DEU NO VALOR ECONÔMICO
Caio Junqueira, de Brasília
Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford desde 2005 e americano de Massachussets, o cientista político Timothy Power é observador da política nacional há mais de 20 anos, contesta o senso comum de que a política brasileira é desorganizada.
Caio Junqueira, de Brasília
Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford desde 2005 e americano de Massachussets, o cientista político Timothy Power é observador da política nacional há mais de 20 anos, contesta o senso comum de que a política brasileira é desorganizada.
Diz que os políticos aprenderam a conviver no presidencialismo de coalizão e a ela deram caráter de estabilidade. Defende apenas algumas mudanças pontuais. "As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais."
Power foi um dos organizadores das mesas de debates que, no fim de semana em Brasília, reuniu dezenas de acadêmicos brasileiros e estrangeiros no 10º Congresso Internacional da Brasa, sigla em inglês para Associação de Estudos Brasileiros.
Power aponta avanços institucionais no Brasil, em especial após a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real. É a partir daí que, segundo ele, o país passou a desfrutar da estabilidade política, consagrada no que classifica de "bloco" de dezesseis anos de governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: A política no Brasil é mais desordenada do que na média das democracias?
Timothy Power: Desde o Plano Real o Brasil apresentou um quadro de estabilidade política bastante avançado. Essa eleição será a quinta consecutiva travada basicamente entre PT e PSDB. Poucos países têm essa estabilidade. Dá para imaginar que o país é bipartidário. Agora, quem olha para as campanhas para o Legislativo sabe que não, que é muito fragmentado. Tem quase 20 partidos no Congresso. Então o observador estrangeiro precisa casar essas duas coisas e pensar que no pleito presidencial tem bastante disputa entre dois concorrentes, mas quando o vencedor chega ao poder, tem que costurar uma coalizão e lidar com essa fragmentação. O Brasil é um pouco esquizofrênico nesse sentido. A disputa presidencial é bastante estável mas a proporcional não é.
Valor: Nesse sentido, as eleições proporcionais se contrapõem às majoritárias?
Power: A eleição proporcional é bastante permissiva aqui. Praticamente não há restrição a pequenos partidos. É super democrático, mas ao mesmo tempo tempo cria problema na composição das coalizões. Acho que os últimos dois presidentes lidaram bem com essa fragmentação, foram capazes de construir coalizões para gerenciá-la. O que mostra que a qualidade de liderança no Brasil é um fator a considerar. Os últimos dois presidentes (FHC e Lula) foram estadistas muito respeitados não só no Brasil, mas mundialmente. Se tivesse no Brasil um presidente com menos habilidade política do que eles seria mais difícil essa gerência.
Valor: Há então um conflito de "Brasis" entre o virtual bipartidarismo na eleição majoritária e a fragmentação na eleição proporcional?
Power: O sistema é compreendido por todos os atores. As regras do jogo ficaram muito mais nítidas nos últimos quinze anos então os próximos presidentes talvez saibam como manejar esse presidencialismo de coalizão no Brasil. Os partidos entendem que têm que fazer coligações eleitorais, os candidatos a presidente entendem que vão ter que lidar com isso. Você vê que a Dilma aprendeu muito com essa lição do mensalão, em que o governo tinha bons interlocutores no Congresso para salvá-lo de uma crise maior. Por isso ela escolheu por representar o PMDB institucionalmente em sua chapa. Ela sabe da importância de entrar no poder com uma coalizão pré-fabricada. Então as expectativas dos vários jogadores da política já estão consolidadas porque o Brasil já são 25 anos de democracia. No período entre Sarney, Collor e Itamar, as regras do jogo não estavam tão claras. Depois do Real, FHC construir uma coalizão bastante estável e o Lula praticamente copiou o mesmo método de fazer uma coalizão superdimensionada para governar.
Valor: O PT deve sobreviver bem no pós-Lula, então?
Power: O legado lulista será canalizado para o PT. Isso vai ser convertido em força partidária, mais para o PT, mas também para todas as demais facções que tentam aderir ao legado lulista.
Valor: Fica um vacuo político sem ele?
Power: Ele não sairá de cena. Se a Dilma perder, ele vira o candidato natural de 2014. Se ela ganhar, fica mais a dúvida, dependerá da situação dela em 2013, 2014. Mas em qualquer situação que ela entrar em dificuldades políticas, vai apelar para o legado de Lula ou mesmo pedir para ele ser seu interlocutor em determinadas situações.
