- O Estado de S.Paulo
Democracias de verdade não precisam de um fundo para se financiar
A reforma política que uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou até agora pode ser chamada de qualquer coisa. Menos de reforma política. Ela é tão esquisita que, em alguns casos, não trata de questão eleitoral nem política. Por exemplo: quando resolve fixar em dez anos o tempo de mandato dos ministros dos tribunais superiores, foge da política e das eleições. Imiscui-se de forma indevida no funcionamento do Judiciário.
O que tem a ver o tempo em que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) exerce sua atividade de juiz na Corte suprema do País com as eleições de deputado, senador, prefeito, governador, vereador e presidente da República? Nada. Nadica de nada.
A Constituição nem trata o ministro do STF como um igual a deputado federal e a senador. Tanto é que só pode ser ministro do Supremo o brasileiro nato, exigência feita também para o presidente da República, o vice-presidente e os presidentes do Senado e da Câmara. Os outros 512 deputados e 80 senadores não necessitam ser brasileiros natos.
Ministro do STF não chega lá pela escolha do eleitor. Ele é indicado pelo presidente da República entre cidadãos brasileiros natos – e é bom repetir – acima de 35 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. Para chegar à Corte, ele tem de passar por uma sabatina no Senado (nada a ver com a Câmara e com os deputados). Se convencer o conjunto de senadores de que está preparado para exercer a magistratura no mais alto tribunal do País, assume o posto de ministro, com cargo vitalício. Só é obrigado a sair quando completar 75 anos.
Só é possível entender a tentativa de limitar o tempo de trabalho no STF a partir de uma reforma política como uma retaliação à decisão recente dos ministros que impede presidentes da Câmara e do Senado que se tornam réus na Corte de substituir o presidente da República nos casos de ausência deste. Ou mesmo às investigações das atividades suspeitas de deputados e senadores envolvidos com a Operação Lava Jato e assemelhadas.
A reforma política que a Câmara debate, e que não pode levar esse nome, decidiu criar também o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que não é outra coisa senão um fundo a ser abastecido com o dinheiro público para o financiamento das eleições. Algo em torno de R$ 3,6 bilhões para ser usado nas próximas eleições, visto que a doação de empresas está proibida.
Ora, democracias não precisam de um fundo para se financiar. Elas se sustentam por si, ao garantir o funcionamento das instituições, da economia, da política, dos direitos coletivos, das minorias e individuais, do livre exercício do pensamento e do ir e vir, e do direito à informação. Enfim, do funcionamento das instituições garantidoras do Estado Democrático de Direito, como o STF.
Tem ainda na proposta em debate na Câmara o Distritão, que passa a valer para as eleições de deputados federais, estaduais e vereadores. Numa forma simples de definir tal sistema, será eleito aquele que receber mais votos. Sempre foi defendido pelo presidente Michel Temer e, agora, também pelo PSDB, que vê na sua criação a possibilidade de abrir caminho para o parlamentarismo.
O Distritão carrega em si sérios problemas. Inibirá a renovação da Câmara, porque beneficiará rostos conhecidos que já frequentaram as campanhas políticas e também os que têm o controle dos partidos que dirigem e que agora lutam para preservar os mandatos.
Em nenhum momento os deputados pensaram em criar uma regra permanente para as eleições. De novo, como das vezes anteriores, correm para aprovar o que der, mesmo que seja transitório, mesmo que pareça ter por trás a retaliação a um dos poderes da República. Em resumo, um retrocesso.
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