A grande crise financeira e a recessão de 2007/2009 estão promovendo uma profunda revisão no pensamento econômico. Derrubaram mitos como a ideia de mercado eficiente que se autorregula e que encontra sempre, e automaticamente, o seu equilíbrio. Trouxeram de volta a política fiscal anticíclica com toda força; e fizeram renascer velhos conceitos como a armadilha da liquidez de Keynes. Frente à gravidade da crise, os bancos centrais foram obrigados a adotar medidas de política monetária consideradas não convencionais e que estavam no index da ortodoxia. Tiveram também que mudar os seus estatutos ou passar por cima da própria legislação para salvar o sistema financeiro. Nesse processo, a política de metas de inflação está sendo revista e deve ser aprimorada para enfrentar os novos tempos pós-crise.
De fato, o próprio Banco Central (BC) deixou de lado a rigidez da ortodoxia convencional prevalescente e adotou em dezembro último medidas para restringir o crédito como a mudança nos depósitos compulsórios e elevação anticíclica nos requerimentos de capital. Essas medidas, que no passado foram amplamente utilizadas, haviam se tornado heresias para a nova ortodoxia que só admitia o controle da taxa de juros como único instrumento de política monetária. Mas há sinais titubeantes de que o Banco Central poderá aprimorar a nossa política monetária.
Diante da crise financeira, a inflação deixou de ser também o único objetivo dos bancos centrais, mesmo os mais conservadores quebraram os seus tabus. Para evitar o total colapso do sistema financeiro, os bancos centrais tiveram que atuar como "compradores de ativos financeiros em última instância". E, ante a grande recessão e elevação de desemprego, desencadeou-se uma "guerra cambial", tornando a taxa de câmbio o centro das atenções dos bancos centrais de todo o mundo. Para comprovar esse fato basta lembrar o acúmulo de reservas cambiais pelos bancos centrais dos países emergentes diante das políticas monetárias não convencionais do Fed ("quantitative easing", concessão de créditos ao setor não bancário e monetização da dívida pública) inundando o mundo com dólar barato, o que vem provocando a sua depreciação. Nesse quadro, se um país quiser defender o nível de emprego doméstico terá, queira ou não, que estabelecer algum tipo de meta de taxa de câmbio e, para isto acionar novos instrumentos de política.
Diante desse quadro, é natural que o BC introduza inovações no combate à inflação e mude de atitude diante da questão cambial. Mais do que isso, é momento de repensar o nosso sistema de metas de inflação que apresenta diversos problemas bem como repensar as regras operacionais do banco central para aumentar a potência dos instrumentos de política.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que esse sistema foi criado num contexto desinflacionário, a partir do final da década de 80, quando assistíamos a dois processos da globalização. Primeiro, a agressiva política de exportação de produtos manufaturados da China, inundando o mercado com seus produtos com preços baixos. Segundo, a integração da China, Índia e dos países do leste europeu ao mercado global permitiu que empresas americanas e europeias deslocassem suas fábricas para aqueles países com oferta abundante de mão de obra, para reduzir o seu custo de produção e enfrentar a crescente competição. Nesse contexto desinflacionário os bancos centrais puderam se dar ao luxo de praticar uma política de um instrumento (taxa de juros de curto prazo) e uma única meta (a taxa de inflação), que, formalizado, constituiu-se no sistema de metas de inflação.
O contexto global a partir de 2004 começou a mudar; e, em 2007, tivemos a explosão dos preços das commodities, das matérias-primas e do petróleo mudando completamente o cenário global: de contexto desinflacionário passamos a inflacionário. Nesse quadro de pressão de custos e com ofertas rígidas no curto e médio prazos, o custo para combater a inflação elevará dramaticamente, pois para manter o inflação baixa terá que reprimir os demais preços das não commodities, gerando inúmeras distorções.
No caso brasileiro, a sobrevivência e a prática vêm promovendo mudanças como a utilização de novos instrumentos de política de crédito e a inclusão da taxa de câmbio entre as metas de um novo mix da política econômica. No entanto, algumas particularidades do nosso sistema de preços como a indexação de cerca de um terço dos preços que compõem os índices de preços ao consumidor e dos contratos, precisam ser extintas oportunamente.
As aberrações e verdadeiras "jabuticabas" do nosso sistema monetário também precisam ser extirpadas para deixarmos de ser campeões mundiais de taxa de juros elevadas, travando os investimentos e o crescimento econômico. As LFTs e ativos financeiros indexados à taxa diária de juros, heranças do período de hiperinflação, não condizem com uma economia que aspira estabilidade monetária, moeda com credibilidade e uma política monetária potente. Não faz sentido também, o Banco Central reter quase toda a poupança financeira nacional no mercado de moeda de curtíssimo prazo, ao pagar nas aplicações de overnight ou compromissadas à Selic, a mesma taxa que o Tesouro Nacional paga para os seus títulos, portanto taxa de juros de longo prazo que incorpora um prêmio de risco e de liquidez.
