quinta-feira, 1 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Um 1º de maio com embaraços

Correio Braziliense

O governo do presidente Lula chega ao 1º de maio com a menor taxa de desemprego no primeiro trimestre desde 2012, mas longe de estar em clima de festa com a classe trabalhadora

O governo do presidente Lula chega ao 1º de maio com a menor taxa de desemprego no primeiro trimestre (de janeiro a março) desde o início da série histórica, em 2012, mas longe de estar em clima de festa com a classe trabalhadora. Há uma lista de reivindicações ainda não atendidas na terceira gestão do petista — algumas, inclusive, espinhosas do ponto de vista da governabilidade —, além do recente escândalo do desvio de dinheiro de aposentados e pensionistas. 

Entre as demandas, uma das mais polêmicas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada Erika Hilton (PSol-SP), que reduz a carga horária de trabalho semanal de 44 horas, como previsto na Constituição de 1988, para 36 horas. Dessa forma, a escala de seis dias de trabalho e um de folga (6X1) seria substituída por uma jornada de quatro dias de trabalho e três de folga (4x3). De acordo com estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), a mudança implicaria impacto de até 16% no Produto Interno Bruto (PIB). 

Associações empresariais e comerciais se posicionaram contra a medida, e o Executivo Federal tem reagido com cautela. Em março, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, se comprometeu com Erika Hilton a estudar o assunto e ajudar em discussões no Congresso. Ontem, em pronunciamento, o presidente Lula reconheceu que é "preciso ter equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras" e prometeu "aprofundar o debate". O fato é que a redução tende a ser a principal bandeira de atos unificados de trabalhadores neste 1º de maio. O mais tradicional deles, aliás, em São Paulo, organizado pelas centrais sindicais, não deve contar com a participação, também habitual, de Lula. 

Retomada integral da política de valorização do salário mínimo; regulamentação dos direitos trabalhistas para motoristas e entregadores de aplicativo, recuperação do poder de compra de aposentados; estímulo a micros, pequenas e médias empresas e à economia solidária, como acesso a crédito e tecnologia, também fazem parte da lista de cobranças. Ainda que todos os itens da pauta, que é mais extensa, exijam respostas do governo, nada se compara ao escândalo da hora: a fraude bilionária no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Apesar de as fraudes terem sido iniciadas em 2019, só agora o governo federal se mobilizou para chegar aos criminosos que causaram um prejuízo estimado em mais de R$ 6 bilhões. Com a divulgação do golpe e o avançar das investigações, vai ficando evidente que houve ao menos omissão na proteção de trabalhadores aposentados e pensionistas. O próprio ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, reconheceu a demora para apurar as denúncias.

Em balanço da gestão, Lula ressaltou ontem a geração de 3 milhões e 800 mil postos de trabalho com carteira assinada, a baixa taxa de desemprego e o programa de renegociação de dívidas. Também anunciou "duas medidas muito importantes" aos trabalhadores: o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei que zera o Imposto de Renda e o debate sobre a redução da jornada de trabalho. O anúncio não surpreende e pode não ser suficiente para amenizar a temporada de embaraços.  

Consolidação de partidos faz bem à democracia

O Globo

Federação União-PP e fusão PSDB-Podemos seguem tendência a maior coerência na representação

Resultado da aliança entre União Brasil e Progressistas, a federação União-PP, anunciada nesta semana, se tornará a maior força política no Brasil. Na Câmara, tem a maior bancada, com 109 deputados. No Senado, empata com PSD e PL, todos com 14 senadores. Há três anos, PT, PCdoB e PV também formaram uma federação partidária, modelo que obriga seus integrantes a se comportar como um só partido por quatro anos. PSOL e Rede formaram outra, e PSDB e Cidadania uma terceira. Esta última foi rompida recentemente, e, nesta semana, a executiva nacional do PSDB aprovou a fusão com outro partido, o Podemos. Outros partidos buscam siglas para se unir, caso de PDT e PSB.

