Mais uma vez o ex-ministro José Dirceu, condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha no processo do mensalão, estrebucha e tenta, a partir de uma declaração do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, vender para a opinião pública a ideia de que foi condenado sem provas e que é inocente. Típica manobra política, pois, no campo jurídico, seu comentário não tem a menor importância nem valor para embargos infringentes, que são os únicos recursos que ainda restam a seus advogados. Mesmo assim, só poderá fazê-lo quanto à condenação de formação de quadrilha, onde teve quatro votos absolutórios, mínimo exigido para recorrer. Quanto à corrupção ativa, foi condenado por 8 a 2.
Gurgel, em entrevista à "Folha", voltou a comentar as provas contra Dirceu, que um dia classificou de "torrenciais", e explicou que elas não são diretas. "Em nenhum momento nós apresentamos ele passando recibo sobre uma determinada quantia ou uma ordem escrita dele para que tal pagamento fosse feito ao partido "X" com a finalidade de angariar apoio ao governo. Nós apresentamos uma prova que evidenciava que ele estava, sim, no topo dessa organização criminosa."
Estava repetindo o que dissera no julgamento, quando apresentou José Dirceu como o homem que detinha o "controle final do fato", o poder de parar a ação ou autorizar sua concretização. Foram apresentadas testemunhas de que ele é quem realmente mandava no PT então, como relembrou Gurgel na entrevista de ontem: depoimentos de políticos que diziam que qualquer acordo feito com Delúbio Soares ou José Genoino só era válido depois que o comunicavam a Dirceu por telefone; a reunião em Lisboa entre a Portugal Telecom, Valério e um representante do PTB que foi organizada por ele; indícios claros da relação de Dirceu com os bancos Rural e BMG, desde encontros com a então presidente do Rural, Kátia Rabello, até o emprego dado à sua ex-mulher no BMG e empréstimo para compra de apartamento.
O então presidente do STF, Ayres Britto, já naquela ocasião rebatendo as críticas, teve o cuidado de explicitar com bastante clareza o método que estava sendo utilizado durante o julgamento: "(...) Prova direta, válida e obtida em juízo. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais, parlamentares e em processos administrativos abertos e concluídos em outros poderes públicos, como Instituto Nacional de Criminalística e o Banco Central da República".(...) "Provas circunstanciais indiretas, porém, conectadas com as provas diretas. Seja como for, provas que foram paulatinamente conectadas, operando o órgão do Ministério Público pelo mais rigoroso método de indução, que não é outro senão o itinerário mental que vai do particular para o geral. Ou do infragmentado para o fragmentado."
Quando Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses, o relator Joaquim Barbosa deixou claro que coube ao petista "selecionar os alvos da propina. Simultaneamente, realizou reuniões com os parlamentares corrompidos e enviou-os a Delúbio e Valério. Viabilizou reuniões com instituições financeiras que proporcionaram as vultosas quantias. Essas mesmas instituições beneficiaram sua ex-esposa."
Barbosa ressaltou que "o acusado era detentor de uma das mais importantes funções da República. Ele conspurcou a função e tomou decisões-chave para sucesso do empreendimento criminoso. A gravidade da prática delituosa foi elevadíssima". Para o relator, "o crime de corrupção ativa tem como consequência um efeito gravíssimo na democracia. Os motivos, porém, são graves. As provas revelam que o crime foi praticado porque o governo não tinha maioria na Câmara. Ele o fez pela compra de votos de presidentes de legendas de porte médio. São motivos que ferem os princípios republicanos".
Todos esses argumentos, na época do julgamento, foram registrados aqui na coluna, e não há nenhuma novidade na fala do procurador-geral que justifique uma retomada do assunto. Apenas mais uma tentativa de desqualificar o Supremo Tribunal Federal por parte de um réu condenado.
Fonte: O Globo
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