terça-feira, 23 de abril de 2024

Pedro Cafardo - Entenda o debate sobre o retrocesso da indústria

Valor Econômico

Modelo da Cepal foi distorcido por governos que tornaram proteções temporárias em permanentes

Por que a indústria brasileira perdeu sua extraordinária pujança do período 1930 a 1980? Essa pergunta continua provocando divergências e inspirando trabalhos acadêmicos.

Em 26 de março, destacamos aqui um “paper” dos professores Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) que analisa o processo histórico e sugere estratégias para a reindustrialização.

Voltamos ao tema para registrar algumas contestações ao trabalho e réplicas. Em resumo, Marquetti e Fonseca citam vários fatores que levaram à desindustrialização: abandono do projeto nacional e desestruturação do Estado; fortalecimento do poder econômico-político da burguesia financeira, fomentado pela elevação dos juros reais e dos lucros financeiros, enquanto a burguesia industrial perdia espaço; reformas com liberalização do comércio; privatizações de estatais, inclusive de bancos estaduais que financiavam a indústria; aumento da dívida interna por causa dos juros elevados; taxa de câmbio valorizada, com efeito negativo na competitividade da indústria.

Paulo Areas, administrador pela California C. University e empresário, em respeitosa discordância, enumerou seis fatores que considera determinantes para a perda de pujança da indústria:

1. O custo do trabalho no Brasil, em razão de impostos e litigâncias, é exagerado quando comparado aos asiáticos, hoje grandes fabricantes e exportadores.

2. Nas últimas décadas, aumentou brutalmente a carga tributária, o que diminuiu o dinheiro disponível para pessoas físicas e jurídicas.

3. A burocracia é infernal. Exemplo: o Grupo Gerdau, com usinas nos EUA, tem lá cinco pessoas em seu departamento fiscal e aqui, mais de 50.

4. O dinheiro barato emprestado pelo BNDES não era bem fiscalizado, deixando a possibilidade de aplicá-lo no mercado financeiro pelo tomador, em vez de investi-lo no negócio. E os não exportadores não eram punidos, como fizeram os asiáticos

5. O governo permitiu enorme concentração bancária e os bancos só emprestam a prazos curtos e com altíssimas taxas de juros. Comprovante da existência de cartel: entre os dez bancos do mundo com maiores retornos sobre o capital, quatro são brasileiros. Os bancos daqui alegam que isso é fruto de competência. Logo, vale a pergunta: por que então não invadiram os EUA e a Europa para ganhar bilhões baseados na “competência”?

6. O modelo cepalino de fechar mercado para beneficiar os locais criou parques industriais obsoletos e não enriqueceu os países que o adotaram. Já os asiáticos exigiam que empresas exportassem para gerar renda e competir com os melhores do mundo. Isto e outros fatores, como a boa educação pública, fizeram a renda per capita disparar, o que tirou centenas de milhões da miséria.

Outro lado

A coluna ofereceu aos dois economistas autores do “paper” a possibilidade de responder a Areas. Marquetti e Fonseca disseram concordar com alguns pontos e discordar de outros.

A maior discordância é sobre o elevado custo do trabalho no Brasil (item 1). Citaram que o rendimento médio mensal do trabalhador do setor privado em 2023 foi de R$ 2.818 (com carteira) e R$ 2.038 (informal). “Há uma década o custo do trabalho na China ultrapassou o do Brasil. A incapacidade brasileira de elevar a produtividade do trabalho não tem relação com o custo do trabalho. Se tivesse, as empresas investiriam em máquinas e não o fazem: a taxa de investimento foi de apenas 16,5% no país.

Há concordância dos dois economistas sobre a concentração bancária (item 5). No “paper”, eles abordam o tema quando falam na hegemonia financeira, já que a concentração é uma face dessa tal hegemonia. “Os juros elevados assolam os consumidores e grande parte das empresas não financeiras. A taxa referencial (Selic) também é alta e propicia ganhos elevados sem necessidade de produzir. O país atrai capital financeiro internacional de curto prazo, o que valoriza a taxa de câmbio e reduz a competitividade da indústria. A taxa de juros no neoliberalismo funciona como um poderoso mecanismo de transferência de renda do setor produtivo para o financeiro.”

Marquetti e Fonseca dizem que cabe ao BNDES (item 4) papel de destaque no financiamento das empresas brasileiras em geral. Citam o exemplo da Embraer. Contudo, concordam que houve problemas, como apontado por Areas, como no caso dos campeões nacionais e no financiamento da privatização de estatais. “O banco deveria ser mais exigente em seus financiamentos, e, por exemplo, cobrar metas de emprego, exportação e/ou ambientais. Financiamento público se justifica quando tiver fim social e tem que ser rigorosamente acompanhado pelo órgão financiador, mas muitas vezes o empresariado se opõe a isso.”

Os economistas observam que a visão de que a Cepal propunha fechar mercados (item 6) não bate com os documentos da própria Cepal, em que se propõe proteção temporária para indústrias infantes, algo consensual na época. “Se proteções temporárias viraram permanentes, isso foi por ações dos governos.”

Os dois economistas entendem que as críticas ao modelo cepalino podem ser, em boa medida, estendidas ao desenvolvimentismo. “O desenvolvimentismo implica criar vantagens competitivas além dos recursos naturais ao combinar a atuação do Estado com o mercado. O primeiro passo consiste em aumentar a capacidade de produzir para o consumo interno e, num segundo, competir internacionalmente. O desenvolvimentismo no Brasil foi abandonado ao longo da década de 1980. O PIB brasileiro cresceu 7,3% ao ano entre 1947 e 1980, quando vigorava o desenvolvimentismo, e 2,1% ao ano entre 1980 e 2023, quando foi abandonado e substituído pelo neoliberalismo. É necessário reconstruir o modelo desenvolvimentista voltado para as questões do século XXI para o país crescer a taxas elevadas, propiciando empregos de qualidade e lucros para as empresas.”

 

Um comentário:

Jorge disse...

Em relação ao item 5, o retorno sobre o capital dos bancos brasileiros é elevado com a excelente ajuda das maiores taxas reais de juros do mundo, praticadas pelo Banco Central do Brasil. Essa parte não se deve atribuir à competência.