O Estado de S. Paulo.
O peso das redes sociais ao limitar o alcance dos candidatos
Henry Kissinger acabou de completar 99 anos
e de publicar mais um livro. Leadership (Liderança). É quase um testamento de
quem pessoalmente viu de tudo. De Hitler a Merkel, de Mao a Xi Jinping, de
Kruchev a Putin, de Eisenhower a Biden. Goste-se ou não de Kissinger, esse
hiper-realista tem algo a dizer sobre qualidades de líderes políticos.
No livro ele nem cita o Brasil, mas que
lugar ocupariam Bolsonaro e Lula, os dois líderes brasileiros do momento, na
grande separação universal que Kissinger faz entre “estadistas” e “profetas”?
Nem um, nem outro. O estadista, diz o autor, teme a personalização da política,
pois sabe como são frágeis as estruturas que dependem sobretudo do indivíduo.
Lula e Bolsonaro são populistas por definição.
Na visão de Kissinger os dois brasileiros liderando a política teriam algo de profetas. Mas apenas num aspecto muito restrito: acham que simplesmente por ter uma visão, isso lhes confere razão. Estão a galáxias de distância daqueles que superaram as circunstâncias que herdaram e conduziram suas sociedades para as fronteiras do possível (profetas na História, para Kissinger, foram Robespierre, Lenin, Joana D’arc e Gandhi).
A capacidade de atuação do líder político,
afirma o autor, depende de entender o passado e projetar o futuro. Nesse
sentido, Bolsonaro e Lula são vítimas de dois fenômenos modernos que Kissinger
considera extraordinariamente prejudiciais à formação de líderes de grande
alcance.
O primeiro é a perda generalizada do que se
chama “alfabetização profunda”, isto é, a capacidade de aprimorar o senso
analítico sobretudo pela “leitura profunda”. É famosa a aversão de Bolsonaro e
Lula por textos longos. Esse fenômeno está associado a outro, considerado ainda
mais prejudicial à formação de líderes: as tecnologias digitais.
Trata-se da passagem da cultura da palavra
impressa para a cultura da imagem, e sua preponderância nas redes sociais. Para
a formação de líderes a era digital traz quatro tipos de vieses prejudiciais:
imediatismo, intensidade, polarização e conformidade. É o resultado de uma
atmosfera na qual “lideranças” são suplantadas por uma combinação de emoções
pessoais e de massas inflamadas por imagens.
O Brasil é parte relevante do fenômeno,
incentivado pelas redes sociais, da divisão da sociedade em tribos – do qual
Bolsonaro e Lula são expressão fidedigna, embora venham de outros tempos. A
polarização e o conformismo dependem um do outro e se reforçam: as pessoas
passam a pertencer a uma tribo, que, por sua vez, policia o que as pessoas
pensam.
Está passando para a política, conclui o
velho cínico Kissinger, aquilo que as plataformas digitais já estabeleceram.
Usuários são divididos entre “influencers” e “seguidores”. Não há mais “líderes”.
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