O Globo
A diretriz de política econômica do governo
começou como um bolero descompassado: três pra lá, um pra cá. Enquanto Fernando
Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin tentam coordenar um discurso de
responsabilidade fiscal, o presidente Lula insiste em ficar no palanque fazendo
falsas contraposições entre o necessário rigor com as contas públicas e sua
promessa, também urgente, de promover a reparação da desigualdade social. A
pergunta é: o que um governo já acossado pelo extremismo golpista tem a ganhar
com esse diversionismo num tema tão sensível? Absolutamente nada.
Lula parece fazer um cálculo semelhante ao que levou Jair Bolsonaro a falar para convertidos durante os quatro anos de seu mandato: que é preciso manter uma base fiel, o lulopetismo raiz, mobilizada e evitar que ela se decepcione com os rumos do governo. Acontece que esse eleitor não deixará de fazer o L se o governo buscar coadunar as promessas de reduzir o fosso social com uma política fiscal que mostre disposição de reduzir a dívida e, consequentemente, os juros futuros, esses que Lula contrapôs de forma equivocada aos investimentos sociais, como se fossem gastos da mesma natureza, ditados apenas pela vontade do governo de turno.
Não adianta o presidente evocar o passado
para dizer que concedeu autonomia ao Banco Central e promoveu superávits
fiscais, como se isso tornasse desnecessários metas e marcos legais para
balizar o comportamento do governante. Seria equivalente a alguém dizer que
nunca andou acima de 60 km/h e, portanto, radares de trânsito podem ser
abolidos. Nada na prática pretérita obriga a repetir esse comportamento no
futuro, em novas circunstâncias. Para isso, existem o ordenamento jurídico e
regras — em gestão governamental e no trânsito, como em várias esferas do
espaço público.
Entre um time de ministros da equipe
econômica — que, apesar de diverso e nuançado quanto a como enxerga os diversos
temas da área, tem procurado mandar sinais na mesma direção — e o chefe deles,
em quem investidores, empregadores, trabalhadores e analistas devem acreditar?
É péssimo que o ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, tenha tido de vir a público dizer que não há
nenhuma disposição do governo em mexer na autonomia do Banco Central. O governo
acaba de assumir. Em oito dias, enfrentou uma ameaça de golpe de Estado cujos
reflexos estão longe de estar dissipados. Hoje mesmo Lula terá o primeiro
encontro com comandantes das Forças Armadas num balé eivado de cuidados e
coisas que não podem ser ditas, de lado a lado.
Diante de tamanha instabilidade
institucional, não é inteligente gerar marola na economia. Até porque a unidade
construída com os governadores e os representantes dos demais Poderes na defesa
da democracia tende a se desfazer quando entrarem na pauta ideias tão
controversas quanto as de rever reformas e a autonomia do BC.
Lula não poderá contar com Arthur Lira e
Rodrigo Pacheco para levar adiante a tentativa de rever esses projetos. Se
insistisse nessa pauta — algo que a própria forma ligeira como trata os
assuntos mostra que não fará —, correria o risco de uma derrota no Congresso
logo na largada. Um prato cheio para fortalecer uma direita radical que estará
fortalecida na próxima legislatura, que nem assumiu ainda.
Muitas chances foram dadas a Lula pelo
horror bolsonarista. Sua eleição dependeu fortemente da aversão de um setor
moderado a seu antecessor, e não do amor ao petismo. Ele constantemente parece
se esquecer do que ele próprio detectou no discurso de posse, sobretudo quando
descamba para as bravatas em matéria econômica.
Existe uma janela única para apostar em
temas como a reforma tributária, que habilmente Haddad e Tebet têm levantado
como bandeira, forma de demonstrar o compromisso do governo com propostas
estruturantes que organizem o ambiente para investimentos.
O presidente deve ser o piloto dessa e de
outras discussões, que, aliás, não serão tranquilas, dada a dificuldade
histórica de convencer setores com interesses opostos a concordar em perder
aqui e ali em nome de um sistema mais racional de tributos.
Da mesma forma, a construção do substituto
do teto de gastos exigirá diálogo e capacidade de negociação da parte do
governo. Se cada um ficar puxando a dança para um lado, pisando no pé do
parceiro, o maior prejudicado será o próprio governo.
Um comentário:
Vera Magalhães entende das coisas.
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