quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Rigor da lei tem de ser usado contra arruaças bolsonaristas

Valor Econômico

O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que se não houver punições aos responsáveis agora, o próximo governo os punirá

Poucas horas depois que Luiz Inácio Lula da Silva foi diplomado presidente da República pelo Tribunal Superior Eleitoral, em cerimônia onde a democracia foi exaustivamente louvada, seus inimigos provocaram arruaças públicas em Brasília. Cinco ônibus foram queimados, a sede da Polícia Federal e da 5ª Delegacia de Polícia sofreram tentativas de invasão e botijões de gás vazios foram espalhados pelo Setor Hoteleiro Norte. A segurança do hotel onde estão hospedados Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin foi reforçada e um clima de tensão na capital federal varou a madrugada. A Esplanada dos Ministérios e a Praça do Três Poderes amanheceram fechadas ontem.

No TSE, foram lembradas as circunstâncias de uma das eleições mais conturbadas desde a redemocratização, com as tentativas do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, de desacreditar as urnas, instigar as Forças Armadas a exercerem funções que não são as suas - verificar a lisura das urnas, por exemplo - e conclamar apoiadores radicais a se insurgirem contra o resultado.

Bolsonaro manteve-se quieto desde que foi derrotado nas urnas, mas interrompe seu silêncio para instigar seus apoiadores mais extremistas, que há semanas acampam na frente de quartéis pedindo que os militares intervenham e ponham fim à democracia. “Por que chegamos a esse ponto?”, indagou Bolsonaro um dia antes da baderna de seus correligionários em Brasília. “Demoramos a acordar? Nunca é tarde para acordarmos e sabermos a verdade”.

O estopim da violência bolsonarista foi a prisão, pedida pela Procuradoria Geral da República e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do indígena José Acácia Tsrere Xavante, acusado de instigar atos violentos para impedir a posse de Lula e perseguir membros do Supremo Tribunal Federal. Na diplomação de Lula, Moraes deixou claro o que acontecerá com manifestações que extrapolem os limites legais. “Diversos grupos organizados já identificados, garanto, serão integralmente responsabilizados para que isso não retorne nas próximas eleições”, afirmou.

Caminhoneiros identificados pelas autoridades do Mato Grosso, que participaram de comboio organizado em Cuiabá em novembro, começaram a ser multados e proibidos de circular. A Polícia Federal descobriu algo mais além de eventuais fervores ideológicos de alguns participantes dos bloqueios de estradas no Centro-Oeste: envolvimento em crimes ambientais, contrabando e tráfico de drogas (Folha de S. Paulo, ontem). Houve mais de 100 bloqueios de estradas e caminhoneiros também participam de concentrações em frente a quartéis do Exército em vários pontos do país.

Bolsonaro nunca reconheceu direito a derrota nem pediu aos bolsonaristas que deixassem os militares em paz, após cantilenas incessantes por um golpe. O objetivo dessas manifestações é antidemocrático, mas enquanto se limitarem a pacificamente manifestar opiniões, ainda que extremas, podem ser toleradas. O mesmo não pode ser dito de empresários que patrocinam e financiam esses protestos, que estão sendo investigados e poderão ser, se for o caso, processados. Da mesma forma, ultrapassaram claramente a legalidade os atos com violência na noite de segunda-feira em Brasília.

Assim como a tentativa de Bolsonaro de invalidar o resultado das urnas foi barrada imediatamente pelo reconhecimento da vitória de Lula pelo comando do Legislativo e do Judiciário, os tumultos bolsonaristas de agora provocaram a mesma reação. Arthur Lira, presidente da Câmara, manifestou “repúdio” veemente “à desordem, violência, risco à integridade física ou de patrimônio privado”. Rodrigo Pacheco, no comando do Senado, condenou as “minorias raivosas” e considerou “absurdos” os atos de vandalismo. O secretário da Segurança do Distrito Federal, Julio Ferreira, disse que já tem todos os meios para identificar os baderneiros. O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que se não houver punições aos responsáveis agora, o próximo governo os punirá porque os crimes não terão prescrito até a posse.

