Correio Braziliense
O vandalismo dos bolsonaristas
inconformados com a prisão de um xavante bolsonarista, baderneiro —
supostamente convertido ao Evangelho e oficiado pastor quando estava preso por
tráfico de drogas —, na noite de segunda-feira, em Brasília, sinaliza muitas
coisas, mas não a força suficiente para impedir a posse do presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva. Sua diplomação pelo presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), Alexandre Moraes, que determinou a prisão preventiva do índio
renegado por sua tribo e a soldo de um fazendeiro do interior paulista,
demonstrou que a democracia segue seu curso, com suas pompas e ritos, que
consagram o nosso Estado democrático de direito.
O sociólogo Manuel Castells, ministro de Universidades da Espanha — discípulo de Alain Touraine, Michel Foucault e Jürgen Habermas —, destaca que a democracia se constrói em torno de relações de poder social que vão se adaptando à evolução, mas sempre acaba por privilegiar o poder que já está cristalizado nas instituições. E com o poder cristalizado ficando cada vez mais poderoso, mais difícil fica de eliminá-lo ou combatê-lo. Isso acaba por desencorajar a criação de novas representações políticas ao fazer com que o cenário político se mostre cada vez mais dominado por grandes partidos, enraizados há mais tempo.
Partindo dessa premissa, podemos constatar
que o tsunami eleitoral de 2018, que levou Bolsonaro ao poder, ao mesmo tempo
em que foi resultado do descolamento dos partidos da sociedade, por seu
cretinismo parlamentar (que nada mais é do que a defesa dos interesse próprios
dos políticos e não das ideias e eleitores que lhes deram origem), representou
a derrota dos movimentos cívicos que emergiram da crise do governo Dilma
Rousseff em 2013. Esses movimentos não conseguiram dar origem a uma alternativa
de poder de caráter liberal. Esvaziados, sua base social foi capturada pelo
bolsonarismo, um movimento assumidamente reacionário, cuja atuação reproduz a
velha extrema-direita da crise política e da radicalização dos anos 1930.
Agora estamos diante de um novo ciclo, em
que o presidente Jair Bolsonaro, líder carismático desses movimentos, perdeu as
eleições para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fundador e líder do
maior partido de origem operária da história do país, num processo de
polarização esquerda versus direita que precisa ser ultrapassado, mas se
retroalimenta. Entretanto, há uma diferença fundamental entre Lula e Bolsonaro:
o primeiro tem um partido com experiência política e eleitoral, e o segundo,
não; lidera uma militância fanatizada e organizada à margem dos partidos que
lhe deram governabilidade.
Diria Castells, quem paga esse pato é a sociedade, que se vê longe do sistema político, ao mesmo tempo em que o processo de renovação e evolução política do país fica tolhido pelos partidos dominantes. Mas não sejamos maniqueístas, o outro lado dessa moeda é o fortalecimento das instituições políticas, ainda que por uma "partidocracia". Assim, a virulência verbal e vandalismo dos bolsonaristas-raiz são preocupantes, desnudam a mentalidade fascista de suas lideranças, porém, ao mesmo tempo, revelam um certo desespero diante da força das instituições e do curso da democracia.
Um comentário:
Verdade,concordo.
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