segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Putin em tempo de Bolsonaro: a esquerda brasileira e os abismos de duas esquinas

O fato incontornável da semana, candidato a ter longa vida, é a agressão militar da Rússia contra a Ucrânia, ato cujas causas e consequências cabe a análises especializadas detectar e estimar e cujo alcance destrutivo, nos sentidos político e humanitário, nenhum agente que exerça ou aspire exercer autoridade política, em qualquer lugar do mundo, tem direito de ignorar ou relativizar. É um novo desafio que se apresenta aos democratas brasileiros, já às voltas com uma devastação promovida por um autocrata interno. Palavras e gestos escolhidos para uma situação podem repercutir sobre a outra.

É imperativo que analistas voltados à compreensão dos cenários anterior e posterior à agressão russa usem informação qualificada, multilateral, o mais isenta possível de vieses e produzam interpretações equilibradas, dotadas de senso de objetividade. Tão imperativo quanto isso é não faltar, por outro lado, em declarações de líderes, partidos e outros agentes da política, a capacidade de se colocar, com clareza e senso de urgência, em oposição a um gesto político-militar imediato e concreto que liquida, por decisão unilateral do governo de um país, instituições e vidas humanas que importam a todos, seja no sentido da solidariedade entre indivíduos e entre povos, seja no da autopreservação de cada pessoa, ou país. São igualmente problemáticas, numa hora dessas, a contaminação ideológica de quem se propõe a ocupar o lugar de analista e a ausência, no caso de agentes políticos, da disposição subjetiva de encarar a agressão militar sob a orientação primordial de valores.

Nenhuma posição política realista precisa ou deve ser cancelada em emergências assim. Ao contrário, nessas situações-limite elas são ainda mais requisitadas, porém, o que delas se requer, como uma de suas premissas, é que não confundam uma saudável recusa à ideologia com sua diluição num varejo destituído de causas, o que denota, não política realista, apenas uma política pequena. Daí que a condenação da agressão não comporta meias palavras da parte de quem tem responsabilidade política.

Fernando Gabeira: Aventura humana do vírus à guerra

O Globo

Quando a pandemia entra em declínio, sopram ventos de guerra. A Rússia invadiu a Ucrânia e rompeu com a esperança global de que as fronteiras não sejam definidas pela força militar, mas por negociações diplomáticas.

Em 2018, estive em Moscou. Era Copa do Mundo, o que não impediu que eu conversasse com alguns russos sobre outros temas. A Ucrânia, para quase todos com quem falei, era tida como um pedaço da Rússia, uma perda dolorosa.

Putin decidiu completar a tarefa que iniciou em fevereiro de 2014, anexando a Crimeia. É indiscutível sua força militar. No entanto nem sempre a força bruta triunfa, apesar da admiração dos chamados realistas. Funcionou na Crimeia, não funcionou no Afeganistão.

Rússia e China parecem unidas no momento. Cada vez mais, cresce sua importância diante de um Ocidente perplexo. Ambas têm uma visão específica sobre democracia, direitos humanos, liberdades individuais.

Miguel de Almeida: No cercadinho com o inimigo

O Globo

Vivemos o tempo dos homens ocos, como lá atrás decretou T.S. Eliot. Também o aguçamento das mentiras, na visão de Marcel Proust ao ler as falsas notícias de vitórias francesas na Primeira Guerra Mundial. Em fuga das armadilhas fáceis das generalizações, Thomas Mann discordava de quem colocava o nazismo em igual patamar do comunismo.

— O nazismo é apenas o niilismo diabólico — teria declarado em 1949, alertando ainda que não era comunista.

Os três escritores passaram por guerras — Proust apenas pela Primeira Guerra (morreu em 1922). Já morando em Londres, Eliot, que era americano, permaneceu como professor e, em seu posto bancário, sem muitos percalços ao longo dos dois conflitos mundiais, somente decepcionado com a maldade humana. Basta ler “A terra desolada” e escutar seu mergulho no desencanto.

Pablo Ortellado: O Telegram cedeu

O Globo

Após ultimato do ministro Alexandre de Moraes, plataforma finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira

Depois de muita especulação sobre o que fazer com o Telegram, o ministro Alexandre de Moraes deu um ultimato e a empresa finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira. Em sua decisão, o ministro determinou a suspensão do canal do ativista bolsonarista Allan dos Santos, sob pena de multa de R$ 100.000 diários e a suspensão do aplicativo de mensagens no país, inicialmente por 48 horas. O Telegram, que sistematicamente se negava a atender decisões judiciais, cedeu e bloqueou no Brasil os canais de dos Santos. A mudança de postura da empresa terá grandes repercussões para o processo eleitoral no Brasil.

Marcus André Melo*: Bilhões e eleições

Folha de S. Paulo

Existe financiamento de partidos e campanhas em outras democracias?

Sempre houve muito dinheiro nas nossas eleições, e elas estão entre as mais caras do mundo. "Os gastos partidários são astronômicos, as despesas dos candidatos, elevadíssimas", escreveu Hermes Lima, em 1955.

