Um 1º de maio com embaraços
Correio Braziliense
O governo do presidente Lula chega ao 1º de maio com a menor taxa de desemprego no primeiro trimestre desde 2012, mas longe de estar em clima de festa com a classe trabalhadora
O governo do presidente Lula chega ao 1º de maio com a menor taxa de desemprego no primeiro trimestre (de janeiro a março) desde o início da série histórica, em 2012, mas longe de estar em clima de festa com a classe trabalhadora. Há uma lista de reivindicações ainda não atendidas na terceira gestão do petista — algumas, inclusive, espinhosas do ponto de vista da governabilidade —, além do recente escândalo do desvio de dinheiro de aposentados e pensionistas.
Entre as demandas, uma das mais polêmicas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada Erika Hilton (PSol-SP), que reduz a carga horária de trabalho semanal de 44 horas, como previsto na Constituição de 1988, para 36 horas. Dessa forma, a escala de seis dias de trabalho e um de folga (6X1) seria substituída por uma jornada de quatro dias de trabalho e três de folga (4x3). De acordo com estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), a mudança implicaria impacto de até 16% no Produto Interno Bruto (PIB).
Associações empresariais e comerciais se posicionaram contra a medida, e o Executivo Federal tem reagido com cautela. Em março, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, se comprometeu com Erika Hilton a estudar o assunto e ajudar em discussões no Congresso. Ontem, em pronunciamento, o presidente Lula reconheceu que é "preciso ter equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras" e prometeu "aprofundar o debate". O fato é que a redução tende a ser a principal bandeira de atos unificados de trabalhadores neste 1º de maio. O mais tradicional deles, aliás, em São Paulo, organizado pelas centrais sindicais, não deve contar com a participação, também habitual, de Lula.
Retomada integral da política de valorização do salário mínimo; regulamentação dos direitos trabalhistas para motoristas e entregadores de aplicativo, recuperação do poder de compra de aposentados; estímulo a micros, pequenas e médias empresas e à economia solidária, como acesso a crédito e tecnologia, também fazem parte da lista de cobranças. Ainda que todos os itens da pauta, que é mais extensa, exijam respostas do governo, nada se compara ao escândalo da hora: a fraude bilionária no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Apesar de as fraudes terem sido iniciadas em 2019, só agora o governo federal se mobilizou para chegar aos criminosos que causaram um prejuízo estimado em mais de R$ 6 bilhões. Com a divulgação do golpe e o avançar das investigações, vai ficando evidente que houve ao menos omissão na proteção de trabalhadores aposentados e pensionistas. O próprio ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, reconheceu a demora para apurar as denúncias.
Em balanço da gestão, Lula ressaltou ontem a geração de 3 milhões e 800 mil postos de trabalho com carteira assinada, a baixa taxa de desemprego e o programa de renegociação de dívidas. Também anunciou "duas medidas muito importantes" aos trabalhadores: o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei que zera o Imposto de Renda e o debate sobre a redução da jornada de trabalho. O anúncio não surpreende e pode não ser suficiente para amenizar a temporada de embaraços.
O Globo
Federação União-PP e fusão PSDB-Podemos
seguem tendência a maior coerência na representação
Resultado da aliança entre União Brasil e
Progressistas, a federação União-PP, anunciada nesta semana, se tornará a maior
força política no Brasil. Na Câmara, tem a maior bancada, com 109 deputados. No
Senado, empata com PSD e PL, todos com 14 senadores. Há três anos, PT, PCdoB e
PV também formaram uma federação partidária, modelo que obriga seus integrantes
a se comportar como um só partido por quatro anos. PSOL e Rede formaram outra,
e PSDB e Cidadania uma terceira. Esta última foi rompida recentemente, e, nesta
semana, a executiva nacional do PSDB aprovou a fusão com outro partido, o
Podemos. Outros partidos buscam siglas para se unir, caso de PDT e PSB.
As motivações e modalidades de aliança costumam variar. Juntos, União e PP ganharam força para disputar o voto conservador com legendas como PL ou Republicanos. A dispersão de recursos não costuma ajudar quem pretende lançar campanhas presidenciais e controlar grandes bancadas. No caso da fusão entre PSDB e Podemos, longe de projeto de poder, a preocupação é a sobrevivência. A cláusula de barreira em 2026 será de 13 deputados federais, ou 2,5% dos votos válidos, com 1,5% em pelo menos nove estados. Receosos de, sozinhos, não a superarem e perderem acesso a fundo partidário e tempo de propaganda, os dois partidos decidiram se unir (a fusão ainda precisa ser aprovada em convenção).
