sábado, 4 de junho de 2022

João Gabriel de Lima: A política em tempos de cólera

O Estado de S. Paulo.

Os sentimentos permeiam todas as atividades humanas, e a política não é diferente

A enfermeira parisiense Juliette nasceu quando seus pais eram muito jovens. Ela se recorda de uma infância com pouco dinheiro, poucos presentes e muito barulho – Juliette era bebê e os pais a levavam para as festas altamente animadas da universidade. Ela diz ter crescido cheia de inseguranças. Adulta, indignou-se com a situação política de seu país – e se tornou um exemplo do sentimento que os franceses chamam de “colère”.

Há três anos, o movimento dos “coletes amarelos” eclodiu na França, e Juliette se tornou uma de suas militantes mais entusiasmadas. Ela contou sua história de vida ao cientista político Thomás Zicman de Barros, autor de uma tese original e surpreendente sobre o movimento. Em seu doutorado na França, Zicman de Barros, entrevistado no minipodcast da semana, mergulhou no universo dos “coletes amarelos” e extraiu conclusões que ajudam a explicar a política dos dias de hoje.

O autor cruza a literatura sobre populismo com clássicos da psicanálise, como Sigmund Freud e Jacques Lacan, e mostra como paixões e desejo influenciam nossas escolhas políticas. Como disse Eugênio Bucci, colunista do Estadão citado na tese, há uma identificação estética com símbolos, slogans e cânticos, que criam uma irresistível sensação de pertencimento.

O símbolo do movimento é algo comum a muitos franceses – os coletes amarelos que, por lei, devem ser levados nos carros. Nascido à direita, o protesto era inicialmente contra o aumento de impostos e dos preços dos combustíveis, mas aos poucos se juntaram representantes de todos os matizes ideológicos. Não havia uma pauta clara de reivindicações. Pessoas comuns como Juliette, com suas carências e incertezas, sentiram-se acolhidas pela estética dos cânticos e slogans.

Os sentimentos permeiam todas as atividades humanas, e a política não é diferente. Vale para os “coletes amarelos” e também para as jornadas de junho de 2013, no Brasil, ou para o movimento estudantil chileno da última década.

Nas eleições francesas deste ano, os “coletes amarelos” não conseguiram se entender sobre qual candidato apoiar e perderam protagonismo. As jornadas de junho não levaram, como se pensava, a uma política mais vibrante e inclusiva. O que se seguiu, em vez disso, foram desalento e polarização.

O caso chileno, em contraste – o movimento estudantil gerou um presidente da República –, sinaliza que paixão e desejo não bastam. Para convertê-los em algo prático, é preciso estratégia, propostas concretas, vontade de participar e coragem para disputar o jogo da democracia. Do contrário, somos todos Juliettes ao sabor de nossa “colère”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

A ''cólera'' só serve pra produzir doenças.