Por que pagar prêmios de liquidez em aplicações de overnight e com garantia de recompra, portanto operações em que o Banco Central garante liquidez, tornando a taxa básica de juros tão elevada? Será que a credibilidade do Banco Central é tão baixa que tem que pagar aos seus credores tão elevado prêmio de risco?
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP.
De fato, o próprio Banco Central (BC) deixou de lado a rigidez da ortodoxia convencional prevalescente e adotou em dezembro último medidas para restringir o crédito como a mudança nos depósitos compulsórios e elevação anticíclica nos requerimentos de capital. Essas medidas, que no passado foram amplamente utilizadas, haviam se tornado heresias para a nova ortodoxia que só admitia o controle da taxa de juros como único instrumento de política monetária. Mas há sinais titubeantes de que o Banco Central poderá aprimorar a nossa política monetária.
Diante da crise financeira, a inflação deixou de ser também o único objetivo dos bancos centrais, mesmo os mais conservadores quebraram os seus tabus. Para evitar o total colapso do sistema financeiro, os bancos centrais tiveram que atuar como "compradores de ativos financeiros em última instância". E, ante a grande recessão e elevação de desemprego, desencadeou-se uma "guerra cambial", tornando a taxa de câmbio o centro das atenções dos bancos centrais de todo o mundo. Para comprovar esse fato basta lembrar o acúmulo de reservas cambiais pelos bancos centrais dos países emergentes diante das políticas monetárias não convencionais do Fed ("quantitative easing", concessão de créditos ao setor não bancário e monetização da dívida pública) inundando o mundo com dólar barato, o que vem provocando a sua depreciação. Nesse quadro, se um país quiser defender o nível de emprego doméstico terá, queira ou não, que estabelecer algum tipo de meta de taxa de câmbio e, para isto acionar novos instrumentos de política.
Diante desse quadro, é natural que o BC introduza inovações no combate à inflação e mude de atitude diante da questão cambial. Mais do que isso, é momento de repensar o nosso sistema de metas de inflação que apresenta diversos problemas bem como repensar as regras operacionais do banco central para aumentar a potência dos instrumentos de política.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que esse sistema foi criado num contexto desinflacionário, a partir do final da década de 80, quando assistíamos a dois processos da globalização. Primeiro, a agressiva política de exportação de produtos manufaturados da China, inundando o mercado com seus produtos com preços baixos. Segundo, a integração da China, Índia e dos países do leste europeu ao mercado global permitiu que empresas americanas e europeias deslocassem suas fábricas para aqueles países com oferta abundante de mão de obra, para reduzir o seu custo de produção e enfrentar a crescente competição. Nesse contexto desinflacionário os bancos centrais puderam se dar ao luxo de praticar uma política de um instrumento (taxa de juros de curto prazo) e uma única meta (a taxa de inflação), que, formalizado, constituiu-se no sistema de metas de inflação.
O contexto global a partir de 2004 começou a mudar; e, em 2007, tivemos a explosão dos preços das commodities, das matérias-primas e do petróleo mudando completamente o cenário global: de contexto desinflacionário passamos a inflacionário. Nesse quadro de pressão de custos e com ofertas rígidas no curto e médio prazos, o custo para combater a inflação elevará dramaticamente, pois para manter o inflação baixa terá que reprimir os demais preços das não commodities, gerando inúmeras distorções.
No caso brasileiro, a sobrevivência e a prática vêm promovendo mudanças como a utilização de novos instrumentos de política de crédito e a inclusão da taxa de câmbio entre as metas de um novo mix da política econômica. No entanto, algumas particularidades do nosso sistema de preços como a indexação de cerca de um terço dos preços que compõem os índices de preços ao consumidor e dos contratos, precisam ser extintas oportunamente.
As aberrações e verdadeiras "jabuticabas" do nosso sistema monetário também precisam ser extirpadas para deixarmos de ser campeões mundiais de taxa de juros elevadas, travando os investimentos e o crescimento econômico. As LFTs e ativos financeiros indexados à taxa diária de juros, heranças do período de hiperinflação, não condizem com uma economia que aspira estabilidade monetária, moeda com credibilidade e uma política monetária potente. Não faz sentido também, o Banco Central reter quase toda a poupança financeira nacional no mercado de moeda de curtíssimo prazo, ao pagar nas aplicações de overnight ou compromissadas à Selic, a mesma taxa que o Tesouro Nacional paga para os seus títulos, portanto taxa de juros de longo prazo que incorpora um prêmio de risco e de liquidez.
Por que pagar prêmios de liquidez em aplicações de overnight e com garantia de recompra, portanto operações em que o Banco Central garante liquidez, tornando a taxa básica de juros tão elevada? Será que a credibilidade do Banco Central é tão baixa que tem que pagar aos seus credores tão elevado prêmio de risco?
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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