domingo, 3 de outubro de 2010

Quem vai administrar o Brasil real?

DEU EM O GLOBO

Cerca de 135 milhões de brasileiros vão hoje ás urnas para escolher o sucessor do presidente mais bem avaliado da história do país. Mas, longe do marketing oficial, restará ao novo presidente (Dilma Rousseff, José Serra ou Marina Silva) encaminhar soluções para uma série de problemas em áreas nas quais o governo Lula tem pouco a exibir. No maior gargalho do Brasil, a educação - tema que quase não foi debatidona campanha -, as estatísticas mostram um quadro desalentador: 29,3 milhões de brasileiros (20,3% do total) são analfabetos funcionais. Só 25% dos brasileiros dominam a leitura e a matemática. Na outra tragédia brasileira, o saneamento, definida por Fernando Gabeira como o "fracasso da minha geração", os últimos oito anos foram de estagnação: 56% das residências convivem com esgoto sem tratamento. E na infraestrutura, como sabem usuários de aeroportos, estradas, ferrovias e portos, o país andou para trás. O desafio de mudar esse quadro será agora do sucessor, ou sucessora, do presidente Lula.

Os nós que terão de ser desatados para o país se desenvolver de fato

Pelo menos 75% dos brasileiros não dominam a leitura, a escrita e a matemática; e Brasil sofre com falta de mão de obra qualificada

Regina Alvarez e Vivian Oswald


BRASÍLIA. Para pôr o Brasil num novo patamar de desenvolvimento econômico e social, o presidente eleito terá que desatar os nós que ainda emperram o crescimento sustentado do país. Investir fortemente em educação, saúde e segurança, aprovar reformas essenciais no Congresso e resolver os gargalos na infraestrutura. Os problemas na área social, na economia e na política aparecem em estatísticas e análises de especialistas.

Alguns foram abordados na campanha eleitoral, mas de forma superficial. No governo, o próximo presidente terá que arregaçar as mangas e usar o capital político tirado das urnas, se quiser, de fato, colocar o país definitivamente nos trilhos do desenvolvimento.

Em 2009, segundo o IBGE, 29,3 milhões de brasileiros, ou 20,3% da população, eram analfabetos funcionais . E s s a s pessoas sabem escrever o próprio nome, mas não conseguem compreender o que leem.

Só 25% dos brasileiros dominam a escrita, a leitura e a matemática para se expressar e entender o que está à sua volta no contexto econômico e tecnológico atual. O dado, do Indicador de Analfabet i s m o F u n c i o n a l 2009, produzido pelo Instituto Paulo Montenegro, é esclarecedor para entender os graves problemas de falta de mão de obra qualificada que o país terá de superar na busca pelo crescimento sustentado.

No topo da lista de reclamações da indústria brasileira, a falta de mão de obra qualificada é apontada pelo governo como o principal desafio a ser enfrentado para atender às demandas crescentes da economia.

Ainda de acordo com o IBGE, apenas 37,9% dos jovens, com idade entre 18 e 24 anos, tinham 11 de estudo, em 2009, o que torna difícil o cumprimento da exigência constitucional de ampliação do ensino obrigatório, de nove para 14 anos, a partir de 2016.

— Está claro que o problema da educação no Brasil, principalmente o analfabetismo, tem endereço e confirma a exclusão histórica brasileira. Para levar o país ao mesmo nível de países como Chile e Argentina, é preciso resolver o gargalo do analfabetismo e ampliar o ensino superior.

Na velocidade em que vamos, vai levar muito tempo — afirma o diretor de estudos sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão.

Analfabetismo é face da exclusão

Ele lembra que existem 50 milhões de vagas no ensino médio, o que não é trivial, mas considera ser preciso ampliar a educação básica e melhorar sua qualidade.

O problema mais grave, na visão de Abraão, é o analfabetismo entre adultos: — Significa que determinada faixa etária não teve acesso aos bancos escolares no momento adequado. Isso deveria ser tratado como uma preocupação nacional pelos três níveis de governo.

Outro desafio a ser enfrentado de imediato, na visão do cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília, é uma reforma administrativa para melhorar os sistemas de governança na educação e em outras áreas básicas, como a saúde.

— Há graves problemas de governança na educação, com uma prestação de serviços muito assimétrica por parte da União, estados e municípios — destaca Barreto.

Os gargalos emperram o desenvolvimento social e econômico do país. Na economia, geram prejuízos para as empresas, que perdem clientela e competitividade com os problemas da infraestrutura.

Para o presidente eleito da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, o bom momento que o país vive, com a economia em expansão, mostra que temos condições de chegar lá, desde que os gargalos sejam resolvidos.

Ele destaca que os investimentos em infraestrutura são de médio e longo prazo, mas precisam ser planejados e iniciados sem demora para atender às demandas crescentes de um país em ritmo acelerado de crescimento.

— A infraestrutura é ineficiente, os aeroportos não permitem que se tenha confiabilidade para fazer negócios. Tem que planejar e começar agora, não dá para ficar esperando — afirma.

Para viabilizar o crescimento forte e sustentado da economia, Andrade põe a desoneração das exportações e dos investimentos e a redução do custo do capital entre os desafios que precisam ser enfrentados de imediato pelo novo governo.

Ele acredita também que haverá condições de aprovar as reformas tributária, trabalhista e da Previdência.

— O presidente eleito iniciará o governo com muita força. A força do voto dará a legitimidade para negociar reformas. É o momento adequado. Se não forem feitas, estaremos condenados a uma taxa de crescimento e investimentos muito aquém das necessidades do país.

O cientista político Leonardo Barreto inclui a reforma política entre os desafios que o presidente eleito enfrentará para que o país atinja um novo patamar de desenvolvimento.

Regra atual facilita corrupção

As regras atuais, que permitem a proliferação de partidos, o voto em legendas e o financiamento das campanhas sem transparência, abrem espaço para a corrupção e o desvio de recursos públicos, dificultando a cobrança mais efetiva da sociedade sobre os políticos.

Barreto não prevê mudança radical nas regras, mas considera viáveis alterações pontuais: — De uma maneira geral, os políticos gostam do modelo. O que incomoda é o custo do processo eleitoral.

O cientista político acredita que existe uma chance de aprovar um teto para os gastos de campanha, já que a maioria dos congressistas sente-se prejudicada com o modelo atual.

— Ninguém deve esperar um pacotão. Serão mudanças pontuais, específicas — prevê.

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