Os bolsonaristas radicais devem continuar testando os limites legais para desgastar e intimidar as instituições, e demonstrar força política. Podem se tornar uma fonte perene de intranquilidade durante o governo de Lula, caso, dentro dos estritos limites da lei, não sejam chamados a responder por eventuais crimes e sejam punidos por eles.

Vândalos não têm lugar na democracia

O Estado de S. Paulo

Eis o final do governo Bolsonaro: manifestantes bolsonaristas incendiando ônibus e depredando prédios públicos. Que a lei prevaleça, assim como prevaleceu em todo o processo eleitoral

Na sexta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro disse que as manifestações contrárias ao resultado das eleições, alegando supostas fraudes, eram organizadas por “cidadãos de bem” e estavam “de acordo com as nossas leis”. Anteontem, em Brasília, alguns desses “cidadãos de bem”, acampados desde o fim das eleições presidenciais diante do Quartel-general do Exército para pedir que os militares impeçam a posse do vencedor, o petista Lula da Silva, mostraram que a única lei que respeitam é a da selva.

Horas depois da diplomação de Lula da Silva e de seu vice, Geraldo Alckmin, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ato que encerrou o processo eleitoral, os vândalos, a pretexto de protestar contra uma ordem de prisão temporária de um de seus líderes, incendiaram ônibus e carros, depredaram prédios públicos e privados e tentaram invadir a sede da Polícia Federal.

Não há argumento retórico que faça dessa barbárie uma maneira legítima de manifestação. Não faz muito tempo, nos idos do governo da petista Dilma Rousseff, parlamentares que hoje se identificam com o bolsonarismo pugnaram pela aprovação de uma lei que enquadrasse como terroristas os manifestantes que incendiassem veículos e depredassem prédios públicos. O objetivo, claro, era constranger os movimentos sociais. Mas eis que, quando é a extrema direita que reivindica o direito à truculência, os “terroristas” se transformam em “patriotas”.

Não podia acabar em outra coisa um governo que começou sob o signo da divisão e da violência retórica. É quase natural que apoiadores do presidente instaurem o caos na capital do País porque não se conformam nem com o resultado das eleições nem com decisões da Justiça – sejam as que permitiram a candidatura de Lula, sejam as que tolheram o golpismo bolsonarista no processo eleitoral. No caso da prisão contestada pelos baderneiros, a ordem, do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi dada depois de pedido da Procuradoria-geral da República (PGR) justamente por indícios de crimes contra a democracia. A violência dos manifestantes confirmou o acerto da decisão da Justiça.

Mas os atos de vandalismo em Brasília revelam mais do que o desprezo de bolsonaristas pela lei e pela democracia. Eles evidenciam que a contínua confrontação de Jair Bolsonaro contra o sistema eleitoral e o Judiciário produziu e continua a produzir danos inéditos sobre o País. Antes de Bolsonaro empreender sua campanha contra as urnas eletrônicas, nunca tinha havido nada minimamente parecido em termos de resistência e de violência contra o resultado de uma eleição.

Vale lembrar que, na sexta-feira passada, Jair Bolsonaro voltou a fazer declarações golpistas, instigando apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. “Quem decide para onde eu vou são vocês. Quem decide para onde as Forças Armadas vão são vocês. Quem decide para onde o Congresso vai são vocês”, disse o presidente, como se estivesse numa anarquia, e não num Estado Democrático de Direito. Os atos de vandalismo em Brasília explicitaram a gravidade das palavras irresponsáveis de Bolsonaro.