As motivações e modalidades de aliança costumam variar. Juntos, União e PP ganharam força para disputar o voto conservador com legendas como PL ou Republicanos. A dispersão de recursos não costuma ajudar quem pretende lançar campanhas presidenciais e controlar grandes bancadas. No caso da fusão entre PSDB e Podemos, longe de projeto de poder, a preocupação é a sobrevivência. A cláusula de barreira em 2026 será de 13 deputados federais, ou 2,5% dos votos válidos, com 1,5% em pelo menos nove estados. Receosos de, sozinhos, não a superarem e perderem acesso a fundo partidário e tempo de propaganda, os dois partidos decidiram se unir (a fusão ainda precisa ser aprovada em convenção).

Independentemente da motivação, movimentos de concentração partidária são bem-vindos. A fragmentação da representação em dezenas de legendas tem efeito deletério. Cria cacofonia e torna a política incompreensível. Determinar a diferença entre partidos se torna tarefa árdua ou impossível. Para o eleitor, é mais eficaz haver menos alternativas, com posições claras.

Até há pouco tempo, o Brasil tinha a política mais fragmentada do mundo. Com as coligações nas eleições proporcionais, partidos nanicos ofereciam espaço no horário eleitoral em troca da chance de eleger uns poucos representantes, aproveitando os votos dos parceiros maiores para satisfazer ao quociente eleitoral. Finda a eleição, cada um ia para o seu lado, e o Parlamento continuava uma sopa de letrinhas.

Em 2017, uma emenda constitucional acabou com as coligações para disputas no Legislativo e estabeleceu patamares mínimos de desempenho para a representação. “Os incentivos para a dispersão deram lugar a incentivos para a compactação. De lá para cá, ela tem ocorrido numa velocidade surpreendente”, diz o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getulio Vargas (FGV-CPDOC). Entre as eleições de 2018 e 2022, as legendas com representante no Parlamento diminuíram de 30 para 22 (hoje são 16, considerando as federações). O índice usado para medir a fragmentação — o “número de partidos efetivos”, calculado com base no tamanho das bancadas — caiu de 16,5 para 9,3 (ainda superior ao da maioria das democracias, entre 3,5 e 6).

É certo que a consolidação por meio de federações tem respondido a interesses eleitorais — até agora, nenhuma federação resultou em fusão. Mesmo assim, elas obrigam suas bancadas a manter coerência pelo menos até a eleição seguinte. A falta de fidelidade a agendas programáticas, o fisiologismo e outras mazelas associadas à prática parlamentar no Brasil continuarão existindo. Mas é inegável que haver menos legendas só tem a contribuir para a qualidade da nossa democracia.

Atitude de Lula diante da Ucrânia traduz incoerência de sua diplomacia

O Globo

Ao se alinhar à Rússia, presidente rompe tradição de equilíbrio na política externa brasileira

A política externa brasileira já viveu melhores momentos. Tem ficado clara nos últimos tempos a inclinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um dos lados de conflitos em que, por respeito à tradição diplomática e aos interesses nacionais, a posição do Brasil deveria ser, quando não neutra, ao menos mais equilibrada.

Em nenhum caso isso é tão evidente quanto na atitude de Lula diante da Ucrânia. Em Roma, depois do funeral do Papa Francisco, ao ser questionado sobre o encontro entre os presidentes americano, Donald Trump, e ucraniano, Volodymyr Zelensky, ele disse que o Brasil continua “teimando” para que Ucrânia e Rússia se sentem à mesa de negociações. Mas imediatamente mudou de assunto, afirmando desejar que o mesmo aconteça no caso da “violência que Israel comete na Faixa de Gaza”.

Ora, quando Lula tentou atuar como mediador entre Kiev e Moscou, sua inclinação evidente pela Rússia levou Zelensky a recusar a oferta. Não era coerente que um chefe de governo com aspirações a aproximar dois países sugerisse que um deles abrisse mão de territórios invadidos pelo outro, como fez Lula ao declarar que Kiev deveria ceder a Península da Crimeia à Rússia. Ainda que barganhas em torno de territórios ocupados venham a ser debatidas nas futuras negociações de paz, não cabe a uma terceira parte tratar do assunto. É sintomático, também, que Lula tenha rejeitado convite de Zelensky para visitar Kiev, mas se prepare agora para ir a Moscou participar, ao lado de Vladimir Putin, das comemorações dos 80 anos da vitória dos aliados na Segunda Guerra.

