O Estado de S. Paulo
Sucessão de pesquisas reforça tendência à
estabilidade, e, nelas, ressalto o fato de que 80% dos eleitores parecem já ter
decidido seu voto
A eleição começou para valer, nas ruas, nas
redes, com propaganda e debates na TV. Há muito tempo que observo nela uma
característica singular: a tendência à estabilidade nas opções de voto.
Claro que coisas novas podem acontecer. Mas
os dados que indicam estabilidade são abundantes. O primeiro deles é o fato de
estarem em confronto dois nomes populares: Lula e Bolsonaro. Ambos têm um
trabalho para mostrar: o de Lula realizado durante oito anos, o de Bolsonaro de
2019 para cá.
A tendência é reforçada pela sucessão de
pesquisas e, nelas, além da pontuação geral, ressalto o fato de que 80% dos
eleitores parecem já ter decidido seu voto.
Outro fator que, pela minha experiência,
aponta para uma estabilidade: quem está no governo e começa mal tem chances
reduzidas de reverter a situação.
Quase sempre, nas eleições, candidatos da oposição crescem e ameaçam os governos, porque são ainda desconhecidos e trazem a esperança de fazer melhor.
Bolsonaro tentou alterar o quadro:
atropelou a lei eleitoral, o equilíbrio das contas públicas e até a própria
Constituição. Até o momento, o auxílio emergencial não abalou a estabilidade,
no sentido de que não alterou as chances de Bolsonaro ultrapassar seu
adversário. Parte da ineficácia eleitoral do artifício parece ser a compreensão
das pessoas de que o auxílio não foi realmente destinado a elas, mas sua função
é garantir o êxito eleitoral de Bolsonaro. Foi decidido tardiamente e dura só
até dezembro.
Fatores de estabilidade parecem estar
presentes também nas eleições para o Congresso. Aqui, a situação é um pouco
diferente: os artifícios são mais eficazes para bloquear a renovação.
O fundo eleitoral, de R$ 4,9 bilhões, é
totalmente controlado pelas burocracias partidárias, o que deve favorecer os
que já têm mandato. Mas talvez o fator mais importante para evitar mudanças
seja o próprio orçamento secreto. A divisão de R$ 17 bilhões entre deputados e
senadores deu a eles um instrumento poderoso para a vitória nas urnas. Os
escândalos em torno dessa massa de dinheiro público espalhado pelo País começam
a pipocar. Mas ainda acontecem muito longe dos olhos da grande imprensa: no
Maranhão, em Alagoas. Não há tempo para usar este mecanismo como um instrumento
eleitoral contra os assaltantes dos cofres oficiais.
Apesar de tudo, algumas novidades acabarão
abrindo caminho neste campo minado. Uma delas é a força da presença feminina.
No debate na Band, as duas mulheres, Simone Tebet e Soraya Thronicke, se
destacaram. Bolsonaro sempre se destacou por temer o socialismo. Mas tudo
indica que ele teme mais ainda a ascensão das mulheres.
Hoje, o eleitorado feminino já é maioria no
Brasil. Os velhos hábitos que apontam para uma supremacia masculina já não têm
mais espaço. O mais assustador, na cabeça de Bolsonaro, é o fato de que não é
um perigo que ele possa rotular como comunista. As duas mulheres são de centro
e centro-direita. O tema de combate ao machismo transcendeu aos limites da
esquerda.
Vou refletir sobre isso em outro momento,
mas tudo indica que a sociedade patriarcal corre o risco de desaparecer sem que
o próprio capitalismo seja ameaçado. É possível até que se enriqueça com uma
utilização mais vasta do talento social disponível.
Outras novidades já presentes na sociedade
ainda não se apresentaram com força na campanha. A questão ambiental, se
levarmos em conta que foi centro do programa de Joe Biden, aparece rapidamente
– menções ainda de pé de página.
Da mesma forma o racismo, tão presente no
cotidiano do Brasil, não foi mencionado nos debates e nas entrevistas.
Ainda há muito caminho pela frente. Uma das
pesquisas qualitativas divulgadas na imprensa revela que o sentimento de
tristeza foi muito comum entre os espectadores do debate. Infelizmente, não há
mais dados sobre as causas. Creio, entretanto, que há razões para um certo
desalento. A dimensão da crise brasileira parece muito ampla diante da modéstia
das ideias apresentadas.
Mas isso pode ser também uma decorrência do
formato dos debates. Há pouco tempo, perguntas e respostas. A verdade é que as
atenções começam a convergir para a escolha dos dirigentes e o Brasil, neste
campo, tem razão para algum otimismo. As audiências para o tema político estão
aumentando, foi assim com as entrevistas e com o debate, sem contar o fato de
que mais de 2 milhões de jovens eleitores se alistaram, apesar de o voto ainda
não ser obrigatório para eles.
Estamos fazendo esta eleição ao mesmo tempo
que comemoramos os 200 anos de independência. Muitos problemas que tentamos
resolver na época ainda rondam o País. Um deles é o controle social do
Orçamento, presente nas revoltas de fevereiro de 1821 no Rio. Os temas mais
consultados no Google, depois do debate, foram orçamento secreto e sigilo de
cem anos.
Se acrescentarmos ao orçamento secreto e ao
sigilo de cem anos o fato de que Bolsonaro não divulga seus gastos pessoais,
veremos que as aspirações de transparência que já apareciam no nascimento do
País independente ainda não foram resolvidas.
Do grito do Ipiranga de Dom Pedro ao Posto
Ipiranga de um presidente despreparado, foi um longo caminho ainda não
concluído.
4 comentários:
Gabeira sempre tive uma vontade de perguntar
O sequestro com emprego de armas do embaixador da Alemanha e o que você participou hoje você ainda pensa que foi um ato revolucionário que se justifica ou que foi uma violência que você condena e faz autocrítica?
O que Bolsonaro diz sobre os atentados a bomba que cometeu quando era mau militar (bunda suja segundo seus superiores) e antes de ser expulso do exército?
Gabeira não faz média com ninguém,apenas expõe fatos.
Gabeira, o primeiro debate entre os presidenciáveis já provocou oscilações nos números, demonstrando ser possível sairmos da polarização. Ainda faltam 30 dias. Muita água ainda vai rolar!
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