terça-feira, 22 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


COINCIDÊNCIAS
Merval Pereira


NOVA YORK. Dois personagens históricos da cidade, envolvidos com crimes de natureza semelhante aos que estão em discussão hoje no Brasil, ressurgiram no noticiário nos últimos dias. A falecida milionária com merecida fama de má Leona Helmsley, proprietária de uma cadeia de hotéis e empreendimentos imobiliários, e o investidor Michael Milken, considerado um dos mais brilhantes financistas de todos os tempos. Leona, condenada a 16 anos, ficou apenas 18 meses presa em 1989 por sonegação de impostos, e retornou do mundo dos mortos devido à polêmica herança de U$12 milhões que deixou para seu cachorro, significativamente chamado "Problema". Os responsáveis pelo inventário conseguiram convencer um juiz que era dinheiro excessivo, e a soma foi reduzida para U$2 milhões.

Já Michael Milken reapareceu no noticiário por estar pedindo clemência ao presidente Bush, assim como já o fizera oito anos atrás, sem sucesso, ao ex -presidente Clinton. Milken, que inventou o mercado dos "junk bonds", revolucionando o mundo acionário com uma maneira nova de investir em empresas falidas, recuperá-las e colocá-las novamente no mercado com lucros altíssimos, foi condenado a dez anos de prisão por vários crimes, entre os quais fraude, sonegação de impostos e informação privilegiada.

Ele cumpriu apenas 22 meses e está solto desde 1993, mas proibido de atuar no mercado financeiro. Mesmo assim, permanece como um dos homens mais ricos do mundo, com uma fortuna de cerca de U$2 bilhões, e continua ganhando dinheiro como investidor, agora no setor de educação.

Os dois têm frases famosas no seu currículo. Leona Helmsley, segundo uma empregada testemunhou na época e ela nega, se gabava de não pagar impostos: "Só pobre paga imposto". Michael Milken gostava de repetir a expressão "Greed is good" ("Ganância é bom", na tradução literal), que virou símbolo de uma geração de yuppies do mercado financeiro para quem ele era um ídolo.

Milken foi literalmente perseguido durante anos por um jovem promotor de Nova York chamado Rudolph Giuliani, que começou aí sua fama de durão que o levou até a candidato a candidato à Presidência dos Estados Unidos.

Os dois conseguiram reduções drásticas de suas penas graças à contratação de grandes escritórios de advocacia, que acabaram derrubando uma série de acusações.

Tanto o crime de Leona Helmsley quanto os de Michael Milken são assemelhados a dois casos rumorosos levados a cabo pela Polícia Federal do Brasil, a acusação de sonegação de impostos contra a loja de superluxo paulista Daslu e o processo contra o banqueiro Daniel Dantas.

Pelo que ficamos sabendo pela reportagem do GLOBO de domingo, o caso da Daslu e diversos outros estão parados por problemas técnicos nos inquéritos, aproveitados pelos advogados para virtualmente neutralizá-los.

Já temos experiências anteriores de ações feitas com estardalhaço que acabam por não dar em nada por falhas gritantes nos inquéritos. Tudo indica que o caso de Daniel Dantas caminha nessa direção, se depender do inquérito do delegado Protógenes Queiroz, aquele que se intitula "representante do povo" e acredita "que a vitória está com as pessoas de bem que lutam por um país melhor".

Um delegado que tem o desplante de afirmar em seu inquérito que "a fim de evitar o mal maior", estará de prontidão para agir contra (...) "corsários saqueadores das riquezas do nosso país" e se jacta de que a "organização criminosa de Daniel Dantas" teme apenas a Polícia Federal, ou melhor "a execução dos trabalhos pelo autor da presente", não pode ser levado a sério.

É de torcer para que a força-tarefa que será montada para analisar os documentos apreendidos na operação inspirada em Gandhi tenha mais técnica e menos palavrório para conseguir montar um caso sólido, que resista às brechas da lei.

O outro "herói" dessa história, o juiz De Sanctis, também está convencido de que a sociedade depende de sua atuação. Ele se dispõe a resgatar "a auto-estima" de um povo "feliz, mas muito injustiçado". E persegue, vejam só, a "pureza, honestidade e o amor dos nossos nativos".

O juiz, na sua messiânica missão, não tem dúvidas em afirmar que "um grande êxito advirá e as pessoas poderão se orgulhar e reconhecer novamente neste país uma terra limpa e abençoada".

Seria risível, se não fosse trágico, inclusive porque a posição voluntarista e messiânica desses representantes do poder público só ganha vida em um ambiente político completamente corrompido como o em que vivemos há algum tempo no país.

Corrompido por disputas políticas, corrompido por interesses de negócios. Em todos os escalões, estão envolvidas pessoas ligadas ao poder central. Em ambiente assim, juiz tem partido, delegado faz parte de facções, políticos vendem prestígio.

Se é possível fazer-se ilações de interesses escusos na privatização da telefonia brasileira, onde teria começado o poder destruidor de Daniel Dantas, é muito mais clara a ligação entre interesses pessoais e o grande negócio da fusão de telefônicas ao qual Dantas atribui o desencadeamento da operação policial contra ele.

Na época em que a Telemar alavancou com R$5 milhões um projeto do filho do presidente Lula, já havia uma disputa interna de ministros com sala no Palácio do Planalto a favor e contra Dantas, que, aliás, tentou chegar primeiro para financiar o projeto do Lulinha.

Dois anos depois, o governo alterar toda a legislação existente; forçar a barra na direção da Anatel, nomeando um diretor para desempatar a decisão a favor da fusão; permitir que bancos oficiais como o Banco do Brasil e o BNDES emprestem grandes somas de dinheiro para uma operação que é ilegal até o momento - tudo para permitir que a Telemar compre a Brasil Telecom -, é coincidência demais.

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