Perante um presidente da República que ignora solenemente a Constituição, é possível entender o motivo pelo qual foi dada tanta solenidade ao ato de diplomação da chapa presidencial no TSE. Não eram circunstâncias normais. Não era apenas diplomar os ganhadores das eleições, reconhecendo oficialmente a regularidade e a legitimidade da vitória. Neste ano, por força dos ataques e ameaças praticados contra a democracia, a diplomação representou uma celebração do regime democrático. Foi o reconhecimento de que, apesar de todas as dificuldades, o processo eleitoral funcionou. “Essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da democracia e do Estado de Direito contra os ataques antidemocráticos”, disse o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.

A especial solenidade do ato de diplomação foi também um importante alerta em defesa da democracia. As instituições estão atentas e vigilantes. No Estado Democrático de Direito, não há espaço para o golpismo, para a violência ou para a barbárie. Aos que trilham esse caminho, a lei prevê punição – a inelegibilidade é uma delas.

A Lei das Estatais diz a que veio

O Estado de S. Paulo

Petistas acham que a lei que impede indicações políticas para cargos de direção e Conselhos de Administração de empresas públicas atrapalha; só isso basta para justificar sua existência

Uma análise divulgada pela consultoria Eurasia deu conta de que a escolha da equipe do governo eleito tem esbarrado em restrições da Lei das Estatais. Os dispositivos do artigo 17 da Lei 13.303/2016, que estabelecem critérios para a indicação de diretores e membros do Conselho de Administração de empresas públicas e sociedades de economia mista, impõem uma série de exigências sobre experiência e formação aos candidatos a assumir as funções, assim como proíbe a nomeação de ministros, secretários e detentores de cargos de confiança, parlamentares, dirigentes partidários e pessoas que tenham atuado em campanha eleitoral ou que tenham qualquer conflito de interesses, além de seus parentes.

Tais requisitos seriam uma barreira à nomeação de aliados do presidente eleito a cargos estratégicos vinculados ao Executivo federal, entre eles o senador Jean Paul Prates (PT-RN) e o ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP), cotados, respectivamente, para o comando da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em uma reunião na semana passada, Lula da Silva teria aventado a possibilidade de alterar essas limitações por meio de uma medida provisória.

Integrantes da equipe de transição não confirmaram nem negaram os rumores, elevando as incertezas dos investidores e o receio de que as empresas, sobretudo sociedades de economia mista com ações em bolsa, possam sofrer interferências políticas. Não é um temor desarrazoado, pelo contrário. As circunstâncias que levaram à aprovação da Lei das Estatais, em 2016, remetem a fatos praticados em administrações petistas que causaram enormes prejuízos financeiros às próprias companhias.

A Petrobras foi uma das maiores vítimas de intervencionismo no governo Lula e na gestão de Dilma Rousseff. Além de perder dinheiro em investimentos controversos e esquemas que alimentavam o caixa de partidos políticos, a empresa foi usada como instrumento de controle da inflação – tanto que os reajustes precisavam do aval prévio do Ministério da Fazenda. O BNDES, por sua vez, alavancou companhias selecionadas para serem campeãs nacionais com empréstimos subsidiados e financiados pelo contribuinte. Já seria uma medida bastante questionável mesmo se a política ao menos tivesse dado certo. Mas, como todos sabem, não deu, haja vista a recuperação judicial da Sete Brasil e da Oi.

A aprovação da Lei das Estatais criou níveis mínimos de governança para o comando das empresas públicas. Exigir dos executivos e conselheiros formação específica, experiência prévia ou que tenham trabalhado no setor em que a companhia atua não é nenhum absurdo. O risco de serem responsabilizados por atos que venham a prejudicá-la tende a conduzir à tomada de decisões tecnicamente fundamentadas.

