segunda-feira, 20 de abril de 2015

Petrobras paga por equipamento inútil, custa US$ 3 milhões por ano

Mudança no projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí, tornou inútil metade do equipamento comprado pela Petrobras, em caráter emergencial, em 2010. Todo esse material permanece há cerca de três anos em pátios na Ilha do Governador e em Itaguaí, onde o armazenamento custa em média US$ 360 por hora. A despesa anual com o depósito é de US$ 3 milhões contam José Casado, Bruno Rosa e Ramona Ordonez.

Erros de gestão levaram à compra de equipamentos inúteis

• Mudança no projeto do Comperj deixa metade do material adquirido sem utilidade desde 2011

José Casado, Bruno Rosa e Ramona Ordoñez

São enormes, chegam a pesar uma tonelada. Alguns conjuntos de vasos, torres e reatores, custaram mais de US$ 20 milhões. Fabricados sob encomenda para o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),localizado em Itaboraí, receberam tratamento térmico especial para manter um nível de pressão interna. Chegaram ao porto do Rio quarenta e quatro meses atrás, em 2011. Lá ficaram por mais de um ano -"hibernados", no idioma da burocracia.

Depois foram distribuídos entre pátios na Ilha do Governador e em Itaguaí, onde permanecem. O estacionamento custa em média US$ 360 por hora, com despesa de US$ 3 milhões por ano. Alguns chegaram ao canteiro de obras do Comperj, em Itaboraí. Estão abandonados.

Metade desses equipamentos, comprados para as unidades de nafta, destilação e coque, tornou-se inútil e a Petrobras não sabe qual será seu destino. Eles contam a história de administração desastrosa, reconhecida pela companhia estatal e pelo Tribunal de Contas da União, e permeada por casos de corrupção.

Começou em 2003, quando a Petrobras anunciou investimento de US$ 6,5 bilhões na construção de um complexo petroquímico na Região Metropolitana do Rio. Passaram-se doze anos, a empresa gastou US$ 21,6 bilhões - 232% acima do previsto -, e o Comperj acabou reduzido a uma refinaria de petróleo. Produzirá combustíveis, mas nem um quilo de petroquímicos.

O enredo de infortúnios ganhou velocidade no segundo semestre de 2006, na campanha de reeleição do presidente Lula em plena crise do mensalão.

A diretoria da estatal expediu uma ordem (código DIP AB-PQF 178) para imediata licitação, contratação de obras, compra e montagem de equipamentos considerados essenciais ao polo. A Petrobras encomendara o "projeto conceitual" do parque petroquímico, com entrega prevista em três anos. Ainda não possuía sequer um projeto básico, registram as auditorias da empresa e do tribunal de contas.

A decisão de antecipar tudo aconteceu sob orientação do presidente da estatal José Sérgio Gabrielli, apoiado pelos diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Engenharia e Serviços). Estabeleceram até uma data, quarta-feira 12 de dezembro de 2012, para entrega da obra do Comperj "completa" - uma imposição "fortíssima", na descrição feita por Pedro Aramis, chefe do inquérito interno conduzido na Petrobras, em depoimento na Justiça Federal, em Curitiba: "Isso deu margem a uma série de quebras dos padrões usuais de trabalho."

"O processo era malfeito"
Costa e Duque deflagraram uma corrida contra o relógio na empresa. Duque distribuiu um mapa dos contratos necessários, com datas previstas para assinatura e prazos apertados de execução. Os dois diretores listaram quais empresas seriam convidadas, como demonstram e-mails enviados por Pedro Barusco, gerente-executivo de Duque. Marcaram reuniões trimestrais com fornecedores para resolver aumentos nos contratos sem licitação, classificados como "emergenciais".

Nos meses seguintes, de 2007 a 2012, a Petrobras assinou três dezenas de contratos do gênero para o Comperj. Somaram US$ 7 bilhões, com 21 empresas privadas - todas são investigadas em processos por corrupção.

A propina era disfarçada como "custo operacional" das empreiteiras, confessou Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa, em depoimento à polícia há três semanas. Repassavam os custos dos subornos à Petrobras encobertos como "custos contingenciados". Na Camargo Corrêa, por exemplo, o sistema de orçamento de obras - conhecido internamente como Primavera -, admitia variações nesse item de até 5%.

"Era fácil", disse Leite, "porque 1% do contrato se torna insignificante em um projeto mal orçado". E na Petrobras ficava ainda mais simples, acrescentou, porque "o processo era malfeito" no orçamento, na contratação e na fiscalização dos serviços, ao contrário do que ocorria em outras empresas "como a Vale".

Em parte dos contratos era inserida uma cláusula ("Quantidade determinada") prevendo compra de equipamentos mesmo sem a certeza da sua necessidade. "Funcionava como um cheque em branco para as empresas", contou Almir Barbassa, ex-diretor financeiro da estatal, à comissão interna.

Como resultado da antecipação nas compras, sem o plano básico de engenharia e análise de riscos, "algumas contratações acabaram se tornando inúteis", segundo o tribunal de contas.

Foi o caso dos equipamentos comprados em 2010 para melhoria da nafta, que serviria de matéria-prima à produção de petroquímicos. Em 2012, porém, a Petrobras redesenhou tudo para usar o gás natural extraído do pré-sal como insumo. Assim, o conjunto de peças adquirido em caráter "emergencial" dois anos antes, tornou-se desnecessário.

A unidade de hidrotratamento de nafta hoje é uma inutilidade de US$ 20,5 milhões abandonada em Itaboraí. Oito grupos de equipamentos, também adquiridos "com urgência" para o Comperj, não têm mais finalidade, nem destino.

Alguns podem ser usados, quando solucionados problemas nas obras de logística para transporte. Mas até à montagem, a estatal deverá pagar um adicional de US$ 569 milhões por "elevações de custos", informa o TCU.

Em janeiro, perguntaram à então presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, qual seria o valor de venda do Comperj. A resposta foi seca e enfática:

- Zero!

(Colaborou Cleide Carvalho)

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