Hoje estão ainda maiores; e a fatura continua a ser socializada. Até 2015, através de doações de empresas (ex. sobrepreço de contratos públicos); agora através de fundos públicos bilionários. A mudança tem elementos positivos —diminuição da influência corporativa sobre as eleições— mas os valores envolvidos, não. Remédio e veneno variam apenas na dose.

Celso Rocha de Barros: Esquerda e direita diante da Ucrânia

Folha de S. Paulo

Bolsonaro gostaria de unir-se à Otan, como os ucranianos, e instaurar uma ditadura como a de Putin

No que se refere à invasão da Ucrânia por tropas russas, duas coisas devem ser óbvias para a esquerda latino-americana: em primeiro lugar, ninguém precisa nos explicar que os Estados Unidos também são capazes de agressões imperialistas. Em segundo lugar, ninguém aqui aceita a ideia de que potências nucleares têm o direito de invadir países vizinhos que tentam sair de suas áreas de influência.

A Ucrânia é um país soberano que deve ter suas fronteiras preservadas.

Qualquer outra posição dentro da esquerda está errada. Não, uma vitória russa não será um triunfo do anti-imperialismo; será uma vitória do imperialismo russo.

Mirtes Cordeiro*: A paz e a liberdade como escudos para fazer a guerra

Sobre a guerra deflagrada contra a Ucrânia em pleno século XXI, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, com sua grande sabedoria, fruto da experiência de vida, nos alerta a todos que querer resolver conflitos entre homens que habitam o mesmo espaço neste mundo, através da guerra, é indicativo de que ainda estamos na pré-história, apesar dos grandes avanços tecnológicos.

De 1945, quando acabou a Segunda Guerra Mundial, até a queda do Muro de Berlim (09.11.1989) – anunciando o fracasso da experiência do socialismo real instituído pela União Soviética (URSS), criada em 1922 por Lenin, então líder da Revolução Bolchevique -, a Europa ficou dividida entre o leste, que “pertencia” à União Soviética liderada pela Rússia, e o oeste, que “pertencia” aos países do ocidente participantes e vencedores da Segunda Guerra (EUA, Reino Unido e França).

O sentimento era de pertencimento mesmo, dados os níveis de obediência e restrições das quais se tinha notícia.

Ana Cristina Rosa: Com mulheres na cabeça

Folha de S. Paulo

voto feminino no Brasil completou 90 anos na semana passada. Desde que a professora Celina Guimarães se alistou para votar em Mossoró, em 1927, e Alzira Soriano, primeira mulher eleita para um cargo público no país, assumiu a Prefeitura de Lajes, em 1929, ambos municípios do Rio Grande do Norte, muita coisa mudou. Em que pesem os avanços legais, o cenário nacional segue desfavorável e a participação das mulheres na política ainda é irrisória considerando o perfil demográfico brasileiro.

Denis Lerrer Rosenfield*: O Estado de bem-estar social

O Estado de S. Paulo

É uma falácia considerar que o valor da liberdade é representado pela direita, enquanto o da igualdade o seria pela esquerda

A discussão política acerca da esquerda e da social-democracia no Brasil é frequentemente confundida com o debate sobre a noção de Estado de bem-estar social, como se este fosse fruto da esquerda. Note-se, a respeito, que a trajetória histórica de constituição desta forma de Estado foi liderada por vários partidos, adotando todos os valores da democracia e da igualdade. Na Itália, sucederam-se vários governos de orientação democrata-cristã, muitas vezes com apoio dos comunistas e socialistas. Na Alemanha foram governos também de orientação democrata-cristã, alternando-se no poder no transcurso de décadas com governos social-democratas. Nada de essencial mudava nesta alternância política, salvo em questões menores, nenhuma delas comprometendo as liberdades, a democracia, as medidas sociais e a economia de mercado. Na França, governos de orientação gaullista se alternaram com governos socialistas, sem que os pilares do Estado fossem comprometidos. Em nenhuma destas alternâncias em diferentes países adversários políticos foram tratados como inimigos a serem eliminados.

Luiz Carlos Azedo: Ocidente e Oriente estão em luta pela hegemonia na Ucrânia

Correio Braziliense, 27.2.2022

O Estado de bem-estar social, que fora fundamental para suplantar o chamado “socialismo real”, entrou em crise e a democracia tem dificuldades de acompanhar as mudanças de uma economia globalizada

Quando Alexander Hamilton exortou os norte-americanos a decidirem se “as sociedades humanas são mesmo capazes de constituir um bom governo, com base na reflexão e na escolha, ou se estão condenados para sempre a ter organizações políticas que são fruto do acidente e da força” (O Federalista, nº 1), em 1787, no debate que levou à consolidação a Constituição dos Estados Unidos, traçou o curso da linha divisória que separa o Ocidente democrático do resto do mundo. Os países que foram capazes de seguir esse caminho constituíram bons governos e foram adiante, ampliando consideravelmente a sua influência mundial; os que tomaram outro rumo, como a Alemanha nazista e, mais recentemente, a antiga União Soviética, amargaram o declínio, a disfunção e/ou o colapso.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Senado acerta ao tomar iniciativa de regular criptoativos

O Globo

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado fez bem ao aprovar na semana passada um projeto de lei sobre transações com criptomoedas. O projeto tem dois pontos- chave: 1) estabelece que as prestadoras de serviços de criptoativos só poderão operar no país após receber autorização do Banco Central (BC) ou de outro órgão indicado pelo Executivo; 2) altera o Código Penal para tipificar fraudes com serviços de ativos digitais. A expectativa é que os investidores se sintam mais protegidos e que aqueles até agora reticentes possam começar a aplicar nesses ativos com segurança.