Lula não consegue admitir que a Rússia comete, de forma indiscutível, a mais grave agressão na Europa desde o fim daquela guerra. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira foi tíbia diante da invasão da Ucrânia. Lula assumiu tendo a oportunidade de marcar uma diferença positiva na política externa, mas até agora não conseguiu.

A incoerência da diplomacia brasileira não se restringe a suas declarações de improviso. O comunicado oficial do Itamaraty depois da reunião do Brics nesta semana faz menção apenas protocolar à guerra na Ucrânia, enquanto dedica cinco extensos itens ao conflito entre israelenses e palestinos. Ainda que a Rússia faça parte do Brics e decerto tenha influência nos debates, o Brasil não tem a menor necessidade de aliviar os termos de sua condenação à guerra para fazer agrados a Putin. O contraste das atitudes do Itamaraty diante de Gaza e da Ucrânia revela o grau de desconexão da diplomacia brasileira com os valores e interesses do país.

É lamentável, pois o Itamaraty sempre separou a ideologia do governo do interesse nacional. Até na ditadura militar, o presidente Ernesto Geisel, um general conservador, foi convencido de que o colonialismo português chegava ao fim na África e reconheceu o governo de esquerda de Angola, reforçado por tropas cubanas com apoio da União Soviética. Mas Lula infelizmente não consegue evitar que a ideologia interfira em sua política externa.

Menos partidos

Folha de S. Paulo

Fusão entre PSDB e Podemos e federação com União Brasil e PP fazem parte da redução, ainda lenta, do excesso de siglas

Na maioria dos países democráticos que adotam cláusulas de desempenho, os partidos que não alcançam o patamar mínimo de votação exigido, tipicamente entre 3% e 5%, não têm acesso ao Parlamento. A política brasileira, porém, com sua propensão à autocomplacência, optou por um regramento bem mais frágil.

Para começar, a votação mínima foi introduzida por meio de um processo paulatino, que só deve ser concluído em 2030, quando a cota atingirá 3%. Ademais, a legenda incapaz de obter o desempenho estabelecido não perde acesso ao Legislativo, mas a regalias do funcionamento parlamentar, como integrar o colégio de líderes, e às fatias mais gordas do financiamento público.

Por fim, a norma brasileira ainda lança algumas boias de salvação aos partidos ameaçados, como a formação de federação —um arranjo pelo qual duas ou mais siglas se juntam pelo prazo fixo de quatro anos.

Mesmo assim, aos poucos tais mudanças, aliadas à proibição de coligações em eleições proporcionais, têm conseguido reduzir a fragmentação de legendas no Congresso Nacional, o que em tese facilita a formação de coalizões de governo estáveis —objetivo final das cláusulas de desempenho.

Recentemente, observam-se dois movimentos interessantes. O PSDB, que até 2018 era um dos mais importantes partidos do país, encabeçando disputas presidenciais por duas décadas, deu passo importante para fundir-se com o Podemos, por uma questão de sobrevivência.

O encolhimento da sigla se deu em tal magnitude e rapidez que ela corria o risco de não passar pela cláusula. O símbolo do tucano talvez sobreviva, mas o número 45 será extinto.

Já União Brasil e PP formalizaram uma federação. A meta aqui não é sobreviver, e sim, por ganhos de escala, ampliar poder. Juntos, os dois partidos constituem a principal força do Legislativo, com 109 dos 513 deputados federais e 14 dos 81 senadores.

Se uma aliança resolve alguns problemas, também cria outros. O fato de os caciques nacionais das legendas conseguirem chegar a um entendimento não significa que a concórdia se repetirá em nível regional. Por vezes, inimigos figadais se veem abrigados no mesmo guarda-chuva partidário, de modo que é seguro prever impasses e defecções.

Seja como for, é positivo constatar que o novo regramento está, mesmo mais lentamente que o desejável, ajudando a diminuir o cipoal de siglas que atravanca a política brasileira.

É preciso, porém, destacar que trata-se de apenas uma faceta das dificuldades do país nessa seara. Reduzir a fragmentação não resolve a questão da inconsistência programática dos partidos.