Independentemente da motivação, movimentos de
concentração partidária são bem-vindos. A fragmentação da representação em
dezenas de legendas tem efeito deletério. Cria cacofonia e torna a política
incompreensível. Determinar a diferença entre partidos se torna tarefa árdua ou
impossível. Para o eleitor, é mais eficaz haver menos alternativas, com
posições claras.
Até há pouco tempo, o Brasil tinha a política
mais fragmentada do mundo. Com as coligações nas eleições proporcionais,
partidos nanicos ofereciam espaço no horário eleitoral em troca da chance de
eleger uns poucos representantes, aproveitando os votos dos parceiros maiores
para satisfazer ao quociente eleitoral. Finda a eleição, cada um ia para o seu
lado, e o Parlamento continuava uma sopa de letrinhas.
Em 2017, uma emenda constitucional acabou com
as coligações para disputas no Legislativo e estabeleceu patamares mínimos de
desempenho para a representação. “Os incentivos para a dispersão deram lugar a
incentivos para a compactação. De lá para cá, ela tem ocorrido numa velocidade
surpreendente”, diz o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getulio
Vargas (FGV-CPDOC). Entre as eleições de 2018 e 2022, as legendas com
representante no Parlamento diminuíram de 30 para 22 (hoje são 16, considerando
as federações). O índice usado para medir a fragmentação — o “número de
partidos efetivos”, calculado com base no tamanho das bancadas — caiu de 16,5
para 9,3 (ainda superior ao da maioria das democracias, entre 3,5 e 6).
É certo que a consolidação por meio de
federações tem respondido a interesses eleitorais — até agora, nenhuma
federação resultou em fusão. Mesmo assim, elas obrigam suas bancadas a manter
coerência pelo menos até a eleição seguinte. A falta de fidelidade a agendas
programáticas, o fisiologismo e outras mazelas associadas à prática parlamentar
no Brasil continuarão existindo. Mas é inegável que haver menos legendas só tem
a contribuir para a qualidade da nossa democracia.
Atitude de Lula diante da Ucrânia traduz
incoerência de sua diplomacia
O Globo
Ao se alinhar à Rússia, presidente rompe
tradição de equilíbrio na política externa brasileira
A política externa brasileira já viveu
melhores momentos. Tem ficado clara nos últimos tempos a inclinação do
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva por um dos lados de conflitos em que, por respeito à tradição diplomática
e aos interesses nacionais, a posição do Brasil deveria ser, quando não neutra,
ao menos mais equilibrada.
Em nenhum caso isso é tão evidente quanto na
atitude de Lula diante da Ucrânia. Em Roma, depois do funeral do Papa
Francisco, ao ser questionado sobre o encontro entre os presidentes americano,
Donald Trump, e ucraniano, Volodymyr
Zelensky, ele disse que o Brasil continua “teimando” para que Ucrânia e
Rússia se sentem à mesa de negociações. Mas imediatamente mudou de assunto,
afirmando desejar que o mesmo aconteça no caso da “violência que Israel comete
na Faixa de Gaza”.
Ora, quando Lula tentou atuar como mediador
entre Kiev e Moscou, sua inclinação evidente pela Rússia levou Zelensky a
recusar a oferta. Não era coerente que um chefe de governo com aspirações a
aproximar dois países sugerisse que um deles abrisse mão de territórios
invadidos pelo outro, como fez Lula ao declarar que Kiev deveria ceder a
Península da Crimeia à Rússia. Ainda que barganhas em torno de territórios
ocupados venham a ser debatidas nas futuras negociações de paz, não cabe a uma
terceira parte tratar do assunto. É sintomático, também, que Lula tenha
rejeitado convite de Zelensky para visitar Kiev, mas se prepare agora para ir a
Moscou participar, ao lado de Vladimir
Putin, das comemorações dos 80 anos da vitória dos aliados na Segunda
Guerra.
Lula não consegue admitir que a Rússia
comete, de forma indiscutível, a mais grave agressão na Europa desde o fim
daquela guerra. Em 2022, no governo Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira foi
tíbia diante da invasão da Ucrânia. Lula assumiu tendo a oportunidade de marcar
uma diferença positiva na política externa, mas até agora não conseguiu.
