sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula continua a derrapar quando fala de economia

O Globo

Na primeira entrevista depois da posse, o presidente repetiu ideias do manual do populismo de esquerda

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua primeira entrevista após a posse para criticar o sistema de inteligência do governo, incapaz de deter a barbárie do 8 de janeiro, e pedir a punição dos responsáveis. É também o desejo da maioria da população brasileira. Infelizmente, Lula deixou transparecer na entrevista à GloboNews sua visão turva sobre temas cruciais para a economia. Não custa lembrar: o fracasso econômico de seu governo teria como efeito nefasto a realimentação da descrença na democracia e do golpismo.

Questionado se acredita haver antagonismo entre as responsabilidades fiscal e social, Lula respondeu que sim, em razão da “ganância” dos mais ricos, resposta extraída do manual do populismo de esquerda. Os fatos: um governo que gasta mais do que arrecada aumenta a dívida pública; quanto maior ela fica, maior a percepção de risco e mais altos os juros pagos para atrair compradores de títulos da União; quanto mais se gasta com isso, menos dinheiro sobra para programas sociais.

Em vez de aceitar a realidade, Lula insiste em insinuar que quem é a favor do controle de gastos é contra o combate à fome, à pobreza ou à desigualdade — visão sem cabimento. Repetiu que ninguém pode cobrar dele responsabilidade fiscal porque ele foi responsável quando esteve no poder. Obviamente, o mais importante não é o que fez, mas o que fará. E, até agora, o controle das contas públicas, hoje sujeitas a um déficit estrutural da ordem de 2% do PIB, continua restrito às promessas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sem o compromisso de Lula, será difícil transformá-las em realidade, tantas as demandas por recursos do governo.

Ainda que na cabeça de Lula a confusão possa fazer sentido político, o discurso ambíguo atrapalha o país, pois tem reflexo nos indicadores econômicos. Isso ficou claro noutra declaração infeliz na entrevista à jornalista Natuza Nery. Lula atacou a autonomia do Banco Central (BC) como desnecessária. Afirmou que, em seus primeiros governos, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, tinha mais independência que o atual, Roberto Campos Neto. Não é verdade. Campos Neto não pode ser demitido por Lula, por isso tem mais liberdade. Lula chegou a dizer que, se a autonomia do BC fosse boa, a inflação não estaria tão alta — um disparate que não leva em conta a conjuntura doméstica, a mundial e as incertezas trazidas pela incúria fiscal.

Para piorar, Lula também atacou a meta de inflação para este ano: 3,25%. O novo governo tem todo o direito de discutir as metas, mas na instância adequada e no momento certo. Ao fazer a crítica numa entrevista, Lula sabota o trabalho do BC, empenhado em ancorar a expectativas de inflação futura de consumidores, empresários e investidores. Em vez de ajudar a derrubar os juros e a elevar a perspectiva de crescimento (desejo de Lula e do Brasil), a declaração tem o efeito contrário.

Os avanços na área social nos dois primeiros mandatos de Lula são incontestáveis. O atual papel do presidente na defesa da democracia tem sido e continuará sendo primordial. Na área econômica, infelizmente, o quadro é mais incerto. O mundo mudou desde que Lula passou a faixa a Dilma Rousseff. O PIB não voltará a crescer como antes, quando havia crédito abundante e o cenário externo era favorável. Cada demonstração de amadorismo de Lula na economia cobrará seu preço. Também na política.

É um erro superdimensionar papel do Estado na conservação de estradas

O Globo

Pacote de R$ 1,7 bilhão para obras emergenciais não basta. É preciso ampliar concessões ao setor privado

Qualquer um que passe pelas maltratadas rodovias brasileiras, na condição de motorista ou passageiro, sabe que boa parte precisa de obras. O problema é consensual. A questão é como enfrentá-lo. Na quarta-feira, o ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou um plano de investimentos de R$ 1,7 bilhão nos primeiros quatro meses deste ano em obras rodoviárias e ferroviárias. Claro que ninguém pode ser contra iniciativas que visam a melhorar o escoamento da produção e a segurança dos viajantes, mas o governo teima em repetir fórmulas que já não deram certo.

