quarta-feira, 29 de junho de 2016

PF aponta fraudes em 250 contratos da Lei Rouanet sem fiscalização da Cultura

• Força-tarefa da Polícia Federal, Transparência e Procuradoria encontram 'máculas' em repasses de verbas públicas para eventos culturais que provocaram rombo de R$ 180 mi no Tesouro

Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

A Polícia Federal investiga fraudes em 250 contratos sobre a Lei Rouanet que não passaram pela fiscalização do Ministério da Cultura. A informação foi divulgada pela PF nesta terça-feira, 27, após a deflagração da Operação Boca Livre, em parceria com a Procuradoria da República e o Ministério da Transparência. A organização criminosa agia desde 2001.

Um efetivo de 124 policiais federais saiu às ruas para cumprir 14 mandados de prisão temporária e 37 de buscas em dez empresas de grande porte de São Paulo, Rio e Brasília que se teriam beneficiado do esquema montado por uma companhia promotora de eventos culturais, o Grupo Bellini, de São Paulo.

A PF fez buscas no Ministério da Cultura. Ninguém foi preso na Pasta.

O dinheiro captado junto ao Ministério por meio do incentivo da Lei Rouanet era usado para shows e eventos particulares. Segundo o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, a verba servia para o ‘enriquecer fortunas pessoais’.

Boca Livre mostra que até dinheiro liberado oficialmente para eventos infantis e difusão de atividades indígenas foi desviado para custear gastos com a contratação de orquestras para festas de fim de ano de empresas.


Nos autos da Boca Livre há imagens e dados de um casamento suntuoso na praia do Jurerê Internacional, em Santa Catarina de um filho do empresário Antonio Carlos Bellini Amorim, alvo da investigação.

“Essas distorções foram identificadas ao longo da investigação, isso está muito bem materializado nos autos”, declarou o delegado Rodrigo de Campos Costa, da Delegacia Regional da PF de Combate e Investigação contra o Crime Organizado.

A PF identificou fraudes ‘grosseiras’ – projetos duplicados, copiados. “Beira mais de 250 projetos maculados por irregularidades”, disse o delegado. “A investigação mostrou que eles não foram fiscalizados. A razão vamos determinar nessa segunda fase do inquérito, a partir da análise do material apreendido e dos depoimentos.”

A PF informou que a fraude ocorria na modalidade isenção fiscal. “Basicamente, um grupo investigado apresentava projetos junto ao Ministério da Cultura para captação de recursos junto à iniciativa privada”, relatou o delegado. “Uma vez deferido o projeto, feito o trâmite burocrático, o grupo procurava as empresas, mas com a obrigação de promover eventos relacionados à cultura. Na verdade, o objetivo da lei não foi atendido, muito menos atingido. Verificamos realização de eventos privados, fechados e sem cunho cultural, conforme a Constituição exige.”

A PF e o Ministério da Transparência sustentam que ‘várias fraudes foram identificadas, como superfaturamento e produtos fictícios, apresentação de notas fiscais sem que o serviço fosse efetivamente prestado, projetos duplicados, a mesma foto, o mesmo folder, os mesmos requisitos. Só mudavam o nome do projeto e a contrapartida para as empresas que patrocinavam os eventos era a dedução de imposto de renda.’

“Era um toma-lá-dá-cá”, declarou a procuradora da República Karen Lousie Kahn, que integra a força-tarefa da Operação Boca Livre. “As empresas ganhavam duplamente na medida em que eram beneficiadas com as deduções de Imposto de Renda. Além disso, existia a contrapartida como uma condição para que patrocinassem os projetos. Havia o superfaturamento. Era uma forma de aumentarem seus lucros, se valendo, se aproveitando desse superfaturamento que acabava revertido para o seu próprio proveito.”

Boca Livre indica que o grupo que supostamente promovia os eventos captava os recursos ‘com facilitações’ no âmbito do Ministério da Cultura.

“O Ministério não só propiciava as condições ideais para a aprovação desses projetos forjados como também exercia uma fiscalização pífia ou nenhuma de uma forma dolosa para que esses projetos plagiados, copiados, repetidos, não fossem identificados como tais”, esclareceu Karen Kahn.

A procuradora reiterou que as empresas ‘se beneficiavam com a isenção, além do superfaturamento’.

“O valor era partilhado entre esse grupo criminoso e os patrocinadores revertiam esses valores em benefícios como eventos de fim de ano, livros que falavam da trajetória profissional da empresa, entre outras benesses.”

Segundo o Ministério da Transparência, ‘a organização era responsável pela proposição de iniciativas junto ao Ministério da Cultura e também junto à Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo para a aprovação e utilização de verbas de incentivo fiscal previstas na Lei Rouanet’.

“A Operação verificou que eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo festa de casamento foram custeados com recursos de natureza pública.”

Com a palavra, o Ministério da Cultura:
“As investigações para apuração de utilização fraudulenta da Lei Rouanet têm o apoio integral do Ministério da Cultura (MinC), que se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do País.”

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