O universo das criptomoedas nasceu descentralizado e avesso à regulamentação. Alimentado por um sonho libertário, atraiu um sem-número de golpistas e o crime organizado, interessado em novas formas de lavar o dinheiro obtido como produto de atividades ilegais.

Muitos investidores, inebriados pela promessa dos altos retornos, se tornam presas fáceis dos faraós de pirâmides financeiras sem a menor sustentação. Como os brasileiros podem testemunhar por experiência própria, os golpes podem ser virtuais, mas os prejuízos logo assumem a forma de reais no saldo bancário.

Poesia | Manuel Bandeira: Poema de uma quarta-feira de cinzas

Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…
o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,
Nublaba a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça...

Música | Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo: Banho de Cheiro

 

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Merval Pereira: Brasil em cima do muro

O Globo

A guerra da Ucrânia será “longa”, segundo o presidente da França, Emmanuel Macron, e o Brasil terá que tomar uma posição firme na medida que os países democráticos ocidentais vão assumindo cada vez mais a defesa da Ucrânia, enviando até mesmo armamentos.

Ao mesmo tempo em que assinou a declaração do Conselho de Segurança da ONU contrária à invasão russa, o Brasil se recusou a apoiar uma moção da OEA no mesmo sentido, seguindo países como Nicarágua e Cuba. A alegação técnica é que a Ucrânia não está nas Américas, o que é verdade, mas o apoio simbólico ao país invadido seria um gesto  que refletiria a posição brasileira com mais firmeza, deixando de lado a sensação de equilibrismo numa situação que não admite rodeios.

Putin já  afirmou que o fim da União Soviética foi a "desintegração da Rússia histórica". A escalada de Putin, na tentativa de conquistar toda a Ucrânia, reflete seu pensamento geopolítico. Ele já declarara anteriormente que o fim da União Soviética foi "o maior desastre geopolítico do século 20".  Segundo ele, 25 milhões de russos nos novos países independentes “de repente se sentiram desconectados da Rússia, uma grande tragédia humanitária".

Eliane Cantanhêde: Na paz e na guerra

O Estado de S. Paulo

A Rússia invade a Ucrânia, o mundo reage e Bolsonaro está em outro planeta

Enquanto a Bahia afundava em dor, lama e mortes, o presidente Jair Bolsonaro gastava R$ 900 mil para andar de jet ski no lindo mar azul de Santa Catarina. Enquanto o mundo afunda em ameaças e incertezas com a guerra na Ucrânia, Bolsonaro faz motociatas por aí. Para que serve um presidente? Para curtir a vida e fazer campanha?

Na definição do ex-chanceler Celso Amorim, a posição brasileira é “esquizofrênica”. Bolsonaro lava as mãos, como quem não tem nada a ver com isso, o vice Hamilton Mourão radicaliza, defendendo o “uso da força” contra a Rússia, e o Itamaraty faz contorcionismos em busca de racionalidade.

Rolf Kuntz: Bolsonaro, Orbán e Putin

O Estado de S. Paulo

Admirador de chefões autoritários, o presidente prefere passear de moto a falar sobre um ato de banditismo internacional

Dois chefões autoritários, um de direita, outro com carteirinha de comunista, foram visitados e afagados pelo presidente Jair Bolsonaro em sua última excursão fora do Brasil. O de direita, Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, foi saudado num discurso de inspiração fascista, com referência a valores comuns: Deus, pátria, família e liberdade. Ao outro, Vladimir Putin, presidente da Rússia, Bolsonaro se declarou solidário, apesar da conhecida ameaça de ataque à Ucrânia. A invasão, com forças de terra, mar e ar, ocorreu na semana seguinte.

Atacada a Ucrânia, Bolsonaro evitou comentar o assunto, enquanto o Itamaraty publicava uma nota vergonhosa, conclamando as partes a “negociações conducentes a uma solução diplomática da questão”. O agredido tem de negociar com o agressor? Os dois são culpados pela violência? Não houve espaço ou tinta para uma palavrinha de censura a um ato de banditismo? O vicepresidente Hamilton Mourão fez uma declaração séria, comparando o ataque russo ao expansionismo nazista, mas foi desautorizado. “Quem fala sobre o assunto é o presidente da República”, disse Bolsonaro, mas quem esperou sua fala perdeu tempo.

José Augusto Guilhon Albuquerque*: A candidatura de Bolsonaro tem jeito?

O Estado de S. Paulo

Pode ele reconhecer os erros, corrigir sua trajetória e se empenhar em entender as necessidades vitais do povo brasileiro?

A conduta do presidente assusta o Planalto e desafia seus opositores, pois parece haver consenso entre as elites dirigentes. Ou ele muda de atitude – para de provocar controvérsias irrelevantes, de se opor a pautas majoritárias na população, para de hesitar diante de decisões vitais para a parte mais vulnerável do eleitorado, e começa a governar seriamente – ou não chegará ao segundo turno.