É um erro superdimensionar o papel do Estado na recuperação da infraestrutura. Pôr recursos públicos em obras de restauração e construção de estradas pode até gerar empregos e melhorar a situação no curto prazo, mas é uma solução paliativa. As estradas precisam de manutenção permanente, e o poder público já mostrou a sua incapacidade como síndico delas.

A última pesquisa anual da Confederação Nacional do Transporte (CNT) revela a situação precária da malha rodoviária. De acordo com o levantamento, 66% das rodovias pavimentadas são classificadas como péssimas, ruins ou regulares. Embora 34% sejam enquadradas como ótimas ou boas, apenas 9% podem ser consideradas perfeitas em termos de pavimentação e sinalização (em 2015, eram 35%).

O panorama nunca foi tão crítico desde que o estudo começou a ser feito, há duas décadas e meia. A degradação não se reflete apenas em sacolejos, atolamentos, despesas mecânicas e acidentes. A má conservação provoca um consumo desnecessário de combustível que encarece a produção. Não chega a surpreender que, das rodovias classificadas como regulares, ruins ou péssimas, 75% estejam sob gestão pública (federal, estadual ou municipal). Entre as concedidas à iniciativa privada, a situação é inversa: 69% foram consideradas boas ou ótimas.

É inútil pôr neste ou naquele governo a culpa pela degradação. O problema é crônico e atravessa diferentes administrações. Segundo o estudo da CNT, para recuperar a malha rodoviária nacional com ações emergenciais de restauração e reconstrução, seriam necessários R$ 95 bilhões. É óbvio que o governo não dispõe desses recursos e, mesmo que estivessem disponíveis, seria mais sensato que fossem usados em setores essenciais como saúde, educação ou segurança.

Diante do atual estado de calamidade das rodovias, é compreensível haver um plano para tratar o problema de forma emergencial, aproveitando que o orçamento do ministério foi turbinado pela PEC da Transição. Mas o setor deveria, no médio e longo prazos, contar com investimentos privados. É fundamental não só dar continuidade, mas também ampliar o programa de concessão de rodovias. O Estado ficaria encarregado de manter apenas as que não se mostrassem economicamente viáveis. Caso contrário, serão necessários muitos outros planos de cem dias para operações tapa-buraco que não resolvem nenhum problema, a não ser talvez o de empreiteiras próximas ao poder.

A bazófia de Lula

Folha de S. Paulo

Presidente desafia o bom senso econômico, em contraste com esforços de ministros

Não satisfeito com os discursos anteriores à posse que fizeram disparar os juros de mercado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua a desafiar o bom senso em temas econômicos com autoconfiança inaudita em seu terceiro mandato.

Na quarta-feira (18), loquaz durante uma entrevista, criticou a autonomia formal do Banco Central, a seu ver uma bobagem, e defendeu uma meta de inflação mais alta —pois, afinal, o Brasil precisa crescer. "Onde estão a inflação e os juros?", indagou o mandatário.

Também atribuiu uma suposta incompatibilidade entre responsabilidade fiscal e social à "ganância das pessoas mais ricas". Nesta quinta (19), arengou contra "essa gente do mercado", que para ele só aprova gastos com juros da dívida. "A gente podia não ter nem juro", asseverou o petista.

A esta altura, é preferível acreditar que se trata de demagogia oportunista —pior será se Lula de fato acreditar em tais disparates e não estiver disposto a ouvir técnicos e estudiosos da matéria. Ou se ignorar que juros e inflação estão altos, em quase todo o mundo, porque ainda há um legado de desequilíbrios da pandemia de Covid-19.

No caso brasileiro, o fenômeno é agravado pela imprudência na gestão do Orçamento, impulsionada pela farra eleitoreira de Jair Bolsonaro (PL) e aprofundada pelo atual governo com a PEC da Gastança.

