quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Mais dinheiro para o ralo:: Rolf Kuntz

Para que dar mais dinheiro a um governo incapaz de planejar e executar até o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, apresentado ao mundo em 2007 como filho dileto da ministra Dilma Rousseff, hoje presidente? Talvez sejam necessárias mais verbas para melhores ações e melhores serviços de saúde. Mas, até agora, ninguém contou como serão usados com mais competência os novos fundos. Sem mais eficiência no uso da receita já disponível, como justificar mais tributos? Neste ano, até agosto, o Ministério da Saúde pagou investimentos no valor de R$ 1,44 bilhão, apenas 28,3% dos R$ 5,09 bilhões autorizados para 2011. Mas até essa ridícula porcentagem disfarça o desempenho real: 83,3% dos desembolsos saíram de restos a pagar, dinheiro empenhado em exercícios anteriores. Os pagamentos com verba do ano ficaram em R$ 240,98 milhões, 4,7% do valor previsto no orçamento. São dados oficiais, ordenados e divulgados pela organização Contas Abertas, especializada em finanças públicas.

A execução do PAC também tem sido sempre ruim. Até 2010, os pagamentos do PAC orçamentário, aquele financiado diretamente pelo Tesouro, totalizaram 60,91% das verbas autorizadas durante o período. Desde o segundo ano, 2008, a maior parte dos desembolsos foi de restos a pagar. O padrão se manteve em 2011. Nos primeiros oito meses do governo da presidente Dilma Rousseff, foram desembolsados R$ 16,72 bilhões para as obras do PAC, 41,47% dos R$ 40,33 bilhões autorizados para o ano. Foi um desempenho melhor que o de janeiro-agosto do ano passado. Mas, na prática, o PAC 2 mal entrou em execução. Afinal, 80,55% dos pagamentos corresponderam a recursos empenhados em anos anteriores.

O estoque de restos a pagar, R$ 19,26 bilhões no fim de agosto, cresceu continuamente desde o início do PAC e a presidente Dilma Rousseff ainda não se livrou desse trambolho deixado por seu antecessor. Até o mês passado o governo aplicou R$ 24,14 bilhões em investimentos (não só do PAC) e 75,93% corresponderam a restos. O estoque ainda é muito grande, R$ 34,9 bilhões, mas pelo menos uma providência foi tomada para limitar seu crescimento. O governo decidiu acrescentar R$ 10 bilhões ao superávit primário - aquele dinheiro usado para o pagamento dos juros da dívida pública. Esse valor ficará fora dos novos empenhos e servirá para aliviar um pouco o endividamento federal.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca deixou de lamentar a extinção da CPMF, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira. Até hoje ele atribui a "perda" daqueles R$ 40 bilhões a uma conspiração dos oposicionistas, esquecendo, talvez, a participação da base aliada naquela votação. Mas a CPMF nunca foi destinada só à saúde - pormenor também menosprezado pelos defensores de sua recriação. Além disso, a arrecadação federal continuou em crescimento. Descontada a inflação, houve aumento de 7,68% em 2008. Em 2009, ano de crise, houve retração real de 0,38%, praticamente insignificante e explicável pelos incentivos concedidos a alguns setores. Em 2010, o crescimento real chegou a 9,77%. Neste ano, até julho, a arrecadação total foi 21,33% superior à de um ano antes, em termos nominais. Sem a inflação, o valor recolhido foi 13,98% maior que o de janeiro a julho de 2010. Quem pode falar em falta de dinheiro?

Apesar do grande aumento da receita, o governo tem sido um mau investidor. Em 2011, até o mês passado, o Tesouro pagou R$ 24,14 bilhões. Em oito meses, os desembolsos corresponderam a 37,14% dos R$ 64,99 bilhões autorizados para o ano - e a maior parte, R$ 18,32 bilhões, saiu de restos a pagar.

Se o governo é incapaz de planejar e de executar investimentos, como é gasto aquele dinheirão? A folha de pessoal tem crescido acima da taxa de inflação tanto pela concessão de aumentos quanto pela contratação de mais funcionários. Mas a quantidade e a qualidade dos serviços não têm aumentado proporcionalmente. Os gastos mais produtivos têm sido as transferências por meio dos programas sociais. Pelo menos esse dinheiro melhora a vida de milhões de famílias - embora não contribua, ou contribua modestamente, para a superação das causas da pobreza.

Fora disso, há muito desvio e muito desperdício. Os escândalos denunciados em vários ministérios, nos últimos dois meses, são com certeza uma pequena parte do saque rotineiro. E aqui vai mais um instrutivo detalhe captado pelo pessoal da organização Contas Abertas: desde 1995 a União Nacional dos Estudantes (UNE) recebeu do governo R$ 44 milhões. Desse total, 97,4% foram concedidos nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em agosto, a UNE foi inscrita como inadimplente no Cadin, o Cadastro de Créditos não Quitados do Setor Público Federal. Quanto dinheiro sobraria depois de uma faxina mais ampla?

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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