segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Entrevista | Eduardo Giannetti*: ‘Sinais têm de ser consistentes com as ações’

Economista elogia equipe do novo governo, mas alerta que não se deve ‘frustrar as expectativas’

Luciana Dyniewicz / O Estado de S. Paulo

Eleitor de Lula em 2022, o economista Eduardo Giannetti alerta o novo governo para o fato de que as expectativas dos consumidores, investidores, trabalhadores e empresários definem o resultado da economia. “A economia é uma espécie de meteorologia em que a previsão do tempo afeta o próprio tempo. O que as pessoas acreditam que vai acontecer acaba se materializando porque as pessoas passaram a acreditar nisso”, diz.

Portanto, acrescenta, é preciso ter cuidado para não frustrar as expectativas dos agentes, pois isso pode resultar em crise econômica. “Não se pode enfrentar essas crenças muito enraizadas no mercado, especialmente no mercado financeiro.

(Essas crenças) não podem ser afrontadas de maneira grosseira. Elas têm de ser respeitadas”, afirma.

Conselheiro econômico da hoje ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, quando ela era candidata à Presidência, Giannetti diz que os sinais que o governo vem dando na área econômica, até agora, são em geral positivos. Ele pondera, porém, que o anúncio de um pacote para reduzir o déficit fiscal, feito na última quintafeira pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não é suficiente para firmar as expectativas de que o problema fiscal será resolvido.

A seguir, leia trechos da entrevista.

Como o sr. analisa os ataques à democracia do domingo passado?

Foi uma baderna inconsequente, sem organização política ou ação estratégica. Uma coisa desarticulada, perpetrada por pessoas muito despreparadas e desnorteadas em relação ao que se poderia esperar de uma ação desse tipo. Olhando para frente, acho que tem dois vetores. Reforça o capital político do presidente Lula, e isso é algo de que ele pode, pelo menos no curto prazo, se beneficiar. Ao mesmo tempo, tem um risco de desviar o foco do início do mandato das questões que são realmente relevantes, especialmente na economia. Mas tenho a impressão de que o governo está atento a essa ameaça.

Essa tentativa de golpe em Brasília terá impactos econômicos?

Não vejo um impacto duradouro. Mas o ambiente internacional vai acompanhar como as instituições brasileiras reagem e se essa ocorrência é isolada ou se é parte de alguma coisa que terá continuidade.

Se começarem a se repetir manifestações com esse grau de destruição, vai pesar.

Em entrevista ao ‘Estadão’ depois do primeiro turno, o sr. disse que ajudaria muito se o novo governo tivesse uma ‘excelente equipe econômica que despertasse credibilidade e atraísse capital externo’. Como avalia a equipe econômica?

É uma boa equipe. O secretariado é de perfil técnico, o que acho positivo. Agora, quanto mais se estuda economia, mais se entende a centralidade das expectativas nos resultados e no comportamento da economia. Tanto as expectativas do mercado financeiro, que são mais nervosas e de curto prazo, quanto as expectativas dos agentes da economia real – empresários, consumidores e profissionais – são importantes.

Tem havido ruído. Já se falou em rever a reforma trabalhista.

Acho que isso existiu mais no início da transição. Da posse para cá, tem havido um compromisso maior com declarações apontando na direção daquilo que ajuda a formar expectativas positivas. Agora, se o enunciado não for corroborado por ações, não é suficiente. Tem de mandar os sinais certos e tem de mostrar que esses sinais estão consistentes com as ações. Imagine um médico que chega em uma tribo précientífica com uma vacina. Se ele chegar e disser: ‘Tudo que vocês acreditam é feitiçaria e eu tenho uma picadinha que vai resolver o problema’, é capaz de a tribo ficar enfurecida e expulsar o médico. Se esse médico chega na tribo com a mesma vacina e fala: ‘Tudo que vocês acreditam é consistente com essa vacina que eu quero dar para vocês. Ela é complementar’, ele não hostiliza as crenças vigentes. Deixa as pessoas acreditarem e até dá um alento: ‘Vocês acreditam nisso, é importante...’ E dá a vacina. Não se pode enfrentar essas crenças muito enraizadas no mercado, especialmente no mercado financeiro. (Essas crenças) não podem ser afrontadas de maneira grosseira. Elas têm de ser respeitadas.

*Economista e cientista social, Giannetti é doutor em economia por Cambridge e membro da Academia Brasileira de Letras

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente matéria! Gianetti é uma dos maiores escritores e economistas brasileiros, com visões e análises muito interessantes e confiáveis!