O presidente, aliás, gaba-se de trabalhar por mais desequilíbrio das contas do Tesouro Nacional, com a promessa de livrar do Imposto de Renda ganhos até R$ 5.000 mensais. Tal propositura, além de ruinosa para a arrecadação, seria péssima política pública, por subsidiar estratos com rendimentos muito acima da média nacional.

Não deixa de guardar coerência, infelizmente, com a velha e falsa tese de que a tolerância com a inflação favorece o crescimento sustentável —que Lula repete como se desconhecesse os funestos experimentos de Dilma Rousseff (PT).

Quanto aos famigerados juros da dívida, o falatório omite que o meio mais eficaz de não depender de credores é não precisar de ainda mais dinheiro emprestado.

É notável que, em contraste com a bazófia de Lula, ministros da área econômica venham dando sinais de sensatez. Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, mostram preocupação com o ajuste fiscal. O vice Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio) descartou retrocessos nas reformas previdenciária e trabalhista.

Talvez o mandatário queira principalmente manter sua base mais ideológica mobilizada, mesmo que sob o risco de sabotar a retomada do emprego e a melhora da renda. Fato é que, além da retórica, as medidas concretas tomadas até aqui não inspiram otimismo.

O gigante encolhe

Folha de S. Paulo

Primeiro declínio populacional chinês em 62 anos é desafio da ditadura comunista

Segundo estimativas das Nações Unidas, ao menos desde meados do século 18 a China é a nação mais populosa do mundo —uma primazia disputada com a Índia desde a aurora da humanidade.

Tal material humano sempre foi motivo de temor reverencial. "Deixe a China dormir, pois quando acordar irá sacudir o mundo", teria dito o imperador francês Napoleão Bonaparte, refletindo políticas de potências europeias para o gigante asiático até 1949, quando o Partido Comunista tomou o poder.

Em 1961, o país teve o último declínio populacional registrado, devido à fome gerada por políticas sociais desumanas da ditadura.

Nas décadas seguintes, o problema passou a ser o pavor malthusiano dos efeitos da superpopulação. Assim, a partir de 1979, quando começou a integração da China ao sistema capitalista, foi instituída uma draconiana medida para que casais tivessem apenas um filho.

Um tsunami de abortos e assassinatos de meninas, mais indesejadas no sistema produtivo, decorreu disso. Mas o objetivo primário foi alcançado: cerca de 400 milhões de pessoas a menos no país.

Em janeiro de 2016, a política foi cancelada em favor de duas crianças por casal, dados os sinais de encolhimento demográfico. Não deu certo e, em 2021, chineses com três filhos passaram a receber incentivos fiscais do governo.

Novamente, fracasso. Nesta terça (17), foi anunciado algo que só se esperava para 2025: pela primeira vez em seis décadas, a China perdeu população, com um déficit de 850 mil pessoas. Morreram mais pessoas a partir de dezembro, com o fim da política de Covid zero do país, mas especialistas apontam a aceleração de uma tendência.

É pouco ante o exército de 1,412 bilhão de habitantes, que deverá ser suplantado pela rival Índia neste ano. Mas sugere uma curva com implicações enormes para a segunda maior economia do mundo.

Hoje, 35 milhões de pessoas no país têm 80 anos ou mais, demandando suporte previdenciário. Em 2050, serão quatro vezes mais, com o número de jovens encolhendo. A automação do mercado de trabalho pode ajudar, mas também gera problemas de outra ordem

É um beco sem saída demográfico, além de desafio para os nacionalistas. Basta ver o principal motivo aparente para a apatia dos casais em procriar: o custo. Paradoxo retórico, no comunismo chinês é mais caro criar um filho do que no capitalismo americano.

A bobagem de Lula sobre o BC

O Estado de S. Paulo.

