Valor Econômico
Às vésperas do 1º de Maio, crise põe em xeque
não apenas os benefícios previdenciários como a manutenção do PDT na base e a
ressurreição de Ciro Gomes
Nem a Polícia Federal nem a
Controladoria-Geral da União forneceram ao presidente da República prova cabal
do envolvimento direto do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, na
rapina feita nos benefícios de cerca de 6 milhões de aposentados. Como incompetência
e omissão não têm configurado impedimento para a ocupação de assentos na
Esplanada, esta é a explicação mais imediata para sua permanência no cargo.
Por mais que o governo consiga superar a grande complexidade envolvida na devolução do que foi surrupiado dos benefícios e repisar a tecla de que foi este governo que desbaratou o esquema que atravessou incólume os anos Michel Temer e Jair Bolsonaro, a permanência do ministro deixará, sobre Lula, o carimbo da conivência.
Colabora para isso a postura que Lupi vem
assumindo. Nas entrevistas que dá, em vez de sair em defesa dos aposentados e
se mostrar capaz de resolver a situação, encurrala-se na defensiva. Se o
governo tem uma estratégia de comunicação, e a recuperação (moderada) dos
indicadores de popularidade trazida pela AtlasIntel sugere que sim, está
inoperante no caso.
Lula tem assumido esse risco até aqui porque
vê outros maiores se avizinharem com a demissão do ministro. Tanto o líder do
PDT na Câmara quanto o do Senado já avisaram que se o presidente demitir Lupi
estará excluindo também o partido da base. O governo não tem gordura para
queimar 17 cadeiras na Câmara e três no Senado, mas o risco não se limita ao
quórum de aprovação no Congresso.
Hoje é o PDT que se beneficia da atuação de
entidades como o Sindicato Nacional dos Aposentados e Idosos (Sindnapi), uma
das que foram alvejadas pela operação policial. Entre 2016 e 2022, partidos
como o Solidariedade, de Paulo Pereira da Silva, hoje na órbita da oposição, é
que tinham voz e votos beneficiados pela atuação da máquina deste sindicato.
E, finalmente, Lula também enfrenta o
fantasma de Ciro Gomes. Candidato quatro vezes à Presidência da República, com
seu pior desempenho em 2022 (3%), o ex-ministro e ex-governador se reaproximou
do irmão, o senador Cid Gomes (PDT-CE), e das bancadas do partido no Congresso.
Enfrenta a rejeição de seis em cada dez
brasileiros (AtlasIntel), patamar dificilmente reversível. Pode, no entanto,
causar estrago na reeleição. Em 2022, não declarou voto em Luiz Inácio Lula da
Silva ou em Jair Bolsonaro, mantendo a raia de terceira via desimpedida.
Lula mantém margens estreitas de vantagem
sobre a oposição, entre outros motivos, porque tem dificuldade de faturar os
acertos deste governo. De 19 decisões/declarações listadas pela AtlasIntel,
apenas quatro foram classificadas pela maioria como erros do presidente
(imposto sobre as blusinhas, cota de emprego para detentos do regime semiaberto
em licitações públicas, pix e comparação entre Israel e Hitler).
Lula obtém maioria folgada de acertos em
decisões como gratuidade na Farmácia Popular, isenção do IR até R$ 5 mil,
retirada de garimpeiros de terras indígenas, Desenrola, Minha Casa Minha Vida,
liberação do FGTS, acordo Mercosul/União Europeia, Pé-de-Meia, Mais Médicos,
visto para americanos, reforma tributária, PAC, PEC da segurança pública,
retirada dos Correios da fila de privatizações e adoção do arcabouço fiscal.
Com um personagem como Ciro de volta à raia, Lula manteria a dificuldade em
faturar os benefícios decorrentes dessas políticas públicas e acresceria o
risco de ter a aprovação dessas iniciativas colocada em xeque.
Por tudo isso, Lula se move com pouca margem
de manobra no caso. Um passo em falso traria consequências tão danosas quanto
aquelas que aguardavam sua gestão da crise no Ministério das Comunicações. Ali
estava em questão a manutenção da fatia de poder de seu principal aliado no
União Brasil, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (AP), e a preservação
do naco de votos governistas na bancada do partido na Câmara. Por isso engoliu
o desaforo da rejeição da Pasta pelo líder do partido, deputado Pedro Lucas (MA).
Na Previdência, está em questão um partido
menos estratégico para a governabilidade mas que pode abrir flancos no
eleitorado de centro-esquerda que Lula, até aqui, domina. Além disso, se o
eleitor é incapaz de listar os danos para sua vida decorrente da gestão do
União Brasil nas Comunicações, não terá dificuldade em apontar o estrago
causado pela rapina no INSS.
A proximidade do 1º de Maio dramatiza o
impacto deste caso para a imagem do governo. Se, em 2024, Lula teve que lidar
com a inépcia da Secretaria de Governo - ainda intocada - que lhe levou a
discursar para 2 mil pessoas no estacionamento de um estádio de futebol, este
ano enfrentará o risco de a oposição, que não tem lugar de fala no tema,
arrumar um.
A simbiose do governo com o Supremo Tribunal
Federal é tamanha que o embate em curso entre a Corte e a Justiça do Trabalho
também pode cair no seu colo. O ministro Gilmar Mendes suspendeu a tramitação
de todos os processos relativos à terceirização e pejotização enquanto o STF
não julga o tema com repercussão geral.
Depois da anulação, pelo STF, de muitas
decisões da JT, ministros como Edson Fachin e Cristiano Zanin passaram a
reconhecer abusos, com repercussões não apenas para os direitos trabalhistas
como para o financiamento da Previdência. É inevitável que o resultado desse
julgamento se junte ao legado trabalhista e Previdenciário de Lula III.
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