Para dar só um exemplo, o manifesto que marcou o lançamento da federação União Brasil-PP veio num tom indisfarçavelmente oposicionista, mas a aliança tem quatro ministérios no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Fazendo a América encolher

Folha de S. Paulo

PIB dos EUA tem queda anualizada de 0,3%, com impacto de importações aceleradas por empresas antes do tarifaço de Trump

O encolhimento da economia americana no primeiro trimestre do ano, divulgado nesta quarta-feira (30), teve a influência de fatores circunstanciais, que não necessariamente indicam uma tendência. Ainda assim, não deixa de ser uma amostra, talvez pequena, dos danos potenciais das políticas caóticas de Donald Trump.

Em termos anualizados (calculando a projeção para um ano se a taxa ficasse constante no período, como se costuma fazer nos Estados Unidos), o Produto Interno Bruto caiu 0,3% de janeiro a março —Trump está na Casa Branca desde 20 de janeiro.

Trata-se do pior desempenho econômico desde o início de 2022, quando os EUA e o mundo ainda se recuperavam do impacto da pandemia de Covid-19, e de uma guinada brusca em relação ao quarto trimestre do ano passado, quando se mediu um ainda bom crescimento de 2,4%.

O número foi pior do que se esperava, como o demonstra a forte queda imediata de índices da Bolsa de Valores de Nova York. O mercado acionário também amarga desvalorização no ano, algo particularmente grave numa sociedade que nele aplica grande parte de seu patrimônio.

O recuo do PIB teve impulso de um anômalo aumento de importações por parte de empresas dos EUA, que se anteciparam à elevação de tarifas anunciada —e levado a cabo em abril, apesar de recuos em várias frentes— por Trump. Assim, perderam força a demanda e a produção internas.

Tal fenômeno foi reforçado por redução dos gastos do governo e menor ímpeto do consumo das famílias, ao que parece mais cautelosas diante das incertezas que cercam a guerra comercial declarada pelo republicano.

Num quadro tão conturbado, não se pode afirmar que o revés trimestral seja o início de uma temida recessão. Mas os efeitos negativos da turbulência já instalada parecem incontornáveis. O Fundo Monetário Internacional reduziu a projeção de expansão da economia americana de 2,7% para 1,8% em 2025.

Ao seu estilo populista e fanfarrão, Trump logo correu a culpar o antecessor democrata Joe Biden pelos fiascos do PIB e das Bolsas, prometendo que suas tarifas em breve atrairão um número recorde de empresas ao país, que então viverá um "boom".

Entretanto é justamente em torno das tarifas inauditas —e seus impactos difíceis de prever sobre os preços, a produção e o emprego— que residem os piores temores quanto à atividade na maior potência econômica global, que historicamente se nutriu da abertura ao comércio.

Celebração da liberdade

O Estado de s. Paulo

A homenagem aos 150 anos deste jornal no Congresso faz justiça à luta do ‘Estadão’ pelo aperfeiçoamento da democracia no País, como ficou claro no debate sobre a liberdade de expressão

Como parte das celebrações de seu aniversário de 150 anos, ocorrido em janeiro passado, este jornal teve a honra de ser homenageado anteontem em sessão conjunta do Congresso. Mais do que uma exposição da trajetória do Estadão, o evento foi uma celebração dos valores democráticos e do papel do jornalismo independente e íntegro na promoção de uma sociedade próspera, plural e justa.

É por esse motivo que, coerente com sua longeva história de defesa da liberdade em suas múltiplas dimensões, o jornal exerceu mais uma vez sua vocação de servir como referência incontornável no debate público maduro, promovendo, no mesmo dia, em Brasília, uma importante discussão sobre a natureza das atuais ameaças a essa mesma liberdade.

A relevância de tal debate é indiscutível, sobretudo em tempos nos quais há enorme confusão conceitual sobre a liberdade – confusão esta que é uma mistura de ignorância cívica e de malícia política. O resultado é que o maior bem de um regime democrático, isto é, a liberdade de expressar o pensamento e de difundir ideias, acaba instrumentalizado por forças que, em nome de sua preservação, pretendem restringir seu alcance, caracterizando como ilegítimo qualquer discurso que não esteja submetido à sua visão de mundo particular.

