segunda-feira, 9 de março de 2009

Obama começou bem

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O novo Orçamento dos EUA prevê elevação de impostos para os ricos e reduz tributos para o resto da população

DESDE O outubro negro de 2008, todas as notícias econômicas são de uma crise que se espalha, mas as piores continuam a vir dos Estados Unidos. Não é surpreendente porque foi esse país que mergulhou mais fundo no neoliberalismo e na financeirização -as duas distorções mortais de um capitalismo que podia ser mais civilizado, um capitalismo que, nos 30 anos após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança desse mesmo país, havia demonstrado ser compatível com estabilidade, crescimento, desconcentração da renda. Talvez por isso na semana passada minha mulher, Vera, lendo mais uma má notícia, comentou: "É triste ver os Estados Unidos, um país que já contribuiu tanto para o progresso da humanidade, encontrar-se em situação tão difícil".

Não importa saber agora por que ocorreu essa reversão do destino, quais foram os erros cometidos, mas reconhecer quão importante são os Estados Unidos para a ciência, para a cultura e para a economia do mundo e torcer por seu povo. Mais especificamente, torcer por seu novo presidente. Creio que hoje esse é um sentimento universal que não decorre de eventual generosidade das pessoas, mas do fato de que um governo mais democrático, mais competente e mais bem-sucedido nos Estados Unidos beneficiará todo o mundo. Por isso, estamos acompanhando os passos de Barack Obama. E, por isso, eu me alegro ao verificar que ele está começando bem seu governo.

Sei bem que essa é uma avaliação subjetiva que pouco vale, mas já existem fatos concretos. O primeiro foi o grande pacote fiscal de US$ 780 bilhões que ele já logrou aprovar no Congresso.

Dessa forma, reconheceu sem hesitar que neste momento o estímulo fiscal é a prioridade. É verdade que os republicanos lograram prejudicar a política ao substituir o aumento de gastos direcionados para um aumento das isenções de impostos que beneficiam os ricos. Mas em compensação o presidente logrou incluir em seu pacote fiscal o perdão parcial das dívidas hipotecárias que deram origem à crise -uma medida que ataca a origem mais direta da crise.

A grande virada de política econômica deste início de governo, porém, foi a proposta de Orçamento. Depois de quase 30 anos de neoliberalismo, de reduzir sistematicamente os impostos dos ricos e de caminhar na direção de uma taxa única de Imposto de Renda, vimos agora uma guinada decisiva na direção oposta. Conforme informou David Leonhardt, do "New York Times", o novo Orçamento prevê forte elevação dos impostos sobre os ricos, para além do patamar para o qual Bill Clinton os elevara, enquanto reduz os tributos sobre o resto da população para menos do que estavam sob Clinton e George W. Bush. Propôs cerca de US$ 100 bilhões por ano de aumento dos impostos sobre os ricos -em sua maioria adiados até 2011, quando se presume que a recessão terá terminado- e US$ 50 bilhões por ano em cortes líquidos para os não-ricos. Além disso, o Orçamento é um caminho na direção de mudanças amplas na política de saúde, de educação e de proteção do ambiente. Dessa forma, Obama está sendo fiel a seus compromissos de campanha e dando esperança para o mundo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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