Interpretar suas motivações parece ser urgente. Mas não se pode abrir a cabeça das pessoas e observar o que se passa lá dentro. Para entender o comportamento de um político, antes de especular sobre conversas de bastidores ou declarações de intenções, convém observar... o seu comportamento.

Muitos são os registros das condutas de Jair Bolsonaro como oficial do Exército e como parlamentar, e acompanhamos seu comportamento público durante três anos de mandato presidencial. As questões relevantes a observar nessas funções seriam: saber se seu comportamento segue um padrão ou é errático; em que consiste esse padrão, se houver; e qual é seu objetivo.

É preciso saber se existe continuidade de padrão entre essas funções ou em que consistiriam as eventuais mudanças de padrão e de objetivo. Resta, ainda, saber se é possível o presidente alterar sua conduta, tornando-a compatível com uma candidatura competitiva no segundo turno de 2022.

Ruy Castro: Contar votos ou canhões

Folha de S. Paulo

Canhões são uma metáfora, mas não muito longe da realidade. Quem vai sair da frente para o outro atirar?

A familiaridade com que discutimos se haverá ou não um golpe no Brasil, antes, durante ou depois das eleições, é quase inédita. Em 1964, deu-se um golpe sob o pretexto de que o outro lado —o governo— estava preparando o seu, embora, como se constatou, ele não tivesse nenhuma condição para isso. Os vitoriosos não precisaram disparar um tiro. Agora, não. A ameaça vem de quem não apenas detém o comando efetivo da força como está há anos atiçando e munindo uma força paralela para agir a seu favor.

Bruno Boghossian: Deu zebra

Folha de S. Paulo

Pressão de religiosos é insuficiente quando grupo se distancia dos interesses do centrão

Pastores fizeram uma operação para barrar a liberação de cassinos, bingos e jogo do bicho no país. O esforço não deu resultado: a proposta avançou na Câmara e contou até com o apoio de parlamentares que integram a bancada evangélica. Dos 180 deputados do grupo, só 83 votaram contra a legalização da jogatina.

O placar mostra que, embora barulhenta e numerosa, essa bancada enfrenta limitações de coordenação e mobilização. No papel, um de cada três deputados faz parte da frente parlamentar evangélica, mas são poucos os casos em que esses políticos agem unidos ou incluem a religião no cálculo de suas votações.

Integram formalmente a bancada evangélica desde o ex-ator pornô Alexandre Frota (PSDB) até o deputado Altineu Côrtes, líder do PL de Jair Bolsonaro. Os dois votaram a favor da liberação dos jogos. Também é signatário da frente parlamentar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), que comandou a aprovação do texto e disse que as críticas à proposta partiam de "grupos sectários".

Bernardo Mello Franco: A folia da jogatina

O Globo

O carnaval começou mais cedo para a turma da jogatina. Na madrugada de quinta, a Câmara aprovou um projeto que legaliza cassinos, bingos e caça-níqueis. A folia também incluiu o jogo do bicho, cujos chefes passaram a se aliar às milícias.

A operação foi pilotada por Arthur Lira. Ele desengavetou um texto apresentado há 31 anos e comandou sua aprovação em apenas três horas. O deputado defendeu a proposta com um argumento que poderia ser usado em favor da liberação das drogas: “Todos nós sabemos que isso existe. Mas tem que existir na clandestinidade?”.

Estudos da Polícia Federal, da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da República mostram que a questão não é tão simples. Bingos e cassinos são instrumentos poderosos para a lavagem de dinheiro do crime organizado. “Seria pueril imaginar que a legalização vai acabar com a corrupção”, alertou a PGR em 2016.

Vinicius Torres Freire: A Guerra de Putin e a política nos EUA

Folha de S. Paulo

Crise na Ucrânia altera debate sobre clima, energia importada e ameaça estrangeira

Joe Biden preocupa-se com quantas mulheres vai nomear para o Banco Central. Seu Partido Democrata se ocupa de quais pronomes pessoais usar com pessoas LGBTQ+ —ou não. Quer cortar a despesa militar e fazer uma transição para a "economia verde" que sujeita o país a caprichos de estrangeiros, de quem depende para ter energia bastante ou a preço razoável.

A direita tradicional americana cai assim de pau em Biden, acusado também de molenga com Vladimir Putin. Sim, a direita tradicional e letrada do Partido Republicano. Os trumpistas vão além. Elogiam Putin e querem deixar a Rússia para lá, pois o problema seria a China.

Percebe-se por que Jair Bolsonaro lambe as botas de Putin: porque pegou gosto lambendo a sola de Trump.

A direita tradicional e parte dos democratas querem que Biden arranque o couro de Putin até para mostrar à China que não está para brincadeira e que não vai tolerar nem sinal de ucranização de Taiwan. Querem também que o governo derrube restrições ambientais à produção de petróleo e gás, de modo a tornar os EUA independente e capaz de vender a energia de que seus aliados precisam, dane-se a transição verde. Enfim, diz que os americanos devem se preparar para uma nova Guerra Fria, o que implica ter ideias diferentes sobre autossuficiência econômica em itens estratégicos, alterar a política de alianças regionais (exigindo mais fidelidade) e mudar suas bases militares para perto das fronteiras inimigas, da Rússia em particular.