Por esse motivo, foi singularmente relevante a participação, como principal orador, do ministro Edson Fachin, que em poucos meses assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Como se sabe, o Supremo tem sido protagonista desse debate sobre a liberdade de expressão, nem sempre por bons motivos. E por essa razão, para começar, aqui vale ressaltar o espírito democrático do ministro Fachin, que aceitou participar do evento de um jornal que é sabidamente crítico do Supremo, sobretudo quando alguns de seus ministros pretendem regrar o discurso político para além do que prevê a Constituição.

E Fachin foi preciso exatamente sobre essa fronteira difusa entre a Justiça e a política: “Nós, juízes, também temos deveres a cumprir. Devemos cada um e cada uma, em seus respectivos campos, apresentar o respectivo comportamento como contraprova do discurso. Não vivemos graças à Justiça, e sim pela Justiça. Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política”.

Nesse sentido, o futuro presidente do STF deixou claro que cabe ao Congresso regulamentar as plataformas que gerenciam as redes sociais. E este jornal concorda: se houver alguma regulamentação, e essa regulamentação é necessária em alguns aspectos, ela deve se dar dentro do debate democrático do Congresso, e não a partir dos votos de ministros do Supremo, que não foram eleitos para isso.

O evento, ademais, serviu como um inventário dos desafios para a liberdade de expressão no mundo contemporâneo: a censura estatal, as regulações excessivas e a vigilância; o constrangimento social por grupos militantes e a cultura do cancelamento; o tribalismo ideológico e a polarização política; as táticas de manipulação e desinformação; a concentração de poder em plataformas digitais; os conflitos entre a liberdade de expressão e outros direitos; a erosão da tolerância ao dissenso.

A afirmação da liberdade integral é uma luta diária, e há riscos por todos os lados, desde aqueles que instrumentalizam a liberdade de expressão para cometer crimes e urdir o fim da democracia, até aqueles que, munidos de poder estatal, instrumentalizam o combate a esses crimes contra a democracia para limitar opiniões muitas vezes desagradáveis ou repulsivas.

Com 150 anos de experiência, este jornal sabe que não há fórmulas prontas, mas há um método: a troca de ideias plural e aberta. Se o caminho da construção da democracia se faz ao caminhar, há certamente um norte: a convicção inegociável de que a desinformação se combate com mais informação, e não com menos, e de que os desafios das democracias liberais são vencidos com mais liberdade, e não com menos.

Precisamos falar sobre corrupção

O Estado de S. Paulo

Casos como o do INSS, da prisão de Collor e das emendas recolocam no noticiário um problema que nunca deixou de assombrar o País e que demanda tratamento sério e eficaz, e não moralista

Malévola e irresistivelmente longeva na história do Brasil, a corrupção andava um tanto fora do noticiário e do debate público, até que emergiu com força graças a uma sucessão de malfeitos coincidentes, incluindo a queda do ministro Juscelino Filho (Comunicações) após denúncia da Procuradoria-Geral da República, a prisão do ex-presidente do Peru Ollanta Humala e o asilo concedido à ex-primeira-dama Nadine Heredia, a prisão do ex-presidente Fernando Collor e o ruidoso escândalo dos descontos em aposentadorias e pensões do INSS. Não que a corrupção estivesse suspensa na rotina de práticas antirrepublicanas que costumam alimentar os cupins do dinheiro público, como atesta o nefasto assunto das emendas parlamentares sem transparência, mas está claro que o País tem negligenciado o tema. Sobretudo depois que os excessos cometidos pela Operação Lava Jato contribuíram, em grande medida, para descredenciar a agenda e ainda permitir que réus confessos passassem a posar de vítimas.

Precisamos falar sobre corrupção. Para tanto não é preciso recorrer à História. Registre-se que a corrupção já era fonte de preocupação no período em que éramos colônia portuguesa. Mem de Sá, o governador-geral do País entre 1558 e 1572, por exemplo, foi acusado de enriquecimento ilícito. No Rio de Janeiro, dizia-se que os mercadores de escravos que saíam da África e seguiam para o Rio da Prata e precisavam fazer escala no Rio para abastecer já sabiam que tinham de pagar propina ao governador da capitania. Tampouco se deve recorrer a hipérboles de pouca serventia, como a dúvida se o Brasil é o país mais corrupto do mundo, se os governos lulopetistas foram os mais corruptos da história brasileira ou se a atual legislatura é a mais imperfeita desde a redemocratização.