Fiel ao primitivismo petista, Lula ataca a autonomia do BC, como se a alta dos juros não fosse necessária para conter a inflação e preservar o poder de compra sobretudo dos pobres

Lula da Silva declarou, numa entrevista, que não gosta do Banco Central (BC) autônomo. E não gosta porque, para o lulopetismo clássico, o governo deve mandar na autoridade monetária para definir, conforme critérios políticos, quais devem ser os juros básicos da economia. A autonomia, segundo os petistas, “afeta a soberania popular e nacional” ao “transferir o controle do BC aos bancos privados”, como se lê em um comentário do partido a respeito do projeto de lei que conferiu independência ao BC, em 2021. Nada muito diferente dos manifestos radicais do PT primevo.

De volta ao poder, o presidente Lula mostrou que continua incapaz de compreender que, sem autonomia, o Banco Central depende da boa vontade do governante para fazer seu trabalho de preservação do poder de compra da moeda. A mão pesada de Dilma Rousseff no BC para forçar uma queda dos juros logo no início de seu primeiro mandato, em 2011, a título de impulsionar o crescimento, abriu a picada para o desastre que estava por vir – inflação descontrolada, instabilidade econômica e recessão. Mas Lula e o PT são teimosos.

Em entrevista à GloboNews, o presidente disse que a autonomia formal do BC é “uma bobagem”. Além disso, Lula sugeriu que, se autonomia fosse eficiente, a inflação não estaria tão alta. “Por que, com um banco independente, a inflação está do jeito que está?”, questionou, ignorando o fato, óbvio, de que a inflação só não está mais alta porque o BC tomou as providências necessárias. Aliás, pode-se dizer que, não fosse a autonomia do BC, o então presidente Jair Bolsonaro teria usado a autoridade monetária para seus propósitos eleitoreiros, mandando criar artificialmente um aumento momentâneo do poder de compra dos brasileiros para ganhar votos. Talvez até se reelegesse – vejam só os petistas do que a autonomia do BC nos livrou.

As declarações de Lula, portanto, não surpreendem ninguém, mas são dignas de lamento. É inacreditável que o presidente hesite em reconhecer a importância de um marco institucional tão relevante para o País.

Ao longo de sua história, o PT sempre defendeu o combate à inflação por meio do controle de preços de combustíveis, incentivos setoriais e uma política cambial que reduza a volatilidade da moeda. Não são propostas de um passado distante, mas as diretrizes expressas do programa apresentado por Lula na campanha eleitoral de 2022.

Esse receituário heterodoxo foi testado e reprovado no governo de Dilma, quando o BC ignorou os sinais de deterioração da economia e abriu mão da defesa da moeda, sua função primordial, perdendo o controle da inflação e da ancoragem das expectativas. A combinação entre juros em patamares artificialmente baixos e os efeitos de uma política fiscal expansionista mergulharam o País em uma profunda crise econômica até hoje não totalmente superada.

Foi após esse contexto que ressurgiu o debate sobre a autonomia do Banco Central. Um dos pilares do projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso foi o estabelecimento de mandatos fixos para os diretores e o presidente da instituição em períodos não coincidentes com os do presidente da República. Longe de representar privilégio aos membros da autarquia, a proposta deu a eles a blindagem necessária para executar suas atividades sem pressões políticas do governo de plantão, independentemente de seu viés político.

Tema completamente superado, a autonomia do BC é mais um dos vários dogmas aos quais o PT mantém um apego visceral. Quando Lula a critica, trai a si mesmo, pois sabe que a independência que deu ao BC lhe garantiu um primeiro mandato tranquilo. Pior: amplia as incertezas e a volatilidade da economia, desancora as expectativas do mercado e cria um ambiente propício para que um BC sobre o qual ele não tem qualquer poder ou ascendência volte a aumentar a taxa básica de juros. Com o enorme desafio de pacificar o País após os violentos ataques à democracia, Lula deveria abandonar essa retórica inconsequente. Com esse discurso, ele boicota seu próprio governo e castiga justamente os mais pobres, que ele diz tanto defender.

Oposição indecente

O Estado de S. Paulo.