Nenhuma lei, no entanto, é perfeita, e a própria Lei das Estatais abre margem para interpretações divergentes. Artigos que tratam da defesa do interesse da empresa, de alguma forma, podem contrapor-se a trechos que dispõem sobre a função social das companhias e o interesse coletivo, termo no qual cabe quase tudo. A lei não constrangeu o presidente Jair Bolsonaro quando este decidiu trocar o presidente da Petrobras várias vezes até encontrar alguém disposto a fazer exatamente o que ele queria – evitar reajustes nos combustíveis em um ano eleitoral. A legislação foi olimpicamente ignorada quando o Conselho de Administração da petroleira aceitou a nomeação de Jônathas Assunção, secretário executivo da Casa Civil e braço direito do ministro Ciro Nogueira, a despeito da recomendação de três instâncias da companhia pelo veto.

Aperfeiçoamentos são sempre desejáveis, e é possível que a Lei das Estatais enseje ajustes, mas não neste momento e nem por medida provisória, norma cuja tramitação célere impede o necessário amadurecimento do debate no Congresso. Mas é muito simbólico que o único trecho criticado pelo mundo político seja o que estabelece limites aos nomes para a direção e o Conselho de Administração das empresas públicas. É das raras unanimidades, pelas piores razões, a unir os interesses da direita, da esquerda e do Centrão.

Incerteza mantém os juros bem altos

O Estado de S. Paulo

Copom confirma que cenário externo ruim e insegurança sobre o novo governo dificultam a redução

Juros altos e crédito escasso continuarão complicando o dia a dia dos brasileiros por muito tempo, se o novo governo, gastando sem cuidado, tornar mais incerta a evolução de suas contas e, de modo especial, da dívida pública.

Obviamente dirigida ao presidente eleito e ao futuro ministro da Fazenda, esta é a principal mensagem contida na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Tendo mantido em 13,75% a taxa básica de juros, o Comitê se absteve de indicar seus próximos passos, limitando-se a admitir um aperto maior, no próximo ano, se a desinflação for mais lenta do que se espera. A ata foi divulgada na última terça-feira, mas a decisão sobre os juros foi anunciada ao anoitecer da quarta-feira anterior, depois da reunião. No mercado, estimativas de juros para 2023 foram logo ajustadas para cima.

Juros altos, e talvez em alta, tornarão mais desafiador o primeiro ano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua equipe econômica. Dinheiro caro dificultará o consumo e agravará os problemas de centenas de milhares de famílias já endividadas. Muitos brasileiros precisarão de ajuda para sair do buraco financeiro. Além disso, empresários terão menor disposição de investir em capacidade produtiva, se as condições de financiamento forem muito desfavoráveis.

Tudo parece reforçar a expectativa de baixo crescimento econômico em 2023. Pelas últimas projeções do mercado, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) dificilmente será superior a 1%. Mas juros altos, além de prejudicarem a atividade e a arrecadação tributária, restringindo o poder de gasto do governo, ainda encarecem a dívida pública, prolongando os problemas.

Há motivos mais que suficientes, portanto, para a cúpula do próximo governo se preocupar com as incertezas e inquietações dos membros do Copom, dos empresários e dos consumidores. O presidente eleito já deixou clara a intenção de expandir os gastos sociais e de estimular o crescimento econômico e o emprego. Não apresentou, no entanto, um roteiro de trabalho nem explicou como cuidará da saúde financeira do governo. Não basta lembrar a condução das contas públicas em seu primeiro governo. O mundo exterior mudou, o Brasil também, e os desafios são outros.

Se o presidente eleito se dispusesse a ler a ata da reunião do Copom, ficaria provavelmente impressionado com a descrição quase dramática do ambiente externo, com perspectiva de menor crescimento, inflação desafiadora, forte aperto financeiro e enorme insegurança. No ambiente interno, combinam-se a desaceleração do crescimento, a inflação ainda elevada, apesar de algum recuo recente, a melhora ainda lenta do emprego e a ampla incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal. No cenário básico, a inflação projetada ainda supera amplamente a meta oficial em 2022 e em 2023 e só se aproxima dela em 2024. É cedo para programar um relaxamento da política de juros, especialmente quando há promessa de maiores gastos federais e nenhuma indicação de como isso será compensado.