Também é contraproducente escolher entre o moralismo udenista (nos anos 1950 e 1960, a UDN era o partido que denunciava a corrupção com maior vigor) e a naturalidade com que a esquerda despreza o assunto – principalmente depois que o PT passou a ser governo, no início dos anos 2000. Como se sabe, o PT ascendeu denunciando tudo e todos, mas uma vez no poder se revelou tão corrupto quanto aqueles grupos que vivia a denunciar. Completados dez anos de poder, um documento levado a um conclave petista definia o partido como vítima do presidencialismo de coalizão, “prisioneiro de um sistema eleitoral que favorece a corrupção”. Agora, com a morte do presidencialismo de coalizão e a vigência de um sistema político disfuncional, não são poucos os morubixabas petistas que novamente apresentam a legenda como vítima. Desta vez não do presidencialismo de coalizão, mas de sua crise.

Vítima, contudo, é o Brasil – moral, política e economicamente. A corrupção ajuda a travar o pleno desenvolvimento econômico e social do País. O uso de estatais e instituições públicas por mercadores da política e da burocracia leva à locupletação de uns em prejuízo do dinheiro de muitos. Quando governantes se aproveitam do Estado em benefício próprio ou de seus apadrinhados se reforça um mal inquestionável: o desvirtuamento da gestão pública em uma máquina de ineficiência. Mas não há só más notícias. O Brasil avançou muito em matéria de fiscalização e controle. Os diques de contenção, previstos pela Constituição de 1988 e depois dela, funcionam. É o caso da Lei das Estatais, que instituiu regras mais rígidas contra o uso político das empresas públicas, e da Lei de Acesso à Informação (LAI), a partir da qual órgãos públicos passaram a ser obrigados a publicar dados e a responder a pedidos de informação apresentados por cidadãos, por organizações da sociedade civil e pela imprensa livre e independente. Também não faltam punições em nossa história recente, apesar dos pesares.

Resta avançar, insista-se, na qualidade do debate público sobre a corrupção. Em primeiro lugar, aceitando a ideia de que se trata de uma mazela sem cor ideológica ou partidária. Segundo, reconhecendo que, como um problema sistêmico, dispensa grandes escândalos para ser uma preocupação nacional e exige maior rigor no controle, na fiscalização e na punição devida aos malfeitos. Terceiro, e não menos importante, mostrando que a reação enfática da sociedade e a consequente vigilância são a melhor arma contra a corrupção, que avilta as instituições, a democracia e a autoestima do Brasil.

Trump é um fardo

O Estado de S. Paulo

Conservador identificado com o presidente americano perde eleição que estava ganha

Feito inimaginável em questão de meses, o Partido Liberal canadense conseguiu o improvável: assegurou vitória no Parlamento do país e confirmou o ex-banqueiro Mark Carney como primeiro-ministro.

O principal cabo eleitoral de Carney e dos liberais foi o presidente dos EUA, Donald Trump, que pode contabilizar a derrota dos conservadores nas eleições canadenses entre seus muitos feitos em apenas cem dias de governo.

No início de janeiro, antes de Trump retornar à Casa Branca, um desgastado Justin Trudeau renunciou ao posto de primeiro-ministro canadense, que ocupou por quase uma década. Àquela altura, o caminho para que o conservador Pierre Poilievre fosse eleito primeiro-ministro parecia consolidado.

Preocupada com questões como inflação elevada, crescimento econômico fraco, altos preços das moradias e baixas perspectivas de emprego, a população canadense foi gradualmente se cansando da agenda ambiental e pró-imigração de Trudeau.

O momento era todo dos conservadores, que apareciam 20 pontos porcentuais à frente dos liberais nas pesquisas para as eleições parlamentares, originalmente previstas para outubro, mas antecipadas após a queda de Trudeau.

No meio do caminho, Trump retornou à Casa Branca, taxou as importações do parceiro comercial Canadá em 25%, antes mesmo de impor “tarifas recíprocas” ao mundo todo, e desrespeitou por diversas vezes o país vizinho.

Na delirante visão de Trump, o Canadá é próspero porque se aproveita dos EUA, razão pela qual o lógico, para o republicano, seria o Canadá tornar-se o 51.º Estado norte-americano. Conhecido pelas provocações desrespeitosas, Trump se referiu a Trudeau como “governador” mais de uma vez.