A incoerência da diplomacia brasileira não se
restringe a suas declarações de improviso. O comunicado oficial do Itamaraty
depois da reunião do Brics nesta semana faz menção apenas protocolar à guerra na
Ucrânia, enquanto dedica cinco extensos itens ao conflito entre israelenses
e palestinos. Ainda que a Rússia faça parte do Brics e decerto tenha influência
nos debates, o Brasil não tem a menor necessidade de aliviar os termos de sua
condenação à guerra para fazer agrados a Putin. O contraste das atitudes do
Itamaraty diante de Gaza e da Ucrânia revela o grau de desconexão da diplomacia
brasileira com os valores e interesses do país.
É lamentável, pois o Itamaraty sempre separou
a ideologia do governo do interesse nacional. Até na ditadura militar, o
presidente Ernesto Geisel, um general conservador, foi convencido de que o
colonialismo português chegava ao fim na África e reconheceu o governo de
esquerda de Angola, reforçado por tropas cubanas com apoio da União Soviética.
Mas Lula infelizmente não consegue evitar que a ideologia interfira em sua
política externa.
Menos partidos
Folha de S. Paulo
Fusão entre PSDB e Podemos e federação com
União Brasil e PP fazem parte da redução, ainda lenta, do excesso de siglas
Na maioria dos países democráticos que adotam
cláusulas de desempenho, os partidos que não alcançam o patamar mínimo de
votação exigido, tipicamente entre 3% e 5%, não têm acesso ao Parlamento. A
política brasileira, porém, com sua propensão à autocomplacência, optou por um
regramento bem mais frágil.
Para começar, a votação mínima foi
introduzida por meio de um processo paulatino, que só deve ser concluído em
2030, quando a cota atingirá 3%. Ademais, a legenda incapaz de obter o
desempenho estabelecido não perde acesso ao Legislativo, mas a regalias do
funcionamento parlamentar, como integrar o colégio de líderes, e às fatias mais
gordas do financiamento público.
Por fim, a norma brasileira ainda lança
algumas boias de salvação aos partidos ameaçados, como a formação de federação
—um arranjo pelo qual duas ou mais siglas se juntam pelo prazo fixo de quatro
anos.
Mesmo assim, aos poucos tais mudanças,
aliadas à proibição de coligações em eleições proporcionais,
têm conseguido reduzir a fragmentação de legendas no Congresso
Nacional, o que em tese facilita a formação de coalizões de governo
estáveis —objetivo final das cláusulas de desempenho.
Recentemente, observam-se dois movimentos
interessantes. O PSDB, que até 2018
era um dos mais importantes partidos do país, encabeçando disputas
presidenciais por duas décadas, deu passo importante para fundir-se com o Podemos, por
uma questão de sobrevivência.
O
encolhimento da sigla se deu em tal magnitude e rapidez que ela corria
o risco de não passar pela cláusula. O símbolo do tucano talvez sobreviva, mas
o número 45 será extinto.
Já União Brasil e PP formalizaram
uma federação. A meta aqui não é sobreviver, e sim, por ganhos de escala,
ampliar poder. Juntos, os dois partidos constituem a principal força do
Legislativo, com 109 dos 513 deputados federais e 14 dos 81 senadores.
Se uma aliança resolve alguns problemas,
também cria outros. O fato de os caciques nacionais das legendas conseguirem
chegar a um entendimento não
significa que a concórdia se repetirá em nível regional. Por vezes,
inimigos figadais se veem abrigados no mesmo guarda-chuva partidário, de modo
que é seguro prever impasses e defecções.
Seja como for, é positivo constatar que o
novo regramento está, mesmo mais lentamente que o desejável, ajudando a
diminuir o
cipoal de siglas que atravanca a política brasileira.
É preciso, porém, destacar que trata-se de
apenas uma faceta das dificuldades do país nessa seara. Reduzir a fragmentação
não resolve a questão da inconsistência programática dos partidos.
