domingo, 20 de outubro de 2019

Vera Magalhães - Moinhos de vento

- O Estado de S.Paulo

Presidente transforma inimigos imaginários em reais e ignora urgências do País

Uma mancha de óleo turva as águas do mar do Nordeste há mais de 40 dias (na verdade, cientistas estimam que o acidente que levou ao desastre pode ter ocorrido em junho!), sem que o presidente da República se envolva diretamente na adoção de um plano de contingência eficaz para contê-la. A reforma da Previdência, maior feito do governo até aqui e, provavelmente, nos seus quatro anos, está a uma votação de ser concluída, e o mandatário não esboça sequer um comentário a seu respeito, a não ser para lamentar a necessidade de fazê-la. Há quanto tempo não há uma reunião ministerial para coordenar todas as ações do Executivo? A última foi em agosto, e era emergencial para a questão da Amazônia.

Enquanto esses assuntos centrais para o sucesso do governo vão transcorrendo, o presidente duela contra moinhos de vento. Transforma inimigos imaginários em reais e, num prazo de duas semanas, levou à implosão de seu partido, o já fragmentado PSL, sem que se saiba ao certo o porquê da investida inicial e a utilidade de comprar esta briga neste momento, tanto tempo antes da eleição presidencial.

Uma das máximas mais surradas de Brasília é a de que bons presidentes têm a habilidade de tourear crises e fazer com que elas saiam menores do Palácio do Planalto do que entraram. Fernando Henrique Cardoso e Lula eram reconhecidos por esta habilidade, ainda que com diferentes estilos. Fernando Collor e Dilma Rousseff fracassaram na missão.

Bolsonaro, no entanto, também nisso subverte os manuais. É ele o fator gerador de crises absolutamente desnecessárias, supérfluas, grosseiras, de baixíssimo nível. Não raro elas são ocasionadas por sua paranoia, pela sensação, estimulada pelos filhos, de que sempre há alguém querendo sacaneá-lo na esquina seguinte.

Que a principal autoridade de um País com as necessidades prementes do Brasil exiba no trato com aliados (sic) tal nível de insegurança e infantilidade é de causar perplexidade a qualquer um. Mas não surpresa. Bolsonaro fez sua vida parlamentar nessa base do relacionamento miúdo com o baixo clero.

Também a construção de um clã político está na raiz de seu estilo, tanto que colocou um filho de 17 anos para disputar uma eleição contra a mãe e derrotá-la para ocupar uma cadeira numa das casas mais corruptas do Brasil.

O espantoso foi que, pelo curso da campanha, uma parcela significativa da população brasileira tenha enxergado este personagem como um potencial estadista, pelo simples fato de verem nele as credenciais para derrotar o PT.

Portanto, as brigas de botequim que eclodiram no PSL e estão expostas numa aula de anatomia da baixa política aos olhos de cidadãos perplexos nada mais são do que o bolsonarismo em sua essência. Não se sabe o rumo que a crise vai tomar quando os inimigos alimentados pelo estilo belicoso do presidente resolverem dizer o que sabem dos “verões passados” com o intuito de implodi-lo.

Também fica difícil imaginar que base vai surgir a partir dos escombros do PSL. Bolsonaro vai se aproximar finalmente do mainstream, via MDB (que já está chegando para arrumar a bagunça) e DEM? Mesmo isso tem eficácia e prazo de validade mínimos, dado o estilo persecutório e caótico do presidente.

Mais provável é que ele siga como um corpo alheio ao próprio governo, criando tretas inacreditáveis (com correligionários, governadores, prefeitos, presidentes de outros países e quem mais aparecer) enquanto alguns poucos ministros técnicos carregam o piano. Neste caso, só resta torcer para terem êxito, pois o País não aguenta mais quatro anos de crise econômica e desemprego. E esperar que, em 2022, o eleitor saiba enxergar os políticos como eles são, e não como mitos, e faça seu escrutínio em bases mais racionais.

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