Janio de Freitas: Fabricantes de crises letais

Folha de S. Paulo

A culpa na ocupação na Ucrânia tem muitos donos

A preliminar de todas as turbulências em que se envolveram Estados Unidos e europeus, desde o fim da União Soviética, espera há três décadas a compreensão desses países para tentarem solucioná-la: o comunismo acabou como nação e como movimento, mas os Estados Unidos continuaram contra a Rússia o que era a guerra contra o comunismo. Por quê?

O tema não entra em consideração, por certo pelo temor da reação americana. Onde houve proximidade, entendimentos e interesses da Rússia, os Estados Unidos puseram sob acusações, pressão e riscos.

Assim foi sacrificada, reiteradamente, a oportunidade de convivência menos letal e mais inovadora entre as forças dominantes do mundo.

A Rússia extinguiu os saldos da experiência de convívio equânime de Gorbachev e mesmo de Ieltsin, e assumiu sua contraparte nas confrontações.

colaboração na aventura espacial foi a exceção da regra, mais por necessidades temporárias dos americanos que por associação de sinceridades promissoras.

Elio Gaspari: Putin já foi o motorista Vladimir

O Globo / Folha de S. Paulo

Outro dia, antes do início da guerra na Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”.

Diversas pessoas já tentaram mapear essa cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright. O presidente russo é frio como cobra.

Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.

Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”.

Míriam Leitão: Cenas do passado e desordem mundial

O Globo

O ultraje e a infâmia que o mundo tem visto, com tropas russas na Ucrânia, trouxeram a sensação de que o presente havia sido tragado pelo passado, para as cenas de horror como a dos tanques soviéticos ocupando Praga, em 1968, ou o tempo ainda mais primitivo das guerras medievais de conquistas de território. O que aconteceu tem efeitos concretos para o mundo e para o Brasil, na política e na economia. O péssimo governo brasileiro se refletiu no vexame de uma diplomacia que levou dois dias para acertar o tom.

No curto prazo, a crise criada pela Rússia piora muito a conjuntura, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros. A guerra vai elevar os custos de vários produtos. De fertilizantes a combustíveis, de trigo a alumínio. E se a Ucrânia não puder plantar a próxima safra, que se inicia ao fim do degelo? Se o país estiver desorganizado, pela guerra imerecida e indesejada, cairá a oferta de milho e trigo. A Rússia sob sanções também terá mais dificuldades de vender seu trigo. Bielorrússia, de onde partiram os ataques a Kiev, é fornecedora de fertilizante, como Rússia e Ucrânia. Não haverá boa safra sem os três países.

Dorrit Harazim: Guerra tem dono

O Globo

A História é como uma faca: você pode usá-la para cortar pão, mas também para matar. O falecido Fritz Stern, eminente estudioso da História da Alemanha, dizia o mesmo de analogias históricas — elas tanto podem jogar luz e clareza sobre um tema como gerar contendas envenenadas de insensatez. No caso da invasão da Ucrânia por uma Rússia imperiosa presidida pelo czar moderno Vladimir Putin, tem as duas coisas. Com mandato eleitoral para ficar no poder até 2036, quando fará 84 anos, Putin decidiu recuperar pelo menos algumas zonas de influência perdidas com a implosão da União Soviética. Ou, pelo menos, tentar inverter os últimos 30 anos de arrogância militar por parte dos Estados Unidos e dos países europeus reunidos na Otan.

Para tanto, recorreu a uma “guerra de escolha”, e não “de necessidade”, repetindo terminologia usada por Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations de Nova York. Ao contrário das “guerras de escolha”, que em geral terminam mal para quem as lança, Haass designa como “guerra de necessidade” o recurso à força para a proteção da sobrevivência ou dos interesses vitais de um país. Cita como exemplo a entrada dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Decididamente, não é o caso da Rússia de 2022. O rolo compressor com que Putin atropelou a soberania territorial do país vizinho deixou não só 45 milhões de ucranianos sem chão — seja em fuga, seja de coquetel molotov em mãos —, como estonteou o planeta.

Cacá Diegues: A guerra de cada um

O Globo

Nossa guerra interna, no Brasil, é sobretudo contra a morte de crianças, pobres e pretos

Confesso que não esperava ver nos jornais notícias de uma guerra como essa entre Rússia e Ucrânia. Concordo que é preciso acompanhá-la de perto, para tentar descobrir suas origens e a justiça delas. Para saber sobretudo como podemos ajudar o mundo a se livrar de episódios insensatos como esse.

Menos glamourosa que a invasão da Ucrânia pelo Exército russo, uma outra notícia falou das contas de bilionários em 2021. Pois, por essas novas contas, Mark Zuckerberg, o jovem proprietário da Meta, dona do Facebook, caiu para o 14º lugar no ranking dos ricos festejados pela revista Fortune. Mas Zuckerberg não precisa sofrer horríveis pesadelos por causa disso. Esse acidente em suas finanças não significa que periga ele ter que passar o chapéu na missa de domingo para ver se recupera um pouco o valor de seu cofre. Ele pode continuar a levar a vida que levou até agora, um pouco mais discretamente para não escandalizar ninguém, até recuperar a posição do Facebook e de seus irmãos digitais.

