segunda-feira, 14 de junho de 2010

A recuperação americana em xeque:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A crise na zona do euro está lançando dúvidas sobre a recuperação econômica nos Estados Unidos. Como sempre acontece nestes momentos de instabilidade é preciso separar os verdadeiros receios das paranoias criadas por análises mais superficiais. Neste nosso encontro mensal vou tentar fazer esse difícil exercício.

Uma primeira observação se impõe: a crise no espaço comum europeu é muito séria e pode contaminar a economia mundial. Estamos diante do primeiro grande teste do arranjo político e econômico que foi construído ao longo de décadas. Problemas que vinham sendo deixados de lado pelo sucesso de duas décadas de funcionamento do Tratado de Maastrich afloraram no meio do desequilíbrio fiscal criado pelo que se convencionou chamar de crise do subprime.

O aumento expressivo dos gastos públicos para evitar uma grande depressão econômica levou a um crescimento explosivo do endividamento dos países da zona do euro. E os elos mais fracos - como Grécia e Portugal - romperam-se sob o peso de uma dívida pública vista como insustentável pelos investidores.

Foi então que se tornou claro que o arranjo regulatório existente não era suficiente para lidar com esse desequilíbrio. A crise de confiança que se instalou foi agravada pelo verdadeiro bate-cabeças ocorrido entre os principais líderes europeus. Quando - finalmente - se chegou a um arranjo de emergência, com a mobilização de cerca de US$ 1 trilhão, o pânico já estava instalado nos mercados financeiros.

Em um segundo momento, os investidores perceberam que são os bancos europeus os grandes detentores de títulos emitidos pelos países chamados de Piigs (sigla em inglês para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Com isso a crise ganhou também as cores de uma nova pressão sobre o sistema bancário europeu. As transações interbancárias voltaram ao estágio de dois anos atrás, com o chamado risco de contraparte inibindo o funcionamento normal dos bancos. Mesmo com a volta do Banco Central Europeu (BCE) como financiador de última instância das instituições vistas como frágeis, o sistema bancário perdeu grande parte de sua funcionalidade.

Sabemos que toda a recidiva - seja ela na saúde de uma pessoa ou da economia de um país - apresenta mais riscos do que a doença original. É o que está acontecendo na Europa e pode ocorrer nos Estados Unidos se a crise europeia não for estancada. Afinal, o endividamento público nos Estados Unidos também passou dos limites.

Quando a crise do subprime contaminou as economias no mundo todo, os governos usaram a receita básica deixada pelo grande Keynes. Os bancos centrais afrouxaram as condições monetárias e os governos realizaram uma expansão fiscal sem precedentes. Até recentemente ela funcionou com grande eficiência e o crescimento econômico voltou em praticamente todos o mundo.

Nos Estados Unidos, os números conhecidos apontam para uma expansão da ordem de 3,5% nesta primeira metade do ano. A massa salarial está crescendo a uma taxa superior a 4% ao ano, trazendo certo alento para a atividade econômica. Mesmo o segmento das pequenas e médias empresas, que vinha apresentando um comportamento pífio quando comparado ao das grandes corporações, vem dando sinais de vida novamente.

Mas essa recuperação ainda é muito tênue e, como reconheceu o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano) recentemente, abaixo das expectativas. Tomando como base as recessões anteriores, o PIB americano deveria estar crescendo a uma taxa duas vezes superior à verificada nesta primeira metade de 2010. O desemprego, de ainda quase 10% da população ativa, é outro sinal evidente dessa fragilidade.

Por isso a cautela com que os analistas estão olhando para a maior economia do mundo. Se os efeitos de um agravamento maior da crise europeia cruzarem o Atlântico e interromperem a recuperação nos Estados Unidos a economia mundial pode sofrer um novo baque. Para que isso não ocorra será necessário que a renda do trabalho continue a crescer nos próximos meses a uma taxa próxima à atual.

Na sua última aparição pública Ben Bernanke nos informa que o Fed estará atento à crise europeia e que tomará as medidas necessárias para preservar a recuperação da economia. Mas quais serão essas medidas se os juros estão próximos de zero e o déficit fiscal americano atual é de dois dígitos? Uma tentativa de repetir o pacote de estímulos fiscais de 2009 pode detonar uma crise de confiança também nos Estados Unidos.

Outra questão que precisa ser acompanhada é o possível aumento do protecionismo nos países mais atingidos por uma eventual retomada da recessão econômica. Um dos mecanismos de compensação nos países europeus que buscam uma redução do déficit público tem sido a desvalorização agressiva do euro. Com isso, países exportadores como a Alemanha, França e Itália podem contrabalançar os efeitos recessivos de gastos públicos menores.

Mas o outro lado da desvalorização do euro é a perda de competitividade das exportações americanas. Caso a recuperação americana seja ameaçada, como vai reagir Washington, principalmente com as disputadas eleições de novembro se aproximando?

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas-feiras.

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