Furta-se menos em ONGs que em licitação de obras, mas associações agora ajudam a corroer o Estado
Gente adulta, com familiaridade com assuntos públicos brasileiros, acredita que existem meios de fiscalizar a quase quarentena de ministérios, suas centenas de ramificações burocráticas e estatais coligadas?
O que dizer de milhares de ONGs? Dado o dinheiro público recebido pelas ONGs, apenas parte dele desviado, parece até diversionismo se ocupar excessivamente do assunto.
De quanto dinheiro se trata? Um, dois, três bilhões por ano (no país inteiro)? Não se sabe, pois até mesmo a definição de ONG é incerta, e a diversidade dos contratos e convênios é tanta, entre outros problemas, que fica difícil medir a coisa. Ainda assim, é fácil ir ao Tribunal de Contas da União para ver que qualquer meia dúzia de obras públicas desviam recursos bastantes para reduzir os rolos nas ONGs malandras a roubo de galinhas.
Isto posto, ONGs se tornaram um caixa de tesourarias de campanhas, quando não de objeto furto puro e simples. Mais: se desconhece a eficácia da aplicação de dinheiro público por meio de tais associações. Aliás, não temos ideia da eficácia da aplicação de dinheiro federal quase algum, pois inexiste avaliação autônoma do gasto público.
Muito do que se chama vagamente hoje de ONG apareceu nos anos 1980 e se multiplicou nos 1990. Eram os "novos atores sociais", "movimentos sociais", mix de associações que organizavam reivindicações locais e de militância política, em especial nas áreas de saúde, educação e direitos humanos.
Cientistas sociais simpáticos a PT e PSDB viam nessas associações sinal de vitalidade democrática, novo modo de relacionamento entre Estado e sociedade. Gente mais séria nos governos petistas e tucanos paulistas (ao menos) e no governo FHC viam nas ONGs meio de atender reivindicações de gente sem voz política e de implementar de modo mais direto políticas públicas. Para tucanos em especial, ONGs (ou mais ou menos isso) seriam um meio de "desestatizar" sem "privatizar". Mais adiante, um modo de contornar as amarras burocráticas que emperram a ação do Estado.
A despolitização crescente e a rotina da democratização abriram espaço para, digamos, muito pragmatismo nos movimentos sociais. Daí para a transformação de ONGs e assemelhados em meio de vida não demorou muito. Começaram a estourar escândalos nos anos 2000. Em 2007 foi criada até uma CPI no Senado, derivada de vergonheiras em ONGs ligadas ao lulismo, CPI finada sem relatório votado, sem providência, sem nada, em 2010.
ONGs podem de fato insuflar ar puro na burocracia estatal, servir de instrumento democrático etc., mesmo que dependentes do Estado. Mas a multiplicação de convênios de modo a evitar a lentidão da máquina estatal é confissão de inépcia dos governos.
Como não são nem capazes de distribuir remédios, camisinhas ou material esportivo por meio de seus serviços básicos de saúde ou educação? Por que seria difícil contratar escolas, até privadas ou paraestatais (Sistema S) para treinar mão de obra, filé de muita e enorme ONG malandra?
Agora, é preciso uma limpa geral. Nem tanto pelo dinheiro, pois se furta muito mais alhures. Mas porque muita ONG se tornou modo de capilarização do apodrecimento criminal do Estado, com suas conexões parlamentares e ministeriais.
Fonte: Folha de S. Paulo
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