Cristovam Buarque*: Risco do antismo

Blog do Noblat / Metrópoles, 26.2.2022

Foi este antismo que levou forças democráticas a se recusarem a incluir Lula e o PT na composição de uma frente nacional contra Bolsonaro

O setor de relações internacionais do PT cometeu o erro de apoiar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Esta posição se explica pelo antiamericanismo que caracteriza a visão do mundo dos petistas. Se a Rússia enfrentava os Estados Unidos, então ela estava certa. Este é o perigo do “antismo”: pensar contra sem levar em conta as especificidades que ocorrem em cada momento, sem considerar que o mundo não é apenas branco e preto, nem percebendo as mudanças que acontecem.

Da mesma forma que o antismo do PT leva a erros deste tipo, as forças democráticas têm errado, ao longo de meses, por verem a política Brasília sob o antipetismo. Sabem do risco da reeleição de Bolsonaro, mas se negam a barrar esta reeleição em aliança com o PT. Deixam também de perceber que o PT e Lula de hoje podem ser diferentes do que eram há alguns anos atrás.

Luiz Carlos Azedo: Existe muita empatia entre Putin e Bolsonaro

Correio Braziliense, 26.2.2022

O verdadeiro teor da conversa privada entre os dois em Moscou é um iceberg, não ficou restrita à venda de carne e à compra de fertilizantes. Existe muita semelhança entre ambos

Todos os homens do Kremlin — os bastidores do poder na Rússia de Vladimir Putin, de Mikhail Zygar (Vestígio), é um livro-reportagem com detalhes reveladores sobre o círculo íntimo de Putin e sua longa permanência no poder. É a história de um líder ardiloso e perigoso, mas também de um grupo que assumiu o controle da Federação Russa. Putin “se tornou rei por acaso”, levado ao poder por oligarcas e políticos regionais, que o acolheram ao mesmo tempo em que manipulavam seus medos e ambições. Com o tempo, demonstrou uma habilidade incomum para se manter no poder e assumir o controle do grupo com mão de ferro, em meio a intrigas, conspirações e muita corrupção.

Putin assumiu com apoio do grupo de Boris Yeltsin, que promoveu reformas liberalizantes radicais, contra os comunistas, que ainda eram fortes no Parlamento, cujo candidato era Ievgeni Primakov, um antiamericano radical e revanchista. Ataques terroristas em Moscou e o conflito na Chechênia catapultaram a candidatura do ex-diretor da FSB, a antiga KGB. A imagem de líder jovem e modernizador, que seduziu o público doméstico, não convenceu o Ocidente. Seu projeto inicial de integração da Federação Russa à União Europeia, inclusive à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), foi rejeitado pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e pela primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O custo da guerra

Folha de S. Paulo

Ataque à Ucrânia cria risco de quadro recessivo global, que impacta o Brasil

Com a ofensiva armada pela Ucrânia em curso e o anúncio de sanções econômicas à Rússia por parte das potências ocidentais, começam a se desenhar os impactos econômicos da guerra, que devem ocorrer em múltiplas frentes.

O primeiro e mais evidente é o salto das cotações de petróleo e gás, além de outras matérias-primas. No dia da invasão ao território ucraniano, o preço do barril de petróleo chegou a US$ 103, o maior desde 2014 —recuando quando ficou claro que o pacote de sanções europeias e americanas não atingiria o setor de energia.

Mesmo assim, a ação russa põe em risco as linhas de suprimento e, no caso do gás, a infraestrutura de transporte na Europa.

Com a maior inflação desde os anos 1980 e juros em alta no Ocidente, um choque adicional poderia levar a economia global a um quadro recessivo. Os bancos centrais teriam a inglória tarefa de endurecer a política monetária em meio à piora do emprego.

O problema será maior quanto mais tempo durar o conflito militar. No caso europeu, o encarecimento brusco do gás e, no pior cenário, a interrupção parcial ou total da oferta, implicaria forte contração da atividade industrial.

Poesia | Joaquim Cardozo: Território entre o gesto e a palavra

Entre o gesto e a palavra: território escondido dentro de mim
Marcas de mortas visões; tentativas, indecisões, regozijos,
Entre o gesto e a palavra. Território:
Um silêncio, um gemido, um esforço imaturo
Possibilidade de um grito, modulação de uma dor.
— Ritmos mais doces que os das águas,
— Ternuras mais íntimas que as do amor
Entre o gesto e a palavra. Território
Onde as idéias se ocultam e os pensamentos se perdem
Os conceitos se escondem, os problemas se dissolvem
Entre o gesto e a palavra. Território.
— Os problemas da escolha, os princípios;
Transcendências: transparências, mediante
Uma luz que não se acende, existem
No território contido entre o gesto e a palavra.
— Um axioma, um lema, um versículo, um fonema,
Uma ameaça, uma tolice, o som velar, o eco,
Talvez a estátua de uma atitude.
Estão no campo depois do gesto
E antes da palavra.
Também estás para mim, amiga, entre esses dois expressivos
Entre alguma coisa de mímico ou de sonoro
Alguma coisa que é aceno ou que é voz:
Entre o de mim e o de ti: Tu estou
Tu vivo
Tu falo
Tu choro
Estás, mesmo que entre nós dois não exista
Um aparato gramático — uma sentença verdadeira
— ou uma síntese poética
Ilusória expressão com que se conformam os ingênuos —
Mesmo que a palavra se reduza a simples gesto verbal
Entre o gesto e este gesto há um infinito real.

