Logo depois do III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no Rio, a francesa Marie-Pierre Poirier, representante do Unicef no Brasil, disse em entrevista que a sociedade brasileira precisa se espantar mais com esse tipo de crime, a exemplo dos países ricos e europeus, para que sua prática seja reduzida ou mesmo eliminada, entre outras providências, é claro, muitas das quais já bem encaminhadas. Mas como nossa sociedade vai se espantar mais se minha avó se casou com dez anos e ninguém chamou meu avô de pedófilo?
Essa questão cultural, machista, sem dúvida é um dos principais problemas a serem enfrentados para que avancemos na erradicação da exploração sexual de crianças e jovens brasileiros. De nada adianta agir como se casar com meninas não tenha sido prática comum em nosso passado recente, e ainda o seja em muitos rincões do país.
A pergunta que fica: estamos discutindo essas “tradições” e estabelecendo novos parâmetros culturais?
Pouco antes dos congressos, pois aconteceu simultaneamente um Congresso Brasileiro sobre o mesmo tema, a mídia divulgou a história profundamente triste de uma menina de nove anos que sofreu violência sexual, foi morta e teve seu corpo deixado como evidência trágica, abandonado numa mala em lugar de muita circulação, a rodoviária de uma grande cidade. Pobre criança, por quanto sofrimento não deve ter passado!
Mas é preciso entender, a despeito de toda a barbárie, que tanto na base da exploração como na da violência está a condição de seres humanos primitivos ou psicologicamente doentes. No que diga respeito ao primitivismo, é possível acreditar que uma política pública e cultural que, entre outros fatores, estabeleça a tolerância zero resolva a maior parte do problema. Já no aspecto psicológico, é óbvio que não temos como renunciar ao exame caso a caso, individualmente.
Como a sociedade reagiu diante da tragédia da menina? Logo de início, o lado policial suspeitou de um ex-condenado por crime semelhante, que acabara de conquistar a liberdade depois de cumprir longa pena. Em seguida, o lado legislativo tratou de endurecer o castigo para tais crimes, com aplausos gerais. Ora, se queremos realmente proteger nossas crianças e defender efetivamente seus direitos, por acaso conseguiremos isso com ações tão ligeiras, que na verdade servem apenas para nos livrarmos do problema?
A outra pergunta que fica: quantas pessoas estão presas por tais crimes no Brasil e que tipo de atendimento, psicológico ou cultural, recebem?
Prevenir é sempre melhor do que remediar, quando é possível remediar, e não estaremos sendo bondosos com criminosos que nos causam repulsa ao lhes dedicarmos atenção e cuidados, pois quem se beneficiará com isso são as nossas crianças e adolescentes, que ficarão mais protegidos de nós mesmos, que muitas vezes não nos reconhecemos na imagem refletida pelo espelho da vida.
ANDREI BASTOS é jornalista.
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