- Ironia: Dilma sugeriu a Lula renunciar em 2005
- Valor Econômico
Em agosto de 2005, no pior momento da passagem de oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva pela presidência da República, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, respirou fundo antes de procurar o chefe para lhe fazer uma sugestão ousada e trágica ao mesmo tempo: diante do depoimento-surpresa, bombástico, do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios, não havia outra saída ao presidente, a não ser renunciar ao cargo. Surpreso, Lula soltou um sorriso nervoso e encerrou a constrangedora conversa com uma frase: "Vocês [além de Dilma, estava na sala pelo menos mais um ministro do núcleo do poder] não me conhecem".
Esse foi um dos episódios mais nebulosos do mensalão. Instalada há menos de três meses na Casa Civil, o centro nervoso de um governo que passava por uma crise aguda, Dilma teve coragem de sugerir a Lula que abrisse mão do cargo que levou 13 anos para conquistar. Mesmo tendo uma personalidade vingativa, Lula nada fez contra a auxiliar. Cinco anos depois, tornou-a sua sucessora.
A sugestão de Dilma se baseou numa situação que, do ponto de vista ético, era de fato muito séria. Duda Mendonça declarou à CPI dos Correios que em 2003 recebeu do PT, como pagamento pelos serviços prestados na campanha presidencial do ano anterior, R$ 15,5 milhões em recursos de caixa 2, sendo que, do total, R$ 10,5 milhões foram depositados numa conta no exterior.
Para muitos, aquela era a prova material suficiente para a abertura de um processo de impeachment contra o presidente. Outros acreditaram que era motivo bastante para anular a eleição de 2002. Como se sabe, o impeachment não foi adiante por uma única razão: a oposição não tinha votos no Congresso nem apoio das ruas para derrubar Lula, mesmo sabendo que a popularidade do presidente caíra ao nível mais baixo dos oito anos de poder (28%, em dezembro de 2005).
Dilma lançou mão de seu padrão ético para ir a Lula: na sua opinião, aquilo era o fim da linha; depois do que Duda revelou, o presidente não tinha mais condições de governar. Alguns dias depois do ato destemido da então ministra, três auxiliares do presidente o procuraram para fazer uma proposta menos ousada: com o objetivo de pacificar o país e recobrar a governabilidade, Lula anunciaria à nação que não se candidataria no pleito do ano seguinte, 2006. Em troca, a oposição serenaria os ânimos, desistindo do impeachment.
O presidente, uma vez mais, rejeitou com veemência a sugestão. Na verdade, as duas propostas de renúncia tiveram efeito contrário: depois de ouvi-las, Lula convocou um dos pilares de sua base social - o movimento sindical -, nomeou alguns de seus expoentes para cargos importantes e, assim, montou a resistência das "ruas" a qualquer tentativa de tirá-lo do Palácio do Planalto. Deu certo.
O curioso - o destino tem dessas coisas - é que Lula escolheu Dilma para sucedê-lo, impondo-a ao PT, baseado em duas características da atual presidente: a correção e as convicções de esquerda. Por causa do mensalão, os principais quadros do PT sucumbiram em meio a escândalos de corrupção, sendo que o partido construiu sua história empunhando justamente a bandeira da ética. Lula julgou que a escolha de Dilma, primeiro para chefiar a Casa Civil e depois para sucedê-lo, seria um aceno importante.
O então presidente também achava que a escolha de Dilma, por seu passado na guerrilha contra a ditadura e pelo ideário de esquerda que sempre seguiu, também seria um aceno à base social do PT, ainda ressentida com algumas escolhas "liberais" de seu governo, principalmente, no primeiro mandato. Quando determinou que o Antonio Palocci comandasse a campanha de Dilma e ocupasse o principal cargo no primeiro mandato da presidente - o de chefe da Casa Civil -, Lula pensou em seu legado: ele temia que a sucessora mudasse radicalmente a política econômica, o que acabou ocorrendo de fato após a queda de Palocci, com apenas seis meses de governo.
Atribuem-se a Lula, na crise sem-fim que caracteriza o segundo mandato da presidente Dilma, inúmeras jogadas de bastidor. Uma delas, ironicamente, dá conta de que ele teria trabalhado em algum momento pelo impeachment. Trata-se de algo improvável, uma vez que, impedida a presidente, o vácuo de poder só poderia ser ocupado, neste momento, ou pelo PMDB ou pela oposição. Isso poderia inviabilizar a perspectiva de poder de Lula para 2018.
O risco que o país corre agora é muito maior que o de 2005. Naquela época, depois de três anos de austeridade fiscal e monetária, a economia voltara a crescer, com a inflação sob controle. O ajuste liberal liderado por Palocci foi um sucesso. Em 2005, o país antecipou o pagamento da dívida com o FMI; em 2008, ganhou o grau de investimento das agências de classificação de risco; entre 2004 e 2008, o PIB voltou a crescer a taxas elevadas, o desemprego diminuiu e os programas sociais foram ampliados graças à melhora significativa das contas públicas.
Mesmo assim, em 2005, no auge do mensalão, pelas mesmas razões que o levaram a promover Dilma, Lula começou a fazer uma inflexão à esquerda na política econômica. Mais adiante, a crise mundial criou a justificativa para o governo adotar uma série de políticas que, em última instância, plantaram as sementes da recessão em que a economia se encontra neste momento. Em outras palavras, por causa da crise política de 2005, Lula caminhou, depois de três anos notáveis de responsabilidade fiscal e monetária, para o populismo.
O governo Dilma 1, marcado por baixo crescimento e inflação alta, avançou mais rapidamente no terreno do populismo que, desgraçadamente, é uma das características fundamentais da história da América Latina. Enfrentando o momento de maior instabilidade política desde a redemocratização e econômica desde o lançamento do Plano Real, Dilma não abre mão dos programas sociais que adotou e que não cabem dentro do PIB do país. A situação já é muito ruim, mas, diante da crise política, pode piorar, o que igualaria o Brasil a vizinhos que, mesmo dotados de riquezas naturais invejáveis, jamais conseguiram se transformar em nações prósperas e socialmente justas.
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