Para dar só um exemplo, o manifesto que
marcou o lançamento da federação União Brasil-PP veio num tom
indisfarçavelmente oposicionista, mas a aliança tem quatro ministérios no
governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Fazendo a América encolher
Folha de S. Paulo
PIB dos EUA tem queda anualizada de 0,3%, com
impacto de importações aceleradas por empresas antes do tarifaço de Trump
O encolhimento da economia americana
no primeiro trimestre do ano, divulgado nesta quarta-feira (30), teve a
influência de fatores circunstanciais, que não necessariamente indicam uma
tendência. Ainda assim, não deixa de ser uma amostra, talvez pequena, dos danos
potenciais das políticas caóticas de Donald Trump.
Em termos anualizados (calculando a projeção
para um ano se a taxa ficasse constante no período, como se costuma fazer
nos Estados
Unidos), o
Produto Interno Bruto caiu 0,3% de janeiro a março —Trump está na Casa
Branca desde 20 de janeiro.
Trata-se do pior desempenho econômico desde o
início de 2022, quando os EUA e o mundo ainda se recuperavam do impacto da
pandemia de Covid-19, e de uma guinada brusca em relação ao quarto trimestre do
ano passado, quando se mediu um ainda bom crescimento de 2,4%.
O número foi pior do que se esperava, como o
demonstra a forte queda imediata de índices da Bolsa de Valores de Nova York. O
mercado acionário também amarga desvalorização no ano, algo particularmente
grave numa sociedade que nele aplica grande parte de seu patrimônio.
O recuo do PIB teve
impulso de um anômalo aumento de importações por parte de empresas dos EUA, que
se anteciparam à elevação de tarifas anunciada —e levado a cabo em abril,
apesar de recuos em várias frentes— por Trump. Assim, perderam força a demanda
e a produção internas.
Tal fenômeno foi reforçado por redução dos
gastos do governo e menor ímpeto do consumo das famílias, ao que parece mais
cautelosas diante das incertezas que cercam a guerra
comercial declarada pelo republicano.
Num quadro tão conturbado, não se pode
afirmar que o revés trimestral seja o início de uma temida recessão. Mas os
efeitos negativos da turbulência já instalada parecem incontornáveis. O Fundo
Monetário Internacional reduziu a projeção de expansão da economia americana de
2,7% para 1,8% em 2025.
Ao seu estilo populista e fanfarrão, Trump
logo correu a culpar o antecessor democrata Joe Biden pelos
fiascos do PIB e das Bolsas, prometendo que suas tarifas em breve atrairão um
número recorde de empresas ao país, que então viverá um "boom".
Entretanto é justamente em torno das tarifas inauditas —e seus impactos difíceis de prever sobre os preços, a produção e o emprego— que residem os piores temores quanto à atividade na maior potência econômica global, que historicamente se nutriu da abertura ao comércio.
Celebração da liberdade
O Estado de s. Paulo
A homenagem aos 150 anos deste jornal no
Congresso faz justiça à luta do ‘Estadão’ pelo aperfeiçoamento da democracia no
País, como ficou claro no debate sobre a liberdade de expressão
Como parte das celebrações de seu aniversário
de 150 anos, ocorrido em janeiro passado, este jornal teve a honra de ser
homenageado anteontem em sessão conjunta do Congresso. Mais do que uma
exposição da trajetória do Estadão, o evento foi uma celebração dos
valores democráticos e do papel do jornalismo independente e íntegro na
promoção de uma sociedade próspera, plural e justa.
É por esse motivo que, coerente com sua
longeva história de defesa da liberdade em suas múltiplas dimensões, o jornal
exerceu mais uma vez sua vocação de servir como referência incontornável no
debate público maduro, promovendo, no mesmo dia, em Brasília, uma importante
discussão sobre a natureza das atuais ameaças a essa mesma liberdade.
A relevância de tal debate é indiscutível,
sobretudo em tempos nos quais há enorme confusão conceitual sobre a liberdade –
confusão esta que é uma mistura de ignorância cívica e de malícia política. O
resultado é que o maior bem de um regime democrático, isto é, a liberdade de
expressar o pensamento e de difundir ideias, acaba instrumentalizado por forças
que, em nome de sua preservação, pretendem restringir seu alcance,
caracterizando como ilegítimo qualquer discurso que não esteja submetido à sua
visão de mundo particular.
Por esse motivo, foi singularmente relevante
a participação, como principal orador, do ministro Edson Fachin, que em poucos
meses assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Como se sabe, o
Supremo tem sido protagonista desse debate sobre a liberdade de expressão, nem
sempre por bons motivos. E por essa razão, para começar, aqui vale ressaltar o
espírito democrático do ministro Fachin, que aceitou participar do evento de um
jornal que é sabidamente crítico do Supremo, sobretudo quando alguns de seus
ministros pretendem regrar o discurso político para além do que prevê a
Constituição.