Feridos em seu orgulho nacional, os canadenses uniram-se em torno da defesa de sua soberania, passaram a boicotar produtos norte-americanos e a evitar viagens aos EUA.

Poilievre, apelidado de “Trump canadense” pela retórica inflamada contra imigrantes e pela defesa do corte de impostos, passou a perder pontos nas pesquisas. Os liberais ganharam uma bandeira eleitoral, capturada com habilidade por Carney, que se posicionou como líder anti-Trump que jamais cederia a soberania canadense.

E, assim, uma eleição que originalmente serviria como um veredicto do desgaste de Trudeau e dos liberais terminou como negação do trumpismo.

Que o diga Poilievre, que na reta final das eleições mandou Trump não se meter no pleito canadense. Não foi suficiente. Associado demais ao republicano, Poilievre também perdeu sua cadeira no Parlamento como representante de Carleton, distrito de Ontário, para o liberal Bruce Fanjoy.

Apesar disso, os conservadores ampliaram o número de cadeiras no Parlamento, enquanto os liberais, com 169 assentos, ficaram aquém das 172 cadeiras que lhes garantiriam um governo majoritário.

Agora, Carney tem a missão de demonstrar que realmente pode unificar o país, que já sofre os efeitos das tarifas trumpistas. O eleitorado deu seu recado: é vigorosamente anti-Trump, mas segue preocupado com o custo de vida elevado.

Os bons resultados do Enem

O Povo

O crescimento do número de estudantes de escolas públicas cearenses que conseguem ingressar no ensino superior é indicativo de que as boas práticas do Enem podem ser complementadas, aumentando o seu alcance

O número de estudantes da rede pública de ensino cearense aprovados em instituições de ensino superior públicas e privadas foi considerado um "resultado histórico" pelo governo do Ceará. No ano passado, 24.403 estudantes foram aprovados, via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com aumento percentual de 8,31%, em relação a 2023, que contou 22.531 aprovações. Os dados foram divulgados pelo governador Elmano de Freitas (PT) durante o lançamento do programa Enem: Chego Junto, Chego Bem, edição de 2025.

Há mais destaques cearenses quanto ao Enem, como dispor da rede pública com o maior número de estudantes com notas acima de 950 pontos na redação — e com 100% dos concludentes do ensino médio inscritos no exame, no ano passado. O Ceará colhe assim o resultado dos investimentos na área educacional realizados por diferentes governos.

Outro recurso que incentiva os estudantes a prestarem o exame nacional é o programa Enem: Chego Junto, Chego Bem, coordenado pela Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), desenvolvido desde 2012.

O programa prepara estudantes da 3ª série do ensino médio e do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o Enem. Com sete etapas bem definidas, que terminam com a inscrição do aluno na prova, o objetivo é engajar as escolas e estudantes em várias atividades durante todo o ano, incluindo aulões e provas simuladas, reunindo centenas de estudantes a cada evento.

Ainda são oferecidas orientações sobre documentação e pedidos de isenção de taxas, entre outras atividades, que completam o trabalho do professor, motivando os estudantes a participarem do Enem.

Segundo a titular da Seduc, Eliana Estrela, quase 100% dos alunos da rede estadual já solicitaram a isenção na taxa de inscrição do Enem 2025. Segundo a Seduc mais de 100 mil estudantes da 3ª série e EJA estão aptos a fazer o Exame 2025.

Esses dados mostram a importância do exame nacional, que abriu uma porta a milhares de estudantes, em todo o Brasil, que não teriam condições de arcar com os custos de um curso vestibular. Ou mesmo de fazer provas em diversas universidades, em diferentes cidades, o que exigia deslocamentos e custos, fora da realidade dos estudantes mais pobres, cuja maioria está na rede pública de ensino.

Criado em 1998 para avaliar a qualidade do ensino médio no País, a partir de 2004 a nota do Enem passou a valer para o ingresso em universidades, passo fundamental para aumentar o ingresso de estudantes de baixa renda nas universidades.

O crescimento do número de estudantes de escolas públicas cearenses que conseguem ingressar no ensino superior é um indicativo de que as boas práticas do Enem podem ser complementadas, aumentando o seu alcance.

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