentativa de aperfeiçoar a legislação eleitoral antes da disputa de 2010. Autor do anteprojeto de "minireforma eleitoral" o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) detalha nesta entrevista exclusiva concedida ao JB que o objetivo primordial, agora, é retirar da Justiça Eleitoral parte dos poderes reguladores que ela, segundo Dino devido à "omissão" dos parlamentares, exerceu sobre os últimos pleitos.

O senhor acha que a minirreforma eleitoral será aprovada a tempo para valer em 2010?

Há tempo por duas razões: a primeira é que nós temos aí, três meses. Mesmo que na Câmara nós consumíssemos todo o mês de junho, ainda teríamos agosto para o Senado apreciar e eventualmente, se houver emendas, retornar para a Câmara para que a gente vote as emendas até setembro.

Qual proposta que gerou mais polêmica?

A chamada lista fechada. Em segundo lugar, e tão polêmico também, é o do financiamento de campanha. Cada um tem um modelo na cabeça. Foi em razão disso que a gente inverteu o procedimento. Em vez de buscar medidas de maior impacto e reunir forças políticas para aprová-las, agora o Michel Temer (presidente da Câmara) inverteu. Apresentei essa proposta metodológica de consenso progressivo, começando dos temas que mais unem indo até os os temas que mais dividem a Casa e a sociedade. Então nós estamos tratando, em primeiro lugar, dos temas referentes a campanha eleitoral, propaganda eleitoral, e aí abrangendo um conjunto de tópicos, como por exemplo o que pode, o que não pode, se pode ter placa, se pode pintar muro, se pode ter cavalete, se pode fazer carreata na véspera da eleição, se pode usar internet, como pode usar internet, se pré-candidato pode dar entrevista, se pode ter blog, se podem existir prévias partidárias.

O financiamento público não estaria necessariamente atrelado à da lista fechada?

Essa é uma teoria que eu chamo, brincando, da goiabada com queijo – uma coisa só funciona com a outra. Quando na verdade você pode comer goiabada e comer o queijo e ambos são bons. Não existe esse casamento em lugar nenhum, nem no Brasil.

Como seria o financiamento público sem a lista fechada?

Como já é hoje. Nós já temos financiamento público de campanha com lista aberta. Só que não existem normas para esse financiamento público. O financiamento no Brasil já é misto. Você tem o financiamento público representado pelo fundo partidário e pelo horário eleitoral gratuito e você tem o financiamento por empresas e o financiamento por pessoas físicas. Então como é que você calibra isso? No fundo partidário hoje são mais de R$ 200 milhões por ano. O fundo partidário é usado, sim, no financiamento de campanhas eleitorais – e fortemente. Só que não tem critérios. Ninguém sabe exatamente como é feita a distribuição nos Estados.

É possível impedir totalmente o financiamento por empresas?

Hoje é uma medida necessária porque o modelo está saturado. Primeiro, hoje o cerco ao chamado caixa 2, as doações ilegais, é crescente, em razão do aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e controle por parte da Justiça Eleitoral, cruzamento com dados da Receita Federal. Agora, recentemente, o TSE fez um convênio com o Tribunal de Contas da União. Então as doações ilegais, felizmente, tendem a minguar. As doações legais sempre enfrentam problemas, sejam políticos, sejam jurídicos. Politicamente, vou dar um exemplo recente – a CPI da Petrobras. Vocês jornalistas levantaram que senador tal recebeu dinheiro da empreiteira "X", que presta serviço para a Petrobras. Logo ele tem interesses pessoais, digamos assim, na CPI.

Então se for feito um esquadrinhamento do mundo político a partir dos seus doadores, isso cria uma espécie de suspeição, ainda que todos digam "não, eu recebi dinheiro da empresa, mas a empresa não manda em mim", mas aos olhos da sociedade não funciona assim. Esse é o problema político maior que eu vejo. No jurídico, recentemente o Ministério Público instaurou procedimentos e representações contra mais de 4 mil empresas que fizeram doações declaradas em 2006 e 2008. Ora, a tendência é que essas representações indo adiante, o empresário recue, porque diz "vou contribuir para isso aí e ter a minha empresa, depois, metida em confusão, sendo questionada, sendo apontada, sendo investigada". Então qual é o quadro que se projeta?