E Fachin foi preciso exatamente sobre essa
fronteira difusa entre a Justiça e a política: “Nós, juízes, também temos
deveres a cumprir. Devemos cada um e cada uma, em seus respectivos campos,
apresentar o respectivo comportamento como contraprova do discurso. Não vivemos
graças à Justiça, e sim pela Justiça. Ao Direito o que é do Direito, à política
o que é da política”.
Nesse sentido, o futuro presidente do STF
deixou claro que cabe ao Congresso regulamentar as plataformas que gerenciam as
redes sociais. E este jornal concorda: se houver alguma regulamentação, e essa
regulamentação é necessária em alguns aspectos, ela deve se dar dentro do
debate democrático do Congresso, e não a partir dos votos de ministros do
Supremo, que não foram eleitos para isso.
O evento, ademais, serviu como um inventário
dos desafios para a liberdade de expressão no mundo contemporâneo: a censura
estatal, as regulações excessivas e a vigilância; o constrangimento social por
grupos militantes e a cultura do cancelamento; o tribalismo ideológico e a
polarização política; as táticas de manipulação e desinformação; a concentração
de poder em plataformas digitais; os conflitos entre a liberdade de expressão e
outros direitos; a erosão da tolerância ao dissenso.
A afirmação da liberdade integral é uma luta
diária, e há riscos por todos os lados, desde aqueles que instrumentalizam a
liberdade de expressão para cometer crimes e urdir o fim da democracia, até
aqueles que, munidos de poder estatal, instrumentalizam o combate a esses
crimes contra a democracia para limitar opiniões muitas vezes desagradáveis ou
repulsivas.
Com 150 anos de experiência, este jornal sabe
que não há fórmulas prontas, mas há um método: a troca de ideias plural e
aberta. Se o caminho da construção da democracia se faz ao caminhar, há
certamente um norte: a convicção inegociável de que a desinformação se combate
com mais informação, e não com menos, e de que os desafios das democracias
liberais são vencidos com mais liberdade, e não com menos.
Precisamos falar sobre corrupção
O Estado de S. Paulo
Casos como o do INSS, da prisão de Collor e
das emendas recolocam no noticiário um problema que nunca deixou de assombrar o
País e que demanda tratamento sério e eficaz, e não moralista
Malévola e irresistivelmente longeva na
história do Brasil, a corrupção andava um tanto fora do noticiário e do debate
público, até que emergiu com força graças a uma sucessão de malfeitos
coincidentes, incluindo a queda do ministro Juscelino Filho (Comunicações) após
denúncia da Procuradoria-Geral da República, a prisão do ex-presidente do Peru
Ollanta Humala e o asilo concedido à ex-primeira-dama Nadine Heredia, a prisão
do ex-presidente Fernando Collor e o ruidoso escândalo dos descontos em
aposentadorias e pensões do INSS. Não que a corrupção estivesse suspensa na
rotina de práticas antirrepublicanas que costumam alimentar os cupins do
dinheiro público, como atesta o nefasto assunto das emendas parlamentares sem
transparência, mas está claro que o País tem negligenciado o tema. Sobretudo
depois que os excessos cometidos pela Operação Lava Jato contribuíram, em
grande medida, para descredenciar a agenda e ainda permitir que réus confessos
passassem a posar de vítimas.
Precisamos falar sobre corrupção. Para tanto
não é preciso recorrer à História. Registre-se que a corrupção já era fonte de
preocupação no período em que éramos colônia portuguesa. Mem de Sá, o
governador-geral do País entre 1558 e 1572, por exemplo, foi acusado de
enriquecimento ilícito. No Rio de Janeiro, dizia-se que os mercadores de
escravos que saíam da África e seguiam para o Rio da Prata e precisavam fazer
escala no Rio para abastecer já sabiam que tinham de pagar propina ao
governador da capitania. Tampouco se deve recorrer a hipérboles de pouca
serventia, como a dúvida se o Brasil é o país mais corrupto do mundo, se os
governos lulopetistas foram os mais corruptos da história brasileira ou se a
atual legislatura é a mais imperfeita desde a redemocratização.
