Alfredo Mergulhão, Marco Antônio Martins, Italo Nogueira – Folha de S. Paulo
RIO - A um mês da Olimpíada, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), subiu o tom contra o governo do Estado e afirmou à rede TV norte-americana CNN que a administração faz uma trabalho "horrível" na segurança.
Ele também comemorou o fato de o setor não ser responsabilidade apenas do governo do Estado durante os Jogos Olímpicos.
"Vai ter a Força Nacional de Segurança, o Exército, a Marinha. Todos estarão aqui. Acho que eles fazem um trabalho terrível na segurança, antes e depois dos Jogos. Ainda bem que não serão os responsáveis pela segurança durante os Jogos", afirmou.
É a segunda vez em três dias que o prefeito critica duramente o governo do Estado. No sábado (2), ele já havia criticado a Secretaria Estadual de Saúde. O titular da pasta, Luiz Antônio Teixeira, havia dito que o atendimento estará em risco durante o evento por falta de recursos.
Paes disse, então, que as autoridades estaduais deveriam "tomar vergonha na cara", "arregaçar as mangas" e parar com o "chororô".
O prefeito tem demonstrado irritação com o uso da Olimpíada por parte do Estado para justificar sua crise financeira. O evento foi citado nos três artigos do decreto de calamidade pública editada no mês passado.
Em seguida, ele convocou uma coletiva para afirmar que o município não entrou em crise por causa dos Jogos.
O objetivo de Paes é tentar preservar a prefeitura do não cumprimento de metas e compromissos estabelecidos para os Jogos.
Os principais problemas na organização do evento decorrem de falhas do governo do Estado, ao qual o prefeito é aliado desde 2009, quando assumiu o cargo.
O governo é comandado interinamente por Francisco Dornelles (PP) –o governador Luiz Fernando Pezão, também do PMDB, como Paes, está de licença para tratamento de saúde.
Além da própria imagem, Paes busca preservar seu pré-candidato à prefeitura, Pedro Paulo (PMDB), de eventuais falhas na organização.
"[A segurança] É o tema mais importante no Rio, e o Estado está fazendo um trabalho horrível. Eles estão falhando em cuidar da segurança", afirmou o prefeito no trecho da entrevista divulgada.
Na cúpula da Secretaria Estadual de Segurança, as declarações de Paes foram consideradas "irresponsáveis". A maior preocupação foi um possível estímulo a um grupo de policiais que vem se manifestando contra a situação precária do setor.
"São tão irresponsáveis as declarações que fomentam qualquer movimento grevista que são todos contra o Estado", disse um dos integrantes da cúpula do Rio.
Policiais civis fizeram na semana passada protesto no aeroporto internacional do Galeão mostrando uma faixa com os dizeres "Bem-vindo ao inferno" no desembarque.
A pasta divulgaria nota oficial no fim da tarde desta segunda, mas desistiu e não comentou as críticas de Paes.
Após a divulgação da entrevista, o Paes buscou reduzir a temperatura das declarações. Disse ter "confiança no secretário [de Segurança, José Mariano] Beltrame e no governador [Francisco] Dornelles". "Dificuldades todos temos. Não dá para ficar chorando as dificuldades."
Legado ambiental
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), defendeu nesta segunda-feira (4) o legado ambiental proporcionado pelos Jogos Olímpicos e disse que o setor recebeu investimentos em razão do evento.
Reportagem da Folha publicada no domingo (3) mostrou que as metas ambientais descritas no dossiê de candidatura, apresentado em 2009, quando o Rio foi escolhido como cidade-sede dos Jogos, não foram alcançadas.
"Dois compromissos importantes deixaram de ser feitos [despoluição da baía de Guanabara e da lagoa de Jacarepaguá]. Mas nós fechamos o aterro de Gramacho e fizemos 100% do saneamento da bacia do rio Marangá, para toda a região de Deodoro", disse Paes em visita às obras do BRT Transolímpica, que liga os parques olímpicos da Barra e de Deodoro.
