Folha de S. Paulo
A paixão político-partidária está ditando a
aprovação ou reprovação de dois gênios
Nada me tira da cabeça que o jogo contra
a Suíça teria sido mais fácil se Neymar estivesse em campo. O
craque fez falta. E olha que teve gente comemorando quando ele se machucou.
Ninguém é obrigado a admirar ninguém, e
Neymar —assim como tantas estrelas— tem sua cota de atos pouco admiráveis. Mas
não foram eles o que realmente gerou a antipatia atual de parte da opinião
pública, e sim seu apoio
ostensivo a Bolsonaro. Assim como o que motivou os
xingamentos baixos a Gilberto Gil, também no Qatar, foi seu
apoio a Lula.
Não que os dois atos sejam moralmente equivalentes. Gritar insultos a um senhor de idade que passa é uma agressão consideravelmente mais baixa. O equivalente à comemoração pela ausência de Neymar da Copa seria se pessoas celebrassem Gil ter perdido alguma premiação internacional da música. Diferenças à parte, em ambos os casos o que vimos foi a paixão político-partidária ditando a aprovação ou reprovação de dois gênios de suas áreas.
Em parte, falta a boa e velha capacidade de
separar artista e obra. Podemos amar o cinema de Woody Allen e as pinturas de
Michelangelo sem apoiar as escolhas que eles tomaram em suas vidas. Mas há mais
do que isso.
Futebol e música não são qualquer esporte
ou qualquer arte; são talvez as duas principais expressões da nossa identidade
nacional. A forma como olhamos para nós mesmos e nos entendemos enquanto nação
—aquilo que nos distingue dos outros e que ostentamos com orgulho— é em boa
medida o produto da música popular e do futebol, do trabalho de gente como Gil
e Neymar.
Esse Brasil com que cada um de nós sonha —o
Brasil que poderia ser— é diariamente negado pela realidade do Brasil real —o
que o Brasil, de fato, é. Mas na música e no futebol o Brasil sonhado existe de
verdade. Criatividade, jogo de cintura, talento, ginga, prazer, alegria; e
também trabalho, dedicação, busca da excelência. E, em ambos, a presença
inescapável da diversidade e da miscigenação não apenas nos participantes mas
também na forma do fazer, no idioma musical e esportivo em que conversam.
É verdade que tanto o futebol como a música
podem —e são— politizados, não raro pelos próprios praticantes. Eles também são
humanos. Quando Neymar joga e Gil compõe e canta, no entanto, essas expressões
falam mais alto do que suas opiniões políticas. São expressões políticas de um
outro nível, pois engendram a capacidade de unir milhões de pessoas diferentes
em torno de uma concepção de bem comum.
Quando a política —isto é, a disputa por
poder na sociedade— fala mais alto do que todas as demais considerações, somos
levados inexoravelmente a reduzir todas as relações a amigo e inimigo, e agir
de acordo. Nada mais tem valor intrínseco; tudo importa apenas na medida em que
favorece ou atrapalha a supremacia de um grupo de pessoas sobre as demais. A
vida perde o sentido: ouvir música ou torcer pela seleção perdem o sentido. E
morre com eles a própria ideia de que podemos formar uma nação. Ver a nós
mesmos como uma unidade, capaz de competir com outros países —e de, em alguma
medida, ensiná-los— e de reconhecer valores em nós mesmos, torna-se impossível.
A seleção? É bolsonarista (exceto
o "santo" Richarlison). A MPB? Petista.
É o Brasil reduzido ao calendário eleitoral. Resta a guerra.
Tudo isso para concluir: torça pela
seleção, releve suas diferenças com o menino Ney e escute Gilberto Gil com prazer.
Fará bem para você e para todos nós.
3 comentários:
Neymar CINDERELA
(tornozelo de VIDRO... 'Era vidro e se quebrou'...)
''A seleção é bolsonarista,a MPB é lulista''.
A parte das escolhas políticas e éticas de Neymar, o que eu não gosto dele é de outros iguais, que tem em qualquer esporte, mas muito mais no futebol, é o cara ancorado apenas no seu talento individual, sem comprometimento, sem empatia, comparado aos verdadeiros gigantes, Neymar e outros são anões, por isso, apesar da fama, tem poucas conquistas.
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