Também é contraproducente escolher entre o
moralismo udenista (nos anos 1950 e 1960, a UDN era o partido que denunciava a
corrupção com maior vigor) e a naturalidade com que a esquerda despreza o
assunto – principalmente depois que o PT passou a ser governo, no início dos
anos 2000. Como se sabe, o PT ascendeu denunciando tudo e todos, mas uma vez no
poder se revelou tão corrupto quanto aqueles grupos que vivia a denunciar.
Completados dez anos de poder, um documento levado a um conclave petista
definia o partido como vítima do presidencialismo de coalizão, “prisioneiro de
um sistema eleitoral que favorece a corrupção”. Agora, com a morte do
presidencialismo de coalizão e a vigência de um sistema político disfuncional,
não são poucos os morubixabas petistas que novamente apresentam a legenda como
vítima. Desta vez não do presidencialismo de coalizão, mas de sua crise.
Vítima, contudo, é o Brasil – moral, política
e economicamente. A corrupção ajuda a travar o pleno desenvolvimento econômico
e social do País. O uso de estatais e instituições públicas por mercadores da
política e da burocracia leva à locupletação de uns em prejuízo do dinheiro de
muitos. Quando governantes se aproveitam do Estado em benefício próprio ou de
seus apadrinhados se reforça um mal inquestionável: o desvirtuamento da gestão
pública em uma máquina de ineficiência. Mas não há só más notícias. O Brasil
avançou muito em matéria de fiscalização e controle. Os diques de contenção,
previstos pela Constituição de 1988 e depois dela, funcionam. É o caso da Lei
das Estatais, que instituiu regras mais rígidas contra o uso político das
empresas públicas, e da Lei de Acesso à Informação (LAI), a partir da qual
órgãos públicos passaram a ser obrigados a publicar dados e a responder a
pedidos de informação apresentados por cidadãos, por organizações da sociedade
civil e pela imprensa livre e independente. Também não faltam punições em nossa
história recente, apesar dos pesares.
Resta avançar, insista-se, na qualidade do
debate público sobre a corrupção. Em primeiro lugar, aceitando a ideia de que
se trata de uma mazela sem cor ideológica ou partidária. Segundo, reconhecendo
que, como um problema sistêmico, dispensa grandes escândalos para ser uma
preocupação nacional e exige maior rigor no controle, na fiscalização e na
punição devida aos malfeitos. Terceiro, e não menos importante, mostrando que a
reação enfática da sociedade e a consequente vigilância são a melhor arma contra
a corrupção, que avilta as instituições, a democracia e a autoestima do Brasil.
Trump é um fardo
O Estado de S. Paulo
Conservador identificado com o presidente
americano perde eleição que estava ganha
Feito inimaginável em questão de meses, o
Partido Liberal canadense conseguiu o improvável: assegurou vitória no
Parlamento do país e confirmou o ex-banqueiro Mark Carney como
primeiro-ministro.
O principal cabo eleitoral de Carney e dos
liberais foi o presidente dos EUA, Donald Trump, que pode contabilizar a
derrota dos conservadores nas eleições canadenses entre seus muitos feitos em
apenas cem dias de governo.
No início de janeiro, antes de Trump retornar
à Casa Branca, um desgastado Justin Trudeau renunciou ao posto de
primeiro-ministro canadense, que ocupou por quase uma década. Àquela altura, o
caminho para que o conservador Pierre Poilievre fosse eleito primeiro-ministro
parecia consolidado.
Preocupada com questões como inflação
elevada, crescimento econômico fraco, altos preços das moradias e baixas
perspectivas de emprego, a população canadense foi gradualmente se cansando da
agenda ambiental e pró-imigração de Trudeau.
O momento era todo dos conservadores, que
apareciam 20 pontos porcentuais à frente dos liberais nas pesquisas para as
eleições parlamentares, originalmente previstas para outubro, mas antecipadas
após a queda de Trudeau.
No meio do caminho, Trump retornou à Casa
Branca, taxou as importações do parceiro comercial Canadá em 25%, antes mesmo
de impor “tarifas recíprocas” ao mundo todo, e desrespeitou por diversas vezes
o país vizinho.
Na delirante visão de Trump, o Canadá é
próspero porque se aproveita dos EUA, razão pela qual o lógico, para o
republicano, seria o Canadá tornar-se o 51.º Estado norte-americano. Conhecido
pelas provocações desrespeitosas, Trump se referiu a Trudeau como “governador”
mais de uma vez.