Música | Getúlio Cavalcanti: Um Bonde chamado desejo

 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Marco Aurélio Nogueira*: A democracia desafiada

O Estado de S. Paulo.

A democracia representativa está com dificuldade de acompanhar as mudanças aceleradas da vida moderna

Há um reconhecimento geral posto na mesa: a democracia representativa está sendo atacada por diferentes vetores, perde qualidade e parece abandonada pelos cidadãos. O espectro da “crise da democracia” se agita por todos os cantos. O Brasil não é exceção.

Será assim mesmo? A democracia representativa conhece de fato uma crise?

Convivemos com um maremoto de imprecisões terminológicas e de entendimentos dissonantes na linguagem da vida cotidiana. É o que acontece, por exemplo, quando se confunde democracia com liberdade ou quando se pensa que democracia significa ausência de regras, limites e obrigações. A democracia é vista como irmã xifópaga do liberalismo, mas não se valorizam com igual desenvoltura seus laços fundamentais com a reforma social, o socialismo e a social-democracia, que foram igualmente estratégicos para os avanços da ideia democrática no último século.

A situação atual está cortada por uma crise de assimilação. A democracia representativa está com dificuldade de acompanhar as mudanças aceleradas da vida moderna, que a desafiam. Precisa se adaptar a elas, mas nem sempre consegue fazer isso de maneira criteriosa, com reformas corajosas, ou seja, de maneira ativa e criativa, sem resignação e fatalismo.

Antes de tudo, a democracia sente os efeitos da mercantilização geral da vida, da prevalência unilateral do mercado como cultura, fator de organização e valor. Tudo se converte num sistema de “trocas” e vantagens competitivas, dissolvendo as ações de tipo cooperativo. Os próprios custos das transações políticas são extrapolados e não ajudam a que se governe melhor.

Bolívar Lamounier*: O triângulo invertido dos sonhos de Lula

O Estado de S. Paulo

Memória da diarquia e da saga das Diretas Já é essencial para abrir uma fresta no nosso sombrio destino a partir de 2023

O governador João Doria ainda não percebeu que, insistindo em se candidatar à Presidência da República, em vez de postular a reeleição, entregará São Paulo de mão beijada ao PT. Lula deve estar rezando o terço várias vezes por dia para que Doria faça exatamente isso, e sorrindo de contentamento ao ver que Doria logo chegará ao ponto de não retorno.

Em política, 20 anos são uma eternidade. Em 2002, todos os ventos sopravam a favor de Lula. Hoje, sopram na direção contrária. Lula provavelmente vencerá com um pé nas costas, mas o panorama que descortinará a partir do Planalto é o de um país em escombros. No Congresso, uma maioria amorfa e subserviente de nada lhe servirá; ao contrário, será uma maioria disposta a tudo para arrancar nacos em seu minguante erário. As massas que antigamente o idolatravam não irão às ruas com o mesmo entusiasmo.

Guardo na memória uma instigante palestra feita dez anos atrás na Fundação Fernando Henrique Cardoso pelo ex-presidente uruguaio Julio María Sanguinetti. Do alto de sua experiência e de seu conhecimento das realidades de nossa triste América Latina, ele observou que o populismo viceja quando a economia vai bem, mas emagrece e sai de cena quando ela vai mal. Todo líder populista precisa de recursos financeiros em abundância, pois é com dinheiro (público, obviamente) que ele compra políticos dispostos a controlar de dentro para fora o Parlamento, e líderes sindicais, estudantes e padres de esquerda, que o façam de fora para dentro.

Oscar Vilhena Vieira* : A grande farsa

Folha de S. Paulo

Apropriação da linguagem de direitos humanos e de liberalismo democrático se torna cada dia mais comum

A apropriação da linguagem dos direitos humanos e do liberalismo democrático por setores reacionários e autoritários, com o objetivo de defender posturas antiliberais e justificar comportamentos contrários aos direitos humanos, tem se tornado cada dia mais comum, não apenas no Brasil.

A imagem de Bolsonaro, com sua gravata adornada de fuzis, bradando a defesa da liberdade contra ministros do TSE –que têm se desdobrado na defesa da integridade do pleito eleitoral–, embora farsesca, é emblemática dessa estratégia de invocar os direitos e valores liberais com a finalidade de subvertê-los.

A defesa das armas, das milícias, da devastação ambiental, da primazia da religião, do discurso de ódio, assim como a insurgência contra a vacina, o distanciamento social ou a máscara, vêm sendo sistematicamente conjugadas a partir de uma distorcida gramática de direitos.

