quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Alemão tem 3ª noite de confronto

Exército troca tiros com traficantes e reforça ocupação de complexo com blindados

Um confronto entre traficantes e militares do Exército, pela terceira noite consecutiva, levou pânico ontem a moradores do Complexo do Alemão, que está ocupado desde novembro. Dois veículos blindados foram usados para que tropas entrassem na favela. Moradores viram disparos de balas traçantes e bombas sendo lançadas. O comandante da Força de Pacificação, general César Lemos, dissera de manhã que o tráfico pode estar por trás das manifestações que moradores vêm fazendo desde domingo contra o Exército. Já no Morro da Coroa, em Santa Tereza, três PMs da UPP, foram presos com R$ 13 mil e não souberam explicar a origem do dinheiro.

O tráfico de volta à cena

Alemão tem novo confronto e general diz que bandidos podem estar insuflando moradores

Ana Cláudia Costa e Taís Mendes

Ocupado desde dezembro pelo Exército, para a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) - que foi adiada de novembro próximo para junho de 2012 -, o Complexo do Alemão voltou a registrar ontem um novo confronto - o terceiro em três noites consecutivas. Foram disparados tiros e balas traçantes e lançadas bombas. O comércio da favela foi fechado. Um homem foi ferido por estilhaços de granada na Avenida Itaoca. Dois veículos blindados do Exército, além de carros da Polícia Militar, passaram a reforçar a ocupação. Militares orientavam os moradores a não subir o morro. A Estrada do Itararé foi fechada ao tráfego na altura da Avenida Itaoca.

De manhã, o comandante da Força de Pacificação, general César Leme Justo, afirmou que o tráfico pode estar por trás das manifestações de moradores contra militares do Exército no Alemão. Os protestos começaram domingo, quando o serviço de inteligência da força flagrou, segundo ele, traficantes em ação na Vila Cruzeiro, na Penha. O vídeo foi divulgado ontem, pelo próprio general. Nas imagens, editadas pelo Exército, bandidos aparecem vendendo drogas, recebendo dinheiro e vigiando uma boca de fumo. Uma moradora chega a levar comida para os criminosos, que não ostentam armas.

Cabral: problemas serão reduzidos

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, não quis comentar os conflitos no Alemão. O governador Sérgio Cabral, que participou da formatura de PMs ontem para a futura UPP da Mangueira, daqui a 45 dias, admitiu que há problemas nas áreas pacificadas, mas fez elogios ao projeto como um todo:

- Evidentemente, isso (a pacificação) é um processo de educação recíproca: força de segurança e comunidade. É um aprendizado diário. Há ainda resquícios de um viés de aparato violento, no caso das forças de segurança, e da cultura do poder paralelo, no caso das comunidades. Mas isso é minoria. É um processo de aprendizado que não tem fim e que vai melhorar a cada dia - disse o governador.

Na avaliação do governador, os conflitos não ameaçam a realização da Copa e das Olimpíadas no Rio:

- Há problemas, mas enfrentamos problemas. Londres, que é Londres, está enfrentando problemas e terá os Jogos Olímpicos ano que vem. O que eu disse à população quando fomos lutar pelas olimpíadas, que um grande legado seria a paz, tenho certeza de que vamos dar em 2014 este legado. Não quero dizer que os problemas vão acabar, mas serão reduzidos a cada ano. Posso garantir à população.

Após gravarem o vídeo com a venda de drogas na Vila Cruzeiro, integrantes da Força de Pacificação prenderam em flagrante, domingo, dois homens, por associação para o tráfico. Outras dez pessoas foram detidas, mas liberadas porque não foram flagradas com drogas.