O fechamento do aterro de Gramacho não constava do dossiê de candidatura. A despoluição da sub-bacia do rio Marangá contribui para a limpeza da baía de Guanabara.
Contudo, a meta de tratar 80% do esgoto lançado na baía não foi cumprida. Ela depende da inclusão no sistema de cerca de 60% dos moradores da região metropolitana do Rio que ainda não têm acesso a saneamento básico, uma responsabilidade do governo do Estado.
Em nota, Paes criticou o uso do dossiê de candidatura como forma de avaliar o cumprimento das metas.
"Esse livro de candidatura trazia os principais projetos do Rio para o evento. Tratava-se de um plano de candidatura. Sem projetos detalhados e com simples estimativa de custos e de projetos arquitetônicos e urbanísticos."
O documento apresentado em 2009 tinha 614 páginas com 13 seções, uma dedicada ao ambiente. Descrevia compromissos dos governos ao COI (Comitê Olímpico Internacional) e o legado que os Jogos deixariam à cidade.
Além da despoluição da baía de Guanabara e da lagoa de Jacarepaguá, o plano previa o plantio de 24 milhões de mudas para recuperação da mata atlântica e a melhoria da qualidade da água da lagoa Rodrigo de Freitas para uso dos banhistas. Nenhuma dessas metas foi atingida.
Paes cita ainda o Museu do Amanhã como o ecomuseu permanente para educação ambiental previsto no dossiê.
Para o prefeito, as cobranças devem se basear no Plano de Legados, que lista 24 projetos de infraestrutura que, segundo a Autoridade Pública Olímpica, não têm relação direta com os Jogos mas foram inspirados por ele.
A lista inclui a macrodrenagem da bacia de Jacarepaguá, que reduz as enchentes na região. Também beneficia a despoluição da lagoa de Jacarepaguá, contudo, sem cumprir a meta prevista no dossiê de recuperação do sistema de lagoas da região.
A Secretaria do Ambiente disse que restaurou 3.275 hectares de mata atlântica, o que representa 68,7% das emissões a serem compensadas.
Aliança entre prefeitura, estado e união era ativo da candidatura
A aliança entre os governos federal, estadual e municipal era um dos principais ativos para a conquista da Olimpíada deste ano. Ao COI (Comitê Olímpico Internacional), a união era uma espécie de lastro político para a realização do evento.
O ano da conquista da sede dos Jogos, em 2009, era a consolidação da aliança entre PMDB e PT no Rio. O prefeito Eduardo Paes acabara de vencer a eleição para a capital, eleita cidade-sede.
Nos bastidores, contudo, as divergências começaram desde o início da organização dos Jogos. Nos bastidores, Paes buscou desidratar a APO (Autoridade Pública Olímpica) a fim de aumentar seu protagonismo nos Jogos.
O órgão criado para monitorar de perto todas as obras para o evento passou a ter função acessória com o esvaziamento constante.
Paes assumiu a execução de diversas obras antes de responsabilidade da União, entre elas o Parque Olímpico da Barra. Em parte, porque notou que pouco se andava na solução sobre como gastar quase R$ 2 bilhões para erguer o espaço. Fez uma PPP (parceria pública privada).
O Complexo Esportivo de Deodoro também foi motivo de brigas. A União demorou quase quatro anos para transferir a responsabilidade para o Estado, que se queixou. Este, por sua vez, demorou mais um ano para repassa-la ao município. A licitação para a obra seria feita a dois anos dos Jogos, e o Centro de Hipismo é hoje uma das preocupações.
As queixas se davam basicamente nos bastidores. Ao assumir cada vez mais o protagonismo dos Jogos, Paes também passou a usar o evento para apresentar o que considera capacidade de planejamento. A maioria das arenas foi entregue no prazo, embora outras tenham preocupado muito o COI, como o Velódromo.
A medida que a Olimpíada se aproxima, Paes decidiu fazer críticas abertas ao Estado para se desvencilhar de metas não-cumpridas que não eram de sua responsabilidade. Entre elas, a segurança pública e a despoluição da baía de Guanabara.
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