Valor: Serra pode se sair bem no pós-Lula?
Power: É dificil ele articular um discurso na campanha. Se afirmar que vai manter as principais políticas de Lula, é um discurso de derrotado, porque não mostra diferença. Se mostra alguma diferença, cai muito nas pesquisas porque a população aprova o governo e quer continuidade. Ser um candidato da oposição em 2010 não é fácil. Isso explica as generalidades que se encontram no programa dele. É difícil identificar uma grande proposta que possa se associar a ele. Serra tem um discurso de querer melhorar a eficiência do Estado mas sem mudar a natureza do Estado.
Valor: As pessoas temem um governo de oposição?
Power: Hoje o cenário é muito favoravel à continuidade. Mas as pessoas podem imaginar que o governo Serra será de confronto, mas a agenda de Serra não seria nem perto a de FHC. Não vai ter onda de privatizações. Isso já foi encerrado. As grandes reformas econômicas de FHC lhe custaram um capital político. O Serra não tem nada de drástico no plano de governo dele. Ele não irá provocar isso.
Valor: As duas candidaturas falam de reforma política. O sr. a considera necessária?
Power: O que precisaria corrigir no Brasil é a questão da representação política, que pouco avançou desde a redemocratização. Poucos eleitores conseguem identificar a ideologia dos partidos. Muitos não lembram o nome de quem votaram. Tem ainda muita migração partidária. A governabilidade está funcionando, mas a representação política, não.
Valor: Os problemas de formação e funcionamento do nosso Congresso são maiores do que o de outros países?
Power: Aqui no Brasil as pessoas sonham com disciplina partidária. Acham que seria uma solução para tudo. Mas para um presidente eleito sem maioria, a disciplina partidária seria uma camisa de força, não poderia governar. Então de certa forma a falta dela faz com que os presidentes possam navegar e aprovar suas leis. Nos Estados Unidos a disciplina está aumentando, só que o presidente, perdendo a maioria, não aprova nada. Em política a gente sempre acha que a grama do vizinho é melhor que a nossa. Tem muito americano que sonha com a representação proporcional. Na Inglaterra está pela primeira vez vivendo em um governo de coalizão desde 1945. Não tem um político vivo na Inglaterra que tenha experiência com coalizões. E os dois líderes dos principais partidos têm 41 e 43 anos respectivamente.
Valor: Então uma grande reforma política talvez não seja tão necessária?
Power: As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais.
Power foi um dos organizadores das mesas de debates que, no fim de semana em Brasília, reuniu dezenas de acadêmicos brasileiros e estrangeiros no 10º Congresso Internacional da Brasa, sigla em inglês para Associação de Estudos Brasileiros.
Power aponta avanços institucionais no Brasil, em especial após a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real. É a partir daí que, segundo ele, o país passou a desfrutar da estabilidade política, consagrada no que classifica de "bloco" de dezesseis anos de governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor:
Valor: A política no Brasil é mais desordenada do que na média das democracias?
Timothy Power: Desde o Plano Real o Brasil apresentou um quadro de estabilidade política bastante avançado. Essa eleição será a quinta consecutiva travada basicamente entre PT e PSDB. Poucos países têm essa estabilidade. Dá para imaginar que o país é bipartidário. Agora, quem olha para as campanhas para o Legislativo sabe que não, que é muito fragmentado. Tem quase 20 partidos no Congresso. Então o observador estrangeiro precisa casar essas duas coisas e pensar que no pleito presidencial tem bastante disputa entre dois concorrentes, mas quando o vencedor chega ao poder, tem que costurar uma coalizão e lidar com essa fragmentação. O Brasil é um pouco esquizofrênico nesse sentido. A disputa presidencial é bastante estável mas a proporcional não é.
Valor: Nesse sentido, as eleições proporcionais se contrapõem às majoritárias?
Power: A eleição proporcional é bastante permissiva aqui. Praticamente não há restrição a pequenos partidos. É super democrático, mas ao mesmo tempo tempo cria problema na composição das coalizões. Acho que os últimos dois presidentes lidaram bem com essa fragmentação, foram capazes de construir coalizões para gerenciá-la. O que mostra que a qualidade de liderança no Brasil é um fator a considerar. Os últimos dois presidentes (FHC e Lula) foram estadistas muito respeitados não só no Brasil, mas mundialmente. Se tivesse no Brasil um presidente com menos habilidade política do que eles seria mais difícil essa gerência.