É torpe a oposição que, diante dos crimes do dia 8, insinua que a culpa é da vítima; se quiserem ser levados a sério, os oposicionistas devem se livrar da imoralidade bolsonarista

Com a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro e sua subsequente fuga para o doce exílio na Flórida, criou-se uma oportunidade de ouro para que a direita civilizada finalmente se descolasse do fardo imoral e antidemocrático representado pelo bolsonarismo. Em pouco tempo – porque em política não há vácuo –, apareceram vários candidatos a ocupar a liderança desse segmento. Se ainda não se sabe bem qual é o perfil ideal desses novos dirigentes, sabe-se muito bem o que eles não devem ser: uma cópia mal-ajambrada de Bolsonaro, pois este representa, acima de qualquer dúvida razoável, tudo aquilo que a direita democrática deve incondicionalmente rejeitar.

No entanto, com a boca entortada pelo uso do cachimbo bolsonarista, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, tido como um dos mais fortes postulantes nessa disputa, mostrou que a torpeza ainda domina os espíritos dos que deveriam, ao contrário, colaborar para restaurar a estabilidade do País. Ao comentar a intentona bolsonarista em Brasília no dia 8 de janeiro, o sr. Zema, em entrevista à Rádio Gaúcha, declarou: “Me parece que houve um erro da direita radical, que é minoria. Houve um erro também, talvez até proposital, do governo federal que fez vista grossa para que o pior acontecesse e ele se fizesse de vítima. É uma suposição. Mas as investigações vão apontar se foi isso”.

Ou seja, para o sr. Zema, a barbárie bolsonarista foi um mero “erro”, e não um crime contra os Poderes constituídos e a democracia, ao passo que o governo Lula, segundo a maliciosa interpretação que viceja nos esgotos da internet, teria feito corpo mole para facilitar a vida dos vândalos e, em seguida, reclamar o papel de vítima. Fiel ao método bolsonarista de lançar dúvidas no ar para sugerir que há algum complô em curso, o sr. Zema acrescentou que se tratava apenas de uma “suposição”.

Não é digno de um governador de Estado fazer esse tipo de “suposição” motivado por seus interesses políticos pessoais. Menos ainda de alguém que tem a pretensão de liderar um segmento muito expressivo da sociedade brasileira, que não se sente representado pelas forças políticas que saíram vitoriosas da eleição de 2022.

A oposição de que o País necessita, já defendemos nesta página, deve ser exercida de forma leal, republicana, com respeito ao interesse público, aos interlocutores, à verdade factual, às leis e à Constituição. Deve ainda servir como força motriz de um processo de distensão sem o qual o tecido social pode se romper de tal forma que sua reparação se torne praticamente impossível. O que menos o Brasil precisa neste momento grave é de lideranças políticas que fomentem o caos por meio de aleivosias, conspirações e estímulos à hostilidade entre os cidadãos.

É perfeitamente plausível que os aparatos de inteligência e segurança montados pelo novo governo federal tenham, de fato, cometido falhas. Daí a insinuar que essas falhas teriam sido deliberadas, a fim de produzir supostos ganhos políticos para um governo em seus primeiros dias, vai uma distância que beira a indecência.

Ademais, o presidente Lula não foi nem de longe a principal vítima da sanha destruidora dos extremistas, muito menos o seu governo, que mal começou. A presa maior sob as garras da malta bolsonarista foi a democracia brasileira. Não alcançar a real dimensão dos fatos, nesse caso em particular, é má-fé ou ingenuidade. E nem uma coisa nem outra são atributos de quem pretende liderar a oposição ao PT com responsabilidade.

Sejam quais forem as diferenças a separar os brasileiros neste momento, manda a decência que se reconheça, sem tergiversações, que a grande inspiração para o assalto à democracia no dia 8 foram as inúmeras declarações golpistas de Bolsonaro, e não um suposto complô maquiavélico do lulopetismo. Quem não for capaz disso não tem condições de conduzir a oposição numa democracia saudável.

Este jornal se sente no dever de afirmar que, definitivamente, o espírito que deve animar a postulação do cargo de liderança da oposição ao governo de Lula da Silva é outro, diametralmente oposto ao manifestado pelo governador Zema.