São tempos estranhos, depois de uma vida abjurando e hostilizando os direitos humanos, grupos radicais passaram a invocá-los na defesa de suas pautas autoritárias, discriminatórias e excludentes, colocando em risco não apenas um amplo rol de direitos dos demais membros da comunidade, como as próprias instituições de defesa desses direitos.

Dora Kramer: Cerco ao centro

Revista Veja

Lula e Kassab dão sinais de que atuam juntos para assegurar embate entre PT e Bolsonaro

Luiz Inácio da Silva e Gilberto Kassab não deixam a menor dúvida. São dois políticos graduados e doutorados em astúcia no ramo. Por isso mesmo o primeiro não dá por decidida a parada eleitoral de outubro apesar da folgada dianteira; o segundo não põe fé sincera num embate diferente do indicado desde já nas pesquisas e ambos sinalizam a execução de uma operação casada. Parecem atuar juntos para obstruir o caminho da dita terceira via.

Se o bloqueio será exitoso, veremos. Política, notadamente a brasileira, não se submete a regras perenes. Muda, diz a tradição, na cadência das nuvens. Mas, hoje, o que temos nos quatro principais colégios eleitorais do país é um quadro de cerco às chamadas forças de centro.

No primeiro, São Paulo, firma-se candidatura própria do PT ao governo na pessoa de Fernando Haddad, com a retirada da cena estadual de Geraldo Alckmin, que estava apalavrado com o PSD de Kassab para se filiar e concorrer ao Palácio dos Bandeirantes, mas cogita integrar a chapa de Lula como candidato a vice-­presidente.

No segundo colégio eleitoral, Minas Gerais, o PT articula apoio ao prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, do PSD. No terceiro, Rio de Janeiro, o apoio do PT seria a Marcelo Freixo, do PSB, com morde e assopra que talvez possa mudar de posição o prefeito Eduardo Paes (PSD). No quarto colégio, a Bahia, Lula já admite abrir mão do senador Jaques Wagner na disputa ao governo para apoiar a candidatura do senador Otto Alencar. De qual partido? PSD de Gilberto Kassab.

Murillo de Aragão: O peso político dos evangélicos

Revista Veja

Os fiéis foram determinantes nas últimas eleições presidenciais

Na medida em que o debate eleitoral se intensifica, os principais candidatos buscam se acertar com segmentos importantes de eleitores. Com mais de 30% da população de 210 milhões de brasileiros, os evangélicos são determinantes para a eleição do presidente da República. No pleito de 2014, o voto desse rebanho — que chegou a ser cortejado por Aécio Neves (PSDB) — foi essencial para Dilma Rousseff se reeleger. Em 2018, também foi determinante para a vitória do presidente Jair Bolsonaro. Na pesquisa do Datafolha de 4 de outubro daquele ano, 48% dos evangélicos declaravam voto no então candidato do PSL. O porcentual representava mais que o dobro do segundo colocado, Fernando Haddad (PT), que obteve apenas 18%.

Recentemente, segundo pesquisa do PoderData divulgada dias atrás, Bolsonaro continua liderando entre os evangélicos. Hoje o presidente venceria Lula por 44% a 32%. Ou seja, a distância dele para o candidato do PT, que em 2018 era de 30 pontos porcentuais, caiu para apenas 12 pontos. Atento à perda de terreno em um importante segmento de sua base social, Bolsonaro prepara uma série de encontros com as principais lideranças das igrejas e com parlamentares da poderosa “bancada evangélica”.

João Gabriel de Lima: Os tanques e o sonho europeu

O Estado de S. Paulo

Quando há um conflito, a vida de gente comum é atropelada pela geopolítica

Numa crônica publicada na última edição da revista Monocle, o escritor ucraniano Artem Chekh descreve um passeio pela noite de Kiev. Era dezembro e, depois de comer uma pizza, ele e a mulher, Irina, observam as luzes natalinas na Praça Sofia. Constatam que as danceterias Killer Whale e Closer seguem lotadas em pleno inverno. Espantamse com a fila no Mustafir, e planejam voltar lá algum dia para comer os famosos pasteizinhos chineses do restaurante.

Artem participou das manifestações da Praça Maidan que, em 2014, derrubaram um governo fantoche de Moscou. No ano seguinte, alistou-se para lutar contra os russos. A experiência rendeu seu livro mais famoso, Zero Absoluto. Quando escreveu a crônica da Monocle, Artem temia ser convocado novamente. Pensava também em Irina, que trabalha com filmes. Ainda seria possível fazer cinema numa Ucrânia invadida?

Cristina Serra: O apocalipse Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ele tem os seus quatro cavaleiros do apocalipse

Declaração do secretário-geral da Presidência, Luís Eduardo Ramos, remeteu-me aos quatro cavaleiros do apocalipse, citados em textos bíblicos. O general de pijama encrespou-se com os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, ex e atual presidente do TSE, que condenaram ataques ao sistema eletrônico de votação.

Ramos disse que Bolsonaro "está sentado nessa cadeira [da Presidência] por missão de Deus" e que tem recebido críticas "muito duras". Por isso, Ramos afirmou sentir-se no direito de levantar dúvidas sobre a "isenção e imparcialidade de futuros processos".