Segundo o general, há cerca de 15 dias, foram feitas operações na região para coibir a venda ilegal de gás e a circulação de mototáxis em situação irregular, o que pode ter desagradado a quem ganha dinheiro com esses serviços. Um dia após o protesto feito segunda-feira à noite na Itaoca, em Inhaúma, uma das vias que margeiam o Complexo do Alemão, onde moradores atearam fogo a pneus e lixo, o mandante da Força de Pacificação disse que o embate entre militares e moradores foi um fato isolado. De acordo com o oficial, estava ocorrendo uma manifestação ordeira, permitida pelo Exército. No entanto, militares tiveram que agir, porque mototaxistas começaram a atacá-los, falando palavrões e atirando pedras e lixo. Oito foram detidos e levados para a base avançada da 22ª DP (Penha) que fica na sede da Força de Pacificação.

- Existe uma grande possibilidade do aproveitamento dos fatos por um grupo em função da permanência do Exército nessas comunidades. Fizemos operações contra o comércio ilegal de gás. E entendo que quem dominava o tráfico pode ter buscado alternativas, como a venda de gás. Isso (o protesto) pode ter sido uma ação estimulada pelo tráfico para forçar a saída das forças do Exército do local - disse o general.

José Júnior, coordenador-executivo do Grupo AfroReggae, que tem uma base no Alemão, negou que os moradores tenham sido insuflados pelo tráfico. Para ele, os soldados do Exército estão despreparados. Segundo Júnior, os militares moram no Rio em favelas onde o tráfico era chefiado por uma facção rival à que controlava o Alemão. Isso, ainda de acordo com ele, faz com que os integrantes da Força de Pacificação, principalmente os soldados mais novos, tenham problemas com os moradores.

- São jovens despreparados. Esses militares que chegaram agora trouxeram a cultura da favela onde moram. Moradores do Alemão querem, sim, a UPP, mas não querem a truculência do Exército - disse Júnior.

O major Marcus Bouças, relações-públicas da Força de Pacificação, disse ontem que não existe esse problema. Segundo ele, "os soldados estão ao lado da comunidade".

Ontem de manhã, no Alemão, moradores também reclamaram das ações do Exército. Sem se identificar, um parente de um mototaxista que foi detido disse que o Exército proíbe até mesmo festas particulares após as 22h. O comandante da Força de Pacificação negou: segundo o general, o que não se permite é música alta após esse horário. Eventos como bailes funk, segundo o oficial, também não são permitidos, para não haver venda de drogas. O general nega que haja toque de recolher. Ele disse que shows com grupos de samba acontecem sempre aos sábados, até as 2h - informação confirmada por moradores. As medidas do Exército também atingem a imprensa: fotos nas favelas só podem ser feitas com autorização da Força de Pacificação.

O descontentamento dos moradores podia ser visto ontem na Rua Joaquim de Queiroz: uma faixa estendida tinha a frase "A Força de Pacificação trata o povo do Alemão a tiros e chutes". Moradores da comunidade evitaram comentar o assunto.

- Nosso relacionamento com a comunidade é o melhor possível. Temos 1.200 homens no Alemão e na Vila Cruzeiro todos os dias, e eles continuarão fazendo o trabalho normalmente - disse o general.

É preciso aprender com isso, diz oficial

Na avaliação do coordenador das UPPs, coronel Robson Rodrigues, os conflitos recentes no Complexo do Alemão e na Cidade de Deus - onde a sede da unidade foi atacada domingo - fazem parte do aprendizado:

- Agora, é preciso aprender com isso. O Exército está fazendo um excelente trabalho no Alemão e vai deixar um caminho mais tranquilo para a gente.

Rodrigues disse ainda que nesta semana será realizado um seminário para avaliar o programa de pacificação do governo. De acordo com o comandante, no primeiro momento, as discussões ficarão restritas aos agentes envolvidos no programa e, no segundo, a população será ouvida.

- Estamos na metade do processo e vamos fazer uma avaliação de todos os fatores que tem nos tirado do caminho em alguns momentos. Vamos avaliar o plano de forma conjunta. Até 2014, teremos entre 40 e 45 UPPs, 12.500 policiais envolvidos e 175 favelas pacificadas - afirmou o coronel, que participou ontem da formatura de 489 novos soldados.

FONTE: O GLOBO

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