Não basta o STF decidir proibir as emendas do relator

O Globo

Congresso precisa criar mecanismo transparente para o Executivo negociar apoio a seus projetos

Não é exagero afirmar que o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o orçamento secreto previsto para hoje será decisivo para o futuro da democracia brasileira. Se não houver pedido de vista nem acordo espúrio para deixar a decisão para depois da aprovação do Orçamento de 2023, o Supremo terá a oportunidade de reparar uma falha do nosso presidencialismo de coalizão: as relações opacas, nem sempre republicanas, entre Executivo e Legislativo.

Não há dúvida de que o orçamento secreto — tecnicamente, as emendas do relator-geral identificadas pela sigla RP9 — é uma excrescência que precisa ser extinta. Trata-se de mecanismo que confere ao Parlamento o poder de destinar dezenas de bilhões sem transparência nem critério técnico. Transformou-se em meio para compra de apoio político pelos caciques parlamentares.

A extinção das RP9s, porém, não resolverá o problema de fundo. Dada a fragmentação política do Legislativo, o Executivo continuará precisando de instrumentos para negociar apoio a seus projetos. Foi justamente a falta de mecanismos transparentes de negociação que tornou o Congresso um balcão de negociatas no mensalão, no petrolão e no próprio orçamento secreto.

Transparência absoluta deve ser exigência inegociável nas demandas que o STF fizer ao Legislativo. Como acontece com as emendas individuais, as demais deveriam estar associadas ao nome dos beneficiários. A destinação dos recursos deveria ser baseada em estudos. Tais informações deveriam ser publicadas no Portal da Transparência. Sem isso, nem um centavo dos impostos deveria ser entregue. O mesmo critério deveria servir para toda indicação a cargo público, que precisaria estar sujeita à análise de qualificação e conflitos de interesses do indicado. Mas a transparência não encerra a questão.

No caso das emendas individuais, a Emenda Constitucional (EC) 86 estabeleceu em 2015 distribuição igualitária de recursos, sujeitos a restrições. Em troca, tornou-as impositivas, retirando do Executivo a prerrogativa de autorizar a execução quando conveniente. Em 2019, a EC 100 adotou o mesmo princípio para emendas de bancada. As emendas do relator surgiram como manobra para driblar essas restrições, devolvendo às lideranças políticas o poder de dar, em segredo, mais para uns e menos para outros.

No atual governo, esse poder ficou nas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado. A equipe de transição tenta resgatá-lo para o Executivo. Pelo texto da PEC da Transição aprovado no Senado, os gastos autorizados acima do teto poderão ser alocados por emendas do relator como obrigatórios, sem estar sujeitos aos limites das demais emendas, nem às restrições das impositivas. A Câmara, que examina hoje a PEC, tem o dever de derrubar esse absurdo.

Extinguir a emenda do relator é um passo necessário, mas insuficiente. Para evitar outra resposta obtusa do mundo político, seria preciso criar um mecanismo por meio do qual o Executivo possa negociar com o Legislativo de modo transparente, sem receio de favorecer aqueles de cujo apoio depende. Desde que às claras, respeitando limites fiscais, boa gestão e critérios técnicos, a destinação de recursos por emendas poderia ser uma resposta. Não há por que se preocupar com a distribuição desigual, pois a transparência exporia distorções e vínculos espúrios. Criar tal mecanismo é dever não do STF, mas do próprio Parlamento.

Fim da política Covid Zero é sintoma de esgotamento do modelo chinês

O Globo

Diante da onda de protestos, Xi não teve alternativa. Terá de enfrentar agora consequências imprevisíveis

O todo-poderoso líder chinês Xi Jinping não teve alternativa. As manifestações contra a política de Covid Zero se espalharam e, na semana passada, Pequim viu- se obrigada a recuar nos lockdowns e nas medidas destinadas à supressão do vírus. Pudera. A política era tão rígida que impediu até bombeiros de socorrer moradores de um prédio em chamas em Xinjiang, tragédia que matou dez pessoas e deu impulso aos protestos.