Reféns do Pix

O Estado de S. Paulo.

Alta de sequestros aponta necessidade de mais segurança nas transferências instantâneas

O aumento do número de sequestros no Estado de São Paulo, revelado pelo Estadão, é preocupante e joga luz sobre um efeito colateral e indesejado do Pix − o modo de pagamento instantâneo que popularizou as transferências eletrônicas no País. Atraídos pela facilidade com que é possível obter e movimentar dinheiro de suas vítimas, sequestradores tiram proveito do mecanismo criado pelo Banco Central. Eis um crime a ser combatido com rigor não apenas pela área da segurança pública, mas pelas autoridades do sistema financeiro.

Em 2022, a Secretaria da Segurança Pública paulista registrou 165 sequestros no Estado, a maior quantidade dos últimos 15 anos. Pior: o balanço reflete somente a realidade dos primeiros nove meses do ano − os dados de outubro a dezembro ainda serão incluídos, o que significa que o total de sequestros tende a aumentar. Vale lembrar que a extorsão mediante sequestro pode ser registrada apenas como extorsão, ficando de fora das estatísticas de sequestro. Entre janeiro e setembro de 2022, foram contabilizados 5 mil casos de extorsão.

O aumento do número de ocorrências vem acompanhado de uma mudança no perfil das vítimas, escolhidas cada vez mais de forma aleatória, muitas delas em bairros afastados de áreas nobres. Ou seja, a falta de segurança, como sempre, atinge diretamente a população mais pobre, que vive em localidades com menos policiamento − algo a ser levado em conta pela Secretaria da Segurança Pública na distribuição de seus efetivos. Outra estratégia dos sequestradores envolve o uso de aplicativos de relacionamento, com alguém da quadrilha iludindo a vítima, que é rendida ao chegar para o que imaginava ser um encontro.

Em qualquer dos casos, o modus operandi costuma ser o mesmo: o refém é mantido em cativeiro por horas, enquanto são feitas transações bancárias. Do ponto de vista dos sequestradores, conforme o pesquisador Alan Fernandes, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa modalidade de sequestro em que a própria vítima informa senhas ou faz transferências por aplicativo é mais segura do que o modelo tradicional, em que os criminosos precisam pedir resgate a terceiros.

Por óbvio, a tecnologia não é responsável pelo crime. Por trás de cada sequestro, há quadrilhas que devem ser combatidas com inteligência pelas forças policiais. Nesse sentido, o fato de que o número de presos pela Divisão Antissequestro da Polícia Civil tenha mais do que dobrado em 2022, na comparação com 2021, revela disposição em enfrentar o problema. Mas é preciso avançar também na esfera tecnológica, criando soluções que reduzam riscos e ofereçam mais segurança aos usuários do Pix. Do contrário, a atuação policial corre o risco de enxugar gelo.

Ao Estadão, o Banco Central lembrou que criminosos já se valiam de outros mecanismos de transferência eletrônica, caso da TED, muito antes do Pix. Ora, a popularização do Pix não tem precedentes. O BC sabe disso e fará bem se agir com determinação. A mesma tecnologia que facilita a vida de milhões de pessoas há de apontar caminhos para impedir que o Pix sirva à prática de crimes.l

Lula critica meta de inflação e autonomia do BC

Valor Econômico

Lula é pragmático e não faz sempre o que diz e pensa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cria problemas para seu próprio governo, algo que não ocorria com frequência em seus dois mandatos anteriores, e muito menos no início deles. Primeiro, foi a contraposição esquemática entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, que criou ondas de intranquilidade nos investidores. Ontem, foi a vez de Lula expor suas ideias sobre a autonomia do Banco Central e as metas de inflação, ambas negativas. Se da primeira vez a mensagem sugeria desprezo por austeridade fiscal, a segunda sugere leniência com a inflação, “porque o Brasil precisa crescer”, disse, ao indicar meta de 4,5%. A meta hoje é 3,25%.

