Ministro da Defesa disse que militares achariam discursos uma afronta e foi contestado pela titular dos Direitos Humanos
Tânia Monteiro, Rafael Moraes Moura,
BRASÍLIA - Ao sancionar ontem a lei que cria a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação, que foram alvo de discussões envolvendo a área militar e que sofreram críticas de importantes lideranças no Congresso, a presidente Dilma Rousseff fez questão de dar um ar institucional à cerimônia e discursou com sobriedade, contrastando com a tensão que se viu momentos antes do início da cerimônia oficial.
A discussão que dominou o debate entre militares e familiares de vítimas do regime militar, nos últimos anos, foi retomada momentos antes de a cerimônia começar no Palácio do Planalto. O cerimonial previu que, além dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Celso Amorim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), também falariam na solenidade familiares dos presos políticos.
A decisão gerou uma reação de Amorim, que, ao contrário de Rosário, entendia que a fala de familiares de vítimas poderia ser considerada uma afronta aos militares. A polêmica foi travada na antessala da presidente Dilma, testemunhada pelos ministros Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, e Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral. Diante do impasse, a própria presidente arbitrou: as falas ficariam por conta do ministro da Justiça e do presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Sem aplausos. Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica eram alguns dos raros militares presentes à cerimônia e, apesar de terem sido saudados por Dilma em seu discurso, em vários momentos não acompanharam os inúmeros aplausos à fala da presidente e do ministro. Limitaram-se a bater palmas no final do discurso de Dilma e Cardozo e no ato da assinatura da lei.
No fim do evento, o ministro da Defesa amenizou o clima dizendo que "todos estavam representando a verdade, sem revanchismo". A Comissão da Verdade pretende "examinar e esclarecer" as "graves" violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.
O texto prevê que o colegiado será composto "de forma pluralista" por sete membros indicados pela presidente, que não tem prazo para nomeá-la ou instalá-la. O ministro da Justiça, em entrevista, afirmou que Dilma vai escolher os "melhores nomes" para compor a comissão. "(A Comissão da Verdade) não poderá ter pessoas que não garantam a imparcialidade da execução dos trabalhos", disse Cardozo.
"Data histórica". Para mostrar sua imparcialidade como chefe de Estado, Dilma, ex-guerrilheira que foi presa e torturada, não citou em momento algum sua trajetória de vida ao saudar a criação da Comissão da Verdade. Preferiu falar que "este 18 de novembro é uma data histórica", que, a partir de agora, vai "comemorar a transparência e celebrar a verdade". "Hoje o Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo, sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio", afirmou Dilma, em seu discurso na solenidade.
"É fundamental que a população, sobretudo os jovens e as gerações futuras, conheçam nosso passado, principalmente o passado recente, quando muitas pessoas foram presas, foram torturadas e foram mortas. A verdade sobre nosso passado é fundamental para que aqueles fatos que mancharam nossa história nunca mais voltem a acontecer", disse a presidente, lembrando que foram "muitos que lutaram, que resistiram, que buscaram construir a democracia".
A exemplo do que fez em sua posse, a presidente fez questão de convidar para a cerimônia de sanção da criação das novas leis ex-companheiras de cela e familiares de desaparecidos políticos, como as filhas de Rubens Paiva e João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart. Foi um momento de forte emoção para a presidente.
A presidente Dilma aproveitou para abraçar e dedicar uma palavra a cada uma delas, que também classificaram o episódio como "um momento histórico". "Só poderia ser ela a fazer isso", disse uma delas, Maria Aparecida Costa.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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