Os testes em massa compulsórios, até em locais públicos, foram drasticamente reduzidos. Foram autorizadas quarentenas em casa, não mais nos impopulares centros do governo. O célebre aplicativo para rastreamento de contatos foi abandonado. As autoridades chinesas passaram a alardear que a contaminação está em queda. Cuidadosas com o formalismo, rebaixaram a categoria de risco da infecção pela variante Ômicron. Antes, era considerada pelo governo chinês tão séria quanto peste bubônica ou cólera, agora passou à classe das síndromes respiratórias.

A verdade é que o governo chinês insistiu por tempo demais numa estratégia que, embora acertada e necessária no início da pandemia, depois não passou de pretexto para a manutenção de restrições autoritárias, cobrando um preço elevadíssimo na forma de queda da atividade econômica. Desde o vacilo inicial diante da descoberta da Covid-19 em Wuhan, em 2019, a China adotou normas draconianas para deter a transmissão do coronavírus. A paralisação sucessiva de linhas de montagem de componentes eletrônicos e outros produtos criou dificuldades para cadeias globais de suprimento e, ao lado de uma crise imobiliária criada pelo excesso na oferta de crédito público, tirou o lustro da economia chinesa.

A ênfase na prevenção do contágio deixou a vacinação em segundo plano, sobretudo em grupos vulneráveis. Tal estratégia fez da China, país com a maior população do mundo, o maior reservatório de suscetíveis à infecção pelo vírus. O governo também resistiu a importar vacinas estrangeiras de tecnologia mais eficaz, insistindo nas desenvolvidas localmente. Nos últimos dias, a procura por vacinas na China disparou, mas a vacinação continua baixa entre os idosos, enquanto o inverno se aproxima.

Em janeiro, milhões de chineses costumam se deslocar para comemorar o Ano Novo Lunar, e há temores fundamentados de uma explosão no contágio. Vizinhos como Taiwan e Cingapura se preparam para o ressurgimento forte da doença, com estoques de vacinas, antivirais e Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). Não há notícia de plano semelhante na China.

É possível que, como o Vietnã há um ano, os chineses consigam driblar a nova onda, já que a Ômicron e suas subvariantes, apesar de mais contagiosas, são menos letais. Mas é impossível prever as consequências de surtos fora de controle em grandes cidades e asilos. Hong Kong teve de voltar atrás depois de uma abertura atabalhoada. Mais imprevisível é o efeito da mobilização popular no regime autoritário de Xi, num momento em que o modelo econômico dá sinais de esgotamento.

Gastando por conta

Folha de S. Paulo

Detalhamento de despesas em 2023 escancara excessos da PEC irresponsável de Lula

O relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), correu a detalhar como será a distribuição da dinheirama a ser liberada pela proposta de emenda constitucional destinada a ampliar o teto das despesas federais, que faz jus ao epíteto PEC da Gastança.

A pressa do parlamentar, que se antecipou à votação do texto pela Câmara dos Deputados, talvez se justifique pela proximidade do próximo exercício, com o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Entretanto a relação de intenções apresentada acaba por escancarar os excessos da PEC, que ainda enfrenta resistência no Congresso.

A finalidade básica da proposta é garantir a continuidade do pagamento do Auxílio Brasil, ou Bolsa Família, de R$ 600 mensais —isso, de fato, é imperativo. Para tanto, estão previstos mais R$ 75 bilhões para o Ministério da Cidadania, suficientes também para benefícios adicionais para famílias com crianças de até seis anos.

Resolvida essa prioridade evidente, a PEC ainda eleva em outros R$ 70 bilhões, no mínimo, os gastos do próximo ano. Cerca de um décimo desse montante, ou R$ 6,8 bilhões, vai permitir um reajuste pouco acima da inflação para o salário mínimo, prometido por Lula na campanha eleitoral.