Em entrevista à Globo News, Lula disse que “é uma bobagem achar que um Banco Central independente vai fazer mais do que fez o Banco Central quando o presidente é quem indicava”. O novo arranjo institucional, aprovado em 2021, prevê um BC autônomo, não independente, com mandatos não coincidentes entre a escolha do presidente da autoridade monetária e o da República. O principal motivo para isso é permitir que o BC possa agir para garantir a estabilidade da moeda mesmo que suas ações contrariem interesses políticos ou eleitorais do chefe do Executivo. Pelo velho arranjo, o presidente do BC poderia ser demitido e substituído por um nome dócil ao Executivo, para realizar uma política monetária de acordo com seus desejos. Lula nunca fez isto. Mas poderia.

Ainda assim, no ano eleitoral de 2010, Lula não poupou estímulos para eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, colhendo uma inflação de 5,91%, a maior de seu segundo mandato. Ela rondaria esse nível com Dilma, até chegar a 10,67% em 2015. Quando o BC derrubou juros com a inflação em ascensão, em 2011, houve sérios questionamentos sobre interferências do Planalto nas decisões de política monetária. A Selic caiu até 7,25% e teve de retomar trilha ascendente em seguida, até 14,25%.

Lula indagou, na entrevista, “por que não faz 4,5%, como fizemos?”. Concluiu: “A economia brasileira precisa voltar a crescer”. Ontem, em reunião com reitores, voltou à carga, questionando o motivo de se ter uma Selic de 13,5%. “O BC é independente, a gente poderia não ter nem juro”, ironizou, sugerindo a irrelevância da autonomia do BC.

Lula é pragmático e não faz sempre o que diz e pensa. As afirmações recentes são de lavra similar à de membros do governo de Dilma, de que um pouco mais de inflação pode ser bom porque traz um pouco mais de crescimento. No caso da ex-presidente, trouxe a pior recessão em sete décadas de história republicana. Com estímulos fiscais, no último mandato de Lula, a economia cresceu 7,5%, atiçou a inflação e nunca mais houve expansão sequer parecida.

Quanto à magnitude da taxa, Lula tem um histórico melhor, mas não muito. A menor taxa Selic de seu governo foi de 8,75%, até meados de junho, na entrada do período eleitoral. Sobre o sacrifício ao crescimento, ele ocorreu duas vezes em seus mandatos, quando o IPCA ficou abaixo do centro da meta, em 3,14%, em 2006 e 2007 (4,46%), em 4,46%. No sistema de metas, inflação abaixo do centro significa que a taxa de juros praticada foi excessiva e freou mais do que era necessário a economia, como agora o presidente insinua que o BC esteja fazendo.

Não há obstáculos para mudar a meta de inflação - o Conselho Monetário Nacional pode revisar os objetivos dos próximos anos. Elevá-la a 4,5%, como sugere Lula, mantendo intervalo de variação de 1,75%, permitiria uma acomodação pelo teto de 6,25%. No entanto, a experiência dos governos petistas demonstrou que quando o IPCA se aproximou de 6%, o BC não conseguiu impedí-lo mais de subir, até porque, ao focar crescimento, já se tornara linha de menor resistência deixar de mirar o centro em troca do intervalo superior.

Como as palavras do presidente podem ter consequências, há instrumentos para o governo mexer na política monetária. Além da mudança da meta, ele tem de indicar até o fim de fevereiro o novo diretor de Política Monetária, cargo de importância só inferior ao do presidente do BC, e o novo diretor de fiscalização. A escolha de nomes “heterodoxos” pode provocar divisão do Copom e dores de cabeça para Roberto Campos Neto. Em 2024, mais dois diretores serão substituídos. Com a política monetária pisando no freio, o custo de levar à frente um crescimento forçado da economia será alto. As várias declarações de Lula deixam no ar a desagradável suspeita de que há gente no Planalto pensando nisso.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

O Globo está com saudades da direção segura e sem derrapagens do grande piloto Paulo Jegues...