Feridos em seu orgulho nacional, os
canadenses uniram-se em torno da defesa de sua soberania, passaram a boicotar
produtos norte-americanos e a evitar viagens aos EUA.
Poilievre, apelidado de “Trump canadense”
pela retórica inflamada contra imigrantes e pela defesa do corte de impostos,
passou a perder pontos nas pesquisas. Os liberais ganharam uma bandeira
eleitoral, capturada com habilidade por Carney, que se posicionou como líder
anti-Trump que jamais cederia a soberania canadense.
E, assim, uma eleição que originalmente
serviria como um veredicto do desgaste de Trudeau e dos liberais terminou como
negação do trumpismo.
Que o diga Poilievre, que na reta final das
eleições mandou Trump não se meter no pleito canadense. Não foi suficiente.
Associado demais ao republicano, Poilievre também perdeu sua cadeira no
Parlamento como representante de Carleton, distrito de Ontário, para o liberal
Bruce Fanjoy.
Apesar disso, os conservadores ampliaram o
número de cadeiras no Parlamento, enquanto os liberais, com 169 assentos,
ficaram aquém das 172 cadeiras que lhes garantiriam um governo majoritário.
Agora, Carney tem a missão de demonstrar que
realmente pode unificar o país, que já sofre os efeitos das tarifas trumpistas.
O eleitorado deu seu recado: é vigorosamente anti-Trump, mas segue preocupado
com o custo de vida elevado.
Os bons resultados do Enem
O Povo
O crescimento do número de estudantes de
escolas públicas cearenses que conseguem ingressar no ensino superior é
indicativo de que as boas práticas do Enem podem ser complementadas, aumentando
o seu alcance
O número de estudantes da rede pública de
ensino cearense aprovados em instituições de ensino superior públicas e
privadas foi considerado um "resultado histórico" pelo governo do
Ceará. No ano passado, 24.403 estudantes foram aprovados, via Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), com aumento percentual de 8,31%, em relação a 2023,
que contou 22.531 aprovações. Os dados foram divulgados pelo governador Elmano
de Freitas (PT) durante o lançamento do programa Enem: Chego Junto, Chego Bem,
edição de 2025.
Há mais destaques cearenses quanto ao Enem,
como dispor da rede pública com o maior número de estudantes com
notas acima de 950 pontos na redação — e com 100% dos concludentes do ensino
médio inscritos no exame, no ano passado. O Ceará colhe assim o resultado dos
investimentos na área educacional realizados por diferentes governos.
Outro recurso que incentiva os estudantes a
prestarem o exame nacional é o programa Enem: Chego Junto, Chego Bem,
coordenado pela Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), desenvolvido desde
2012.
O programa prepara estudantes da 3ª série do
ensino médio e do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA) para o
Enem. Com sete etapas bem definidas, que terminam com a inscrição do aluno na
prova, o objetivo é engajar as escolas e estudantes em várias atividades
durante todo o ano, incluindo aulões e provas simuladas, reunindo centenas de
estudantes a cada evento.
Ainda são oferecidas orientações sobre
documentação e pedidos de isenção de taxas, entre outras atividades, que
completam o trabalho do professor, motivando os estudantes a participarem
do Enem.
Segundo a titular da Seduc, Eliana
Estrela, quase 100% dos alunos da rede estadual já solicitaram a isenção na
taxa de inscrição do Enem 2025. Segundo a Seduc mais de 100 mil estudantes da
3ª série e EJA estão aptos a fazer o Exame 2025.
Esses dados mostram a importância do exame
nacional, que abriu uma porta a milhares de estudantes, em todo o Brasil, que
não teriam condições de arcar com os custos de um curso vestibular. Ou mesmo de
fazer provas em diversas universidades, em diferentes cidades, o que exigia
deslocamentos e custos, fora da realidade dos estudantes mais pobres, cuja
maioria está na rede pública de ensino.
Criado em 1998 para avaliar a qualidade do
ensino médio no País, a partir de 2004 a nota do Enem passou a valer para o
ingresso em universidades, passo fundamental para aumentar o ingresso de
estudantes de baixa renda nas universidades.
O crescimento do número de estudantes de escolas públicas cearenses que conseguem ingressar no ensino superior é um indicativo de que as boas práticas do Enem podem ser complementadas, aumentando o seu alcance.
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