O restante é alegremente espalhado pelas mais diversas áreas da administração, de saúde e educação até habitação, ciência e tecnologia, turismo, defesa, agricultura, ambiente e outras —sem esquecer um reajuste salarial para os servidores do Executivo.

É plausível que alguns, muitos ou todos os setores necessitem de mais dinheiro, mas a tarefa de quem elabora o Orçamento consiste em escolher prioridades de acordo com os recursos disponíveis.

Uma PEC de caráter emergencial, de fato necessária em razão da desordem fiscal criada por Jair Bolsonaro (PL) com o aumento do Auxílio Brasil, não poderia estabelecer um novo patamar geral de despesa sem que nem mesmo tenham sido considerados ajustes em outros programas.

Em valores corrigidos e sem considerar juros da dívida, o governo federal desembolsou R$ 1,8 trilhão nos 12 meses encerrados em outubro, montante até um pouco superior ao verificado no final do governo Dilma Rousseff (PT). Não se sustenta, portanto, a tese de que a máquina pública foi sucateada.

Com a PEC, a conta poderá se aproximar dos R$ 2 trilhões, num aumento que será necessariamente coberto com endividamento público. Sem corrigir distorções, eliminar privilégios e abandonar políticas menos eficientes, futuro governo e Congresso empurrarão para toda a sociedade o preço das bondades de agora. Os pobres, com certeza, sofrerão mais.

Não à baderna

Folha de S. Paulo

Vandalismo bolsonarista em Brasília requer resposta firme das autoridades

A violência dos radicais bolsonaristas que atacaram a sede da Polícia Federal, incendiaram carros e ônibus e depredaram equipamentos públicos em Brasília na noite de segunda (12) recebeu merecido repúdio em toda parte.

O tumulto começou quando um grupelho resolveu protestar contra a detenção do líder indígena José Acácio Serere Xavante, cuja prisão temporária foi decretada à tarde pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

Acusado pela Procuradoria-Geral da República de incitar atos antidemocráticos contra o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e ministros do STF, o xavante não opôs resistência ao ser detido e foi assistido por seus advogados.

Mesmo assim, os desordeiros foram até a sede da PF e ameaçaram invadir o prédio. Repelidos pelos policiais, que usaram bombas de efeito moral, a turba se dirigiu a outras partes da cidade.

José Acácio gravou na prisão um vídeo para pedir que cessassem os distúrbios, mas os arruaceiros só se dispersaram após horas de confusão, em que tentaram até derrubar um ônibus de um viaduto sobre uma via de grande circulação.

A polícia do Distrito Federal bloqueou acessos à praça dos Três Poderes, à Esplanada dos Ministérios e reforçou a segurança no hotel em que Lula tem se hospedado quando está na capital.

Nesta terça (13), as autoridades prometeram empenho para identificar e responsabilizar os culpados.

Espera-se que o façam com a rapidez necessária para afastar as suspeitas de que fizeram corpo mole na véspera, quando eles estavam em ação e nenhum foi preso.

Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condenaram os atos de violência.

Alvo principal dos baderneiros, Lula acusou Jair Bolsonaro (PL) de incentivar os que protestam inutilmente contra o resultado da eleição acampados na porta de quartéis em Brasília e outras capitais.

O presidente derrotado nas urnas pediu que apoiadores desbloqueassem as estradas nos dias que se seguiram ao pleito, mas é certo que seu silêncio, desde então rompido apenas por uma fala desconexa na última sexta (9), não contribui para desencorajar fanáticos.

Não há tolerância para tentativas de subversão da ordem democrática por meios violentos. Cabe às autoridades deter e julgar aqueles que foram às ruas de Brasília, para que a lição sirva aos recalcitrantes.


Um comentário:

Anônimo disse...

Bolsonaro não sabe o que é Verdade. O que ele chama de verdade é MENTIRA PURA! Ele e Trump são os maiores MENTIROSOS do mundo!