Valor: Há então um conflito de "Brasis" entre o virtual bipartidarismo na eleição majoritária e a fragmentação na eleição proporcional?
Power: O sistema é compreendido por todos os atores. As regras do jogo ficaram muito mais nítidas nos últimos quinze anos então os próximos presidentes talvez saibam como manejar esse presidencialismo de coalizão no Brasil. Os partidos entendem que têm que fazer coligações eleitorais, os candidatos a presidente entendem que vão ter que lidar com isso. Você vê que a Dilma aprendeu muito com essa lição do mensalão, em que o governo tinha bons interlocutores no Congresso para salvá-lo de uma crise maior. Por isso ela escolheu por representar o PMDB institucionalmente em sua chapa. Ela sabe da importância de entrar no poder com uma coalizão pré-fabricada. Então as expectativas dos vários jogadores da política já estão consolidadas porque o Brasil já são 25 anos de democracia. No período entre Sarney, Collor e Itamar, as regras do jogo não estavam tão claras. Depois do Real, FHC construir uma coalizão bastante estável e o Lula praticamente copiou o mesmo método de fazer uma coalizão superdimensionada para governar.
Valor: O PT deve sobreviver bem no pós-Lula, então?
Power: O legado lulista será canalizado para o PT. Isso vai ser convertido em força partidária, mais para o PT, mas também para todas as demais facções que tentam aderir ao legado lulista.
Valor: Fica um vacuo político sem ele?
Power: Ele não sairá de cena. Se a Dilma perder, ele vira o candidato natural de 2014. Se ela ganhar, fica mais a dúvida, dependerá da situação dela em 2013, 2014. Mas em qualquer situação que ela entrar em dificuldades políticas, vai apelar para o legado de Lula ou mesmo pedir para ele ser seu interlocutor em determinadas situações.
Valor: Serra pode se sair bem no pós-Lula?
Power: É dificil ele articular um discurso na campanha. Se afirmar que vai manter as principais políticas de Lula, é um discurso de derrotado, porque não mostra diferença. Se mostra alguma diferença, cai muito nas pesquisas porque a população aprova o governo e quer continuidade. Ser um candidato da oposição em 2010 não é fácil. Isso explica as generalidades que se encontram no programa dele. É difícil identificar uma grande proposta que possa se associar a ele. Serra tem um discurso de querer melhorar a eficiência do Estado mas sem mudar a natureza do Estado.
Valor: As pessoas temem um governo de oposição?
Power: Hoje o cenário é muito favoravel à continuidade. Mas as pessoas podem imaginar que o governo Serra será de confronto, mas a agenda de Serra não seria nem perto a de FHC. Não vai ter onda de privatizações. Isso já foi encerrado. As grandes reformas econômicas de FHC lhe custaram um capital político. O Serra não tem nada de drástico no plano de governo dele. Ele não irá provocar isso.
Valor: As duas candidaturas falam de reforma política. O sr. a considera necessária?
Power: O que precisaria corrigir no Brasil é a questão da representação política, que pouco avançou desde a redemocratização. Poucos eleitores conseguem identificar a ideologia dos partidos. Muitos não lembram o nome de quem votaram. Tem ainda muita migração partidária. A governabilidade está funcionando, mas a representação política, não.
Valor: Os problemas de formação e funcionamento do nosso Congresso são maiores do que o de outros países?
Power: Aqui no Brasil as pessoas sonham com disciplina partidária. Acham que seria uma solução para tudo. Mas para um presidente eleito sem maioria, a disciplina partidária seria uma camisa de força, não poderia governar. Então de certa forma a falta dela faz com que os presidentes possam navegar e aprovar suas leis. Nos Estados Unidos a disciplina está aumentando, só que o presidente, perdendo a maioria, não aprova nada. Em política a gente sempre acha que a grama do vizinho é melhor que a nossa. Tem muito americano que sonha com a representação proporcional. Na Inglaterra está pela primeira vez vivendo em um governo de coalizão desde 1945. Não tem um político vivo na Inglaterra que tenha experiência com coalizões. E os dois líderes dos principais partidos têm 41 e 43 anos respectivamente.
Valor: Então uma grande reforma política talvez não seja tão necessária?
Power: As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais.
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