quarta-feira, 31 de março de 2010

Um horário nada gratuito:: Stepan Nercessian

DEU EM O GLOBO

Costurar alianças talvez seja uma das expressões mais usadas na política.

Em tempos de eleição então nem se fala. Depois, costuram se alianças para garantir a governabilidade e a ingovernabilidade também. As alianças nem sempre são feitas de um mesmo metal. Tem ouro e lata. A arte da ourivesaria política é conseguir fazer dar liga entre materiais incompatíveis e de preferência que o resultado final guarde características de tudo que foi usado na confecção da obra, sem deixar que a lata destrua o ouro e vice-versa.

É bastante simples fazer política não estando na política. De fora, tudo é nítido. O conservador, o esquerda, o direita e o volver. Verde que te quero verde, o corrupto, o canalha, o idealista, o padre sem batina, o pastor do dízimo com quem andas que eu te direi quanto vales. De perto é que o foco começa a perder a nitidez.

Ganha um doce qualquer político ou eleitor do Brasil que conseguir dizer em dez minutos o nome de todos os partidos existentes na atualidade. Se conseguir decifrar a ideologia de cada um aí tem direito a passar 24 horas sendo o Eike Batista.

Aqui vai uma mostra para quem estiver interessado:
panpcopcdobpcbpdtdemphsprpmdbpmnpppronappsprtbprpprbpsbpscpsdcpslpsdb... e por aí vai.

Essa lista é de 2006. A esta hora alguns já podem ter sido abduzidos e outros criados. Mas se quer ganhar o prêmio vá pesquisar.

Pois bem. É com essa matéria prima que se constroem as alianças políticas no Brasil. E, também com ela, a governabilidade.

Todos têm em comum uma preciosidade que é o tempo de televisão.

Cada segundo vale ouro e muitas vezes a secretaria de saúde ou segurança pública.

Um minuto no horário eleitoral equivale, por exemplo, ao Ministério da Agricultura. Quem entrar com cinco minutos pra trocar leva Furnas, Petrobras, Banco do Brasil e uma mariola de gorjeta. E o bom é que ninguém fica de fora.

Se tiver mais partido do que cargos, criam-se mais e mais ministérios, secretarias, autarquias. As alianças não podem deixar nada de fora.

Trabalhando como ator há quarenta e dois anos, dirigindo uma coisa ou outra, aprendi que um dos mistérios do sucesso em TV, cinema, teatro é saber escolher o elenco, escalar o elenco. Quando isso acontece, a gente diz que deu liga, pintou a química.

Pois bem, assistindo a um programa eleitoral, com as escalações atuais, o diretor seria demitido. Fica incompreensível para o espectador, não dá para entender a trama.

Tem de tudo um “porco”.

Que mera bucha vira canhão, o mocinho abraça o bandido, a mocinha beija o vilão, o vilão é amado, o herói vaiado e nem Janete Clair daria jeito na trama.

Só que desta vez o espectador é eleitor também. Ele precisa escolher entre tantos produtos o que vai levar pra casa. Casas legislativas, palácios, mensalões. Mas, pobre eleitor consumidor, a trama está confusa, tá difícil de escolher. E pior: muitos dos produtos oferecidos sequer têm garantia de quatro anos.

Tal qual em um BigBrother ele é chamado a participar, opinar, escolher e para por aí. O vencedor leva um mandato, os eliminados serão recompensados. Um carguinho aqui, um carguinho acolá.

Infelizmente o horário eleitoral virou moeda de troca. Nada de alianças programáticas, nada de coerência ideológica e de princípios. O importante é garantir audiência. E ainda há quem tenha coragem de chamar este horário de gratuito! Ele custa caro, muito caro. Mas neste mundo de celebridades o importante é aparecer.

Quanto às alianças, cuidado, geralmente se transformam em algemas quando o casamento não é feito por amor.

Stepan Nercessian é ator, vereador (PPS) e vice-presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Nenhum comentário: