Governo de Ortega na Nicarágua deixa para trás, como a Venezuela, princípios da democracia
Quando gestadas dentro de um governo originalmente legítimo, ditaduras costumam mostrar suas feições características de maneira gradual, até que se chega a um ponto a partir do qual não há mais como chamá-las por outro nome. Este se mostra o caso da Nicarágua sob jugo de Daniel Ortega.
Afinal, o estado de conflagração em que se encontra o país da América Central deriva de uma série de investidas contra valores básicos como a alternância de poder e a liberdade de expressão.
Depois de um mandato cumprido de 1985 a 1990, Ortega, 72, voltaria à Presidência apenas em 2007. Reelegeu-se no pleito de 2011, que mais tarde se revelaria seu último gesto de conformidade com as regras do jogo democrático.
O primeiro sinal de alerta deu-se em 2014, quando o Congresso controlado pelo governismo aprovou emenda constitucional para permitir a reeleição indefinida.
Dois anos depois, uma manobra do Conselho Supremo Eleitoral impugnou a candidatura do principal líder de partido opositor. Sem rivais competitivos nas urnas, o mandatário obteve o direito de governar até 2022, tendo como vice sua mulher, Rosario Murillo.
Desde abril, somou-se ao quadro de deterioração institucional uma onda de protestos, de início decorrentes de uma frustrada tentativa de reforma previdenciária. O nível de brutalidade das forças oficiais e de grupos paramilitares para reprimir as manifestações veio a consolidar a inequívoca face autoritária do regime.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 317 pessoas morreram entre 18 de abril e 30 de julho, inclusive civis e menores. A título de comparação, a cifra é quase o dobro das 163 vítimas na Venezuela —um país cinco vezes mais populoso— durante atos antigoverno em igual período do ano passado.
A decepção da maioria dos nicaraguenses com o Ortega de hoje se deve também à sua história de liderança na derrubada da ditadura da família Somoza, por meio da Revolução Sandinista, em 1979. Não por acaso, diz-se nas ruas que um e outro “são a mesma coisa”.
Ironicamente, o discurso anti-imperialista é um dos poucos vestígios remanescentes do homem que combateu uma tirania —mas, agora, serve apenas para a acusação caricata de um suposto financiamento dos EUA aos grupos “terroristas” por trás dos protestos.
Tal como a Venezuela do ditador Nicolás Maduro, a Nicarágua do ditador Daniel Ortega caminha para o isolamento internacional. Restam Cuba, os declinantes bolivarianos e alguns partidos de esquerda da América Latina —entre eles, de forma vexatória, o PT— a defender o indefensável.
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