É que serão cada vez menos empresas e somente as muito grandes, grandes bancos, grandes empreiteiras, que irão se dispor a participar do jogo eleitoral. E isso, evidentemente, tem uma implicação gravíssima, que é poucas empresas definirem, de modo substantivo, o perfil da representação política no Brasil.

Não existe o receio de que essa minirreforma seja vista como uma maquiagem superficial?


Esse risco, há, mas eu não concordo com essa leitura. O Brasil não é um país de ruptura, é um país, pelo contrário, de grandes transições. Não que eu goste disso, é uma constatação sociológica histórica. Então, eu sempre encaro a reforma política como um processo e não como um momento. Se nós olharmos, no passado os candidatos não prestavam contas, não existia urna eletrônica, não existia um cadastro de eleitores confiável. Isso tudo vem dos anos 90 para cá.

Não se joga mais urnas nas lagoas e rios...

Conheço um caso no Maranhão que a urna foi aberta e foi encontrado um crustáceo dentro – para ver como é que as urnas eram manipuladas. Em 1995 foi votada a lei dos partidos, em 1997 a lei geral das eleições, em 1999, a lei chamada de captação lícita de sufrágio para compra de votos, em 2006 foi votada a Lei 11.300, que pôs fim à distribuição de brindes – camisetas, bonés, showmícios, etc. Temos aprimorado as regras eleitorais no Brasil. E também o Poder Judiciário veio dar uma contribuição importante, muito especialmente com a aprovação da fidelidade partidária, agora em 2007. É uma reforma política em curso, com todos os seus problemas.

O ponto principal da minirreforma é a questão da liberação de campanhas na internet?

Esse é um grande tema, sem dúvida, porque não é apenas a questão da atualização das regras às novas mídias. É o impacto que essas novas mídias tem no barateamento das campanhas e na democratização da circulação de ideias. Qual é a grande virtude da internet? É que ela é um meio substantivamente mais barato de campanha do que qualquer outra mídia, ela é de acesso praticamente universal. Hoje nós temos cerca de 40 milhões de computadores. Quer dizer, a exclusão digital no Brasil está se reduzindo, portanto é um meio que possibilita que o candidato tenha uma relação direta com o eleitor.

Existem especulações de que um grupo de deputados teria receio de uma atuação mais rigorosa do judiciário em relação as campanhas com o ministro Joaquim Barbosa na presidência do TSE em 2010. Esse receio procede?


Esse debate da chamada judicialização da política e da excessiva interferência do TSE já vem de alguns anos, com alguns episódios de alta voltagem, como a história da verticalização, a própria questão da fidelidade. Há uma questão institucional acerca de quem comanda o estabelecimento das regras do jogo do processo eleitoral e há uma percepção do Congresso de que, em razão das omissões nossas, o TSE acabou agigantando a sua função normativa. Uma coisa é a função regulamentar. Essa, sim, pertence ao TSE, que é a dimensão do como fazer. Mas o que fazer quem tem que estabelecer é o Congresso, em razão do princípio da legalidade. Como o Michel Temer tem insistido em nós fazermos uma legislação que detalhe as regras do jogo, exatamente para diminuir os vazios, e ao mesmo tempo, esclarecendo, regrando melhor o eixo chamado poder regulamentador do TSE, dizendo, em primeiro lugar, o óbvio de que o TSE não pode inovar na ordem jurídica, não pode criar regras novas, não pode criar sanções, punições onde a lei não prevê. Então não é uma questão fulanizada, mas é uma questão, sim, institucional. É um debate democrático, aberto, com um outro poder, para que a gente encontre um ponto de equilíbrio adequado.

A propaganda em faixas e cartazes volta a ser autorizada. Significa um retorno àquelas campanhas marcadas pela sujeira nas cidades?

Nós estamos mantendo a proibição de que em bens públicos de todas as espécies é proibida a propaganda eleitoral. Antigamente você olhava um poste de iluminação pública, na época da campanha, existiam placas fixadas nele inteiro, quase até à altura do fio. Isso vai continuar proibido. Nós estamos estendendo uma proibição que está na resolução relativa a árvores, jardins, que é proibido também. Agora, você permite algumas coisas, no caso faixas, placas, cartazes, em bens particulares. Eu diria que há um equilíbrio. Nós estamos liberando determinados meios de campanha, porque você não pode clandestinizar candidaturas. Não pode ser uma festa sem regras, mas também não pode ser um cemitério.

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