O Estado de S. Paulo
Seria importante discutir também a perspectiva de forte queda da taxa de crescimento do PIB em 2024
O presidente Lula disse, na sexta-feira
passada, que a meta fiscal de 2024 quanto ao resultado primário – o que exclui
juros sobre a dívida – do seu governo não precisa ser zero. Ora, esta é a
principal bandeira do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vem lutando
para viabilizar o novo arcabouço fiscal. Na mesma sexta-feira, a declaração de
Lula levou a uma reação do mercado financeiro com a Bolsa caindo e o câmbio
subindo, o mesmo acontecendo com juros de contratos futuros. Esses movimentos
se repetiram na segunda-feira.
No mesmo dia, ao ser questionado pela imprensa sobre o assunto, não sem razão Haddad mostrou-se cansado, contrariado, impaciente e malhumorado, segundo Eliane Cantanhêde, colunista deste jornal. Mas pareceu-me disposto a seguir em frente, dizendo: “A minha meta (está) estabelecida. Vou buscar o equilíbrio fiscal de todas as formas, justas e necessárias (...)”, sem dizer como irá se acertar com Lula.
Este é um notório boca solta, pessoa que fala
muito e acaba falando o que não deve. Mas por que não deveria ter dito isso?
Porque baixar uma meta como esta pode reduzir o esforço dos que estão
procurando alcançá-la, como o do próprio Haddad e de outros envolvidos no
processo, pois o ministro da Fazenda também depende da colaboração do Congresso
para alcançar a meta de zerar o déficit primário em 2024, com margem de
tolerância de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
A propósito, matéria na Folha de S.Paulo do
sábado passado apontou que o deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE),
relator do projeto de diretrizes orçamentárias para o próximo ano, disse que
“(...) a fala de Lula representa um comando para alterar a meta de 2024”. No
próprio governo, também há gente favorável ao alívio da meta fiscal e há quem
enfatize isso por razões políticas, pensando nas eleições municipais do próximo
ano.
Lula também disse: “Se o Brasil tiver um
déficit de 0,5% (do PIB), o que é? De 0,25%, o que é? Nada, absolutamente
nada”. Ora, essas porcentagens são pequenas, mas o PIB é enorme. Segundo o
IBGE, seu valor em 2022 foi de R$ 9,9 trilhões. Em 2023, já deve ter
ultrapassado R$ 10 trilhões, mas vamos ficar nisso. Ou seja, R$
10.000.000.000.000,00 e 0,5% disso são R$ 50 bilhões ou R$ 50.000.000.000,00, o
que não é pouca coisa. Lula ainda afirmou que “(...) dificilmente chegaremos à
meta, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos de obras”. Mas, se
fizer obras e outros gastos com aumento do déficit, isso agravará a dívida
pública e o pagamento de juros sobre ela. Lula, aliás, é vezeiro no seu apego à
gastança fiscal e é interessante examinar seu currículo a respeito. No domingo
passado, a Folha de S.Paulo publicou artigo do economista Samuel Pessoa
intitulado Lula, e não Dilma, iniciou desorganização macro.
Na minha percepção, o presidente Lula só
concordou com o novo arcabouço fiscal porque este seria baseado em aumento de
receitas, que viabilizaria as obras e outros gastos que pretende realizar. Sua
fala citada é um indício de que ele não confia neste aumento de receitas, mas
não desiste do seu perigoso propósito habitual de mais gastança, o que também
marca o comportamento de seu partido.
No caso do governo federal, gastador por
vocação, na minha visão de economista o ideal seria que fizesse um corte de
despesas passando um pente-fino nos seus gastos. Um roteiro para isso foi
apresentado ao Brasil em 2017 pelo Banco Mundial, por meio de um estudo de seus
técnicos que também contou com a colaboração de especialistas brasileiros,
inclusive alguns que já participaram do governo federal. Cheguei a passar
cópias deste estudo a dois membros do governo Lula, mas não foi dada atenção às
recomendações do documento. Quem quiser examiná-lo pode colocar seu título num
site de busca como o Google e será encontrado. O título é Um ajuste justo –
Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil.
Eu contemplaria uma estratégia mais ousada
para o governo Lula. Ainda lhe restam três anos e dois meses de gestão, e
metade desse tempo seria tomada para um ajuste pelo lado das despesas que, se
bem-sucedido, na segunda metade abriria espaço para ampliação das despesas do
governo e geraria um clima adequado à expansão dos investimentos privados, com
o governo, então, colhendo frutos para as eleições de 2026. Nessa linha que
escolheu, o cenário é mais para tempestades.
Olhando à frente, um assunto muito importante
não tem merecido a atenção do governo, do Congresso e da imprensa. O Boletim
Focus, do Banco Central, que recolhe semanalmente previsões dos analistas do
mercado financeiro, na sua edição desta semana previu que o PIB crescerá 2,89%
em 2023 e só 1,5% em 2024, e há várias semanas vem prevendo números próximos
desses. Uma discussão deveria ser aberta pelos analistas, pela imprensa e
envolvendo o governo sobre o que fazer para melhorar sensivelmente a taxa do ano
que vem sem mais gastança fiscal e endividamento público maior, pois essa linha
seria desastrosa.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), é Consultor
econômico e de ensino superior.
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