- O Estado de S. Paulo
A conversa de domingo à noite no Palácio do Jaburu entre o presidente em exercício Michel Temer e o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, não foi a primeira nem será a última “análise do quadro político” em que o tema subjacente às tratativas formais é a possibilidade de renúncia de Cunha. Não ao mandato de deputado, mas à presidência da Casa.
De uma ou duas semanas para cá, o assunto tem estado no centro das preocupações do Palácio do Planalto e adjacências. E por um motivo bastante mais objetivo que temores de (ainda) hipotética delação premiada ou tentativa de salvar a pele de Cunha: com Waldir Maranhão sentado na cadeira de presidente não dá. Quase nada anda em matéria de votações e, quando anda, o processo é muito mais complicado, entre outros motivos porque vira e mexe ele é impedido pelos deputados de tocar a sessão. Agora mesmo a Câmara está praticamente parada há duas semanas.
Além da agenda legislativa prejudicada, a Casa vive em tensão permanente. De um lado pela rejeição a Maranhão e de outro pelo desejo quase consensual de que Cunha se afaste para abrir espaço à eleição de um novo presidente para cumprir mandato até fevereiro de 2017. Fora isso, ao Palácio do Planalto interessa contar com uma interlocução que possa ser feita à luz do dia, sem dar margem a especulações. A cada vez que alguém do governo se encontra com Eduardo Cunha surgem versões sobre articulações para favorecê-lo no processo de cassação do mandato.
O encontro de domingo ocorreu por solicitação de Cunha. Segundo assessores do presidente em exercício, para uma conversa de “prospecção”. Temer poderia até se recusar a recebê-lo, mas criaria uma hostilidade desnecessária. E, sobretudo, contraproducente, pois quando se sente hostilizado Eduardo Cunha costuma firmar o pé na direção contrária. Portanto, a avaliação é a de que não se pode tentar lhe dar um xeque-mate. O melhor é administrar a situação com punhos de renda.
Como fez Michel Temer no domingo, em trabalho qualificado por aliados como de “relações públicas”. Não diz diretamente que deve renunciar, mas procura fazer ver a ele que o gesto poderia angariar alguma simpatia no colegiado (hoje majoritariamente antipático) no plenário quando da votação do pedido de cassação do mandato.
A possibilidade de que a cassação não seja aprovada, contudo, hoje é considerada muito remota. E, conforme dito a Eduardo Cunha, porque ele esticou demais a corda. Hoje qualquer um que viesse a se posicionar a seu favor seria mal visto pela opinião pública. Ninguém do governo diz isso a ele, mas o fato é que na visão geral Eduardo Cunha perdeu e precisa o quanto antes realizar a derrota, da maneira ainda mais suave à disposição dele: a renúncia à presidência.
Pelo simples fato de que o tempo dele está acabando. De acordo com o que dizem companheiros de fortuna e infortúnio, cabe a ele perceber.
A lei e a marra. A chamada Lei das Estatais, que estava prevista para ser sancionada ontem e obriga a contratação de “técnicos” para postos de direção em empresas públicas, impedindo a nomeação de políticos, é daquelas providências supostamente moralizadoras, mas só supostamente.
A Lava Jato e outras operações estão servindo para revelar que técnicos, quando querem e obtêm vantagem nisso, operam em nome de políticos. Eles podem ser tão corruptos quanto. Com a desvantagem, para o público pagante, de que contribuem para a desmoralização da política.
“Técnico” não é garantia de nada. Ao contrário, não depende de voto, vive na sombra de quem depende. Protegido do escrutínio popular.
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