O Globo
A negociação política parece bem adiantada, retirando a aparência de revanche das penas excessivas já determinadas, mas mantendo o rigor com os financiadores e organizadores da tentativa de golpe, nisso incluídos os generais e Bolsonaro
Está em andamento uma negociação política que
permitirá superar a campanha pela anistia aos rebelados do 8 de Janeiro e
proporcionará a possibilidade de revisão das penas já decretadas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) sem que seja criado um impasse entre os Poderes da
República. O governo petista, por intermédio de seus líderes no Congresso, sob
a coordenação da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, está à
frente das negociações, com o conhecimento do STF.
O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, evidentemente mandou um recado ao Congresso ao afirmar que o ocorrido no 8 de Janeiro é imperdoável, mas, ao mesmo tempo, abriu uma brecha para reduzir as penas. É um ponto delicado, porque até o momento considerava-se uma afronta ao STF que o Congresso reduzisse as penas já definidas aos condenados do 8 de Janeiro.
Com a fala de Barroso, é possível fazer um
acordo, esquecendo a anistia — que sabemos não ser para os bagrinhos de 8 de
Janeiro, mas sim para os generais e Bolsonaro — e fazendo no Congresso um
projeto para reduzir penas como a da cabeleireira condenada a 14 anos. Desde o
início dos debates, Barroso tem dito que não faz sentido condenar pelo mesmo
crime — tentativa de golpe e abolição de Estado de Direito. Ao retirar uma das
acusações, a condenação já se reduz em cinco anos. Ele deu um caminho para negociação,
que pode acalmar os ânimos no Congresso.
Não é possível unir os dois crimes, pois a
legislação os separa claramente. Só o Congresso pode fazer uma lei nova com
esse enfoque. Mas Barroso foi além do que deveria como presidente do Supremo
porque, mesmo não fazendo parte da turma que julga, parece tentar conduzir a
sua votação, criando mais um pretexto para que o julgamento seja contestado.
O presidente do Supremo, ou outro ministro
qualquer, ser contra a anistia é antecipação de julgamento, pois o caso, se
concretizado, provavelmente será colocado perante o tribunal. Será um problema
para nossa mais alta Corte, pois conceder anistia é prerrogativa do Congresso
pela Constituição. Como considerar inconstitucional um projeto de lei nesse
sentido? Ao mesmo tempo, dizer que os acontecimentos do 8 de Janeiro são
“imperdoáveis” é outra escorregadela de Barroso. Significa que ninguém será
absolvido no julgamento em curso.
De qualquer maneira, a negociação política
parece bem adiantada, retirando a aparência de revanche das penas excessivas já
determinadas, mas mantendo o rigor com os financiadores e organizadores da
tentativa de golpe, nisso incluídos os generais e Bolsonaro. Esse acordo
desarmará também os líderes do PL preocupados mais com o destino dele que com
os inocentes úteis arregimentados para criar o ambiente propício ao golpe. A
pressão política que o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, faz para que o
presidente da Câmara, Hugo Motta, ponha em votação o projeto de anistia mostra
como ele e seus seguidores não estão interessados em resolver o caso dos
“bagrinhos”.
A manobra rasteira de tentar chantagear o
governo ameaçando romper um acordo sobre as emendas para forçar a votação da
anistia só explicita como o líder do partido do ex-presidente da República está
nervoso com a probabilidade de a anistia não vir a ser colocada em plenário
para votação. Por seu lado, o governo terá uma vitória política como há muito
não tinha se der certo a negociação para reduzir as penas dos condenados menos
importantes na tentativa de golpe e reforçar a dos organizadores e financiadores.
Essa é a essência de um acordo político elevado.
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