Valor Econômico
Dúvida já está provocando seus primeiros
efeitos nas expectativas de inflação e na curva de juros futuros
O mercado financeiro e o próprio Banco
Central vivem sob a incerteza sobre qual será a meta de inflação de longo prazo
defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Essa dúvida já está
provocando seus primeiros efeitos nas expectativas de inflação e na curva de
juros futuros.
Até agora, o Conselho Monetário Nacional
(CMN) definiu a meta de inflação até 2025. Será uma escadinha: foi 3,5% no ano
passado, cairá para 3,25% em neste ano e será de 3% no próximo. Assim,
finalmente a meta, que vem sendo reduzida desde 2019, chegará ao objetivo de
longo prazo.
A meta de inflação de 2025 também já está oficialmente definida pelo CMN, em 3%. Em junho próximo, o conselho vai definir a meta que será válida em 2026, último ano do mandato do presidente Lula.
Até agora, a equipe econômica do novo
governo não disse explicitamente a meta que será adotada. No meio da incerteza,
o mercado está colocando no preço um pouquinho da chance de ser adotada uma
meta maior.
Ainda está viva na memória de muitos a
resistência do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega em reduzir o objetivo.
Naquele período, a meta central ficou parada em 4,5%, com um intervalo de
tolerância de dois pontos percentuais para cima e para baixo.
Em 2007, o governo Lula chegou a discutir
uma redução da meta de inflação para 4,25%, mas Mantega não deixou. Muitos
consideram, até hoje, que foi uma oportunidade perdida. A inflação de 2006
ficou em 3,16%, abaixo da meta, graças ao esforço do Banco Central com a taxa
de juros e uma dose de sorte, com choques de oferta que contiveram a alta de
preços. O mercado financeiro dava como certa a redução da meta, e as
expectativas de inflação cairiam abaixo de 4,5%.
Depois que Mantega bloqueou a redução da
meta, o mercado se ajustou. As expectativas de inflação subiram e, junto com
elas, o juro nominal. Na prática, o governo Lula colheu juros reais estáveis,
mais uma inflação maior. Houve mau humor nos mercados. Esse foi um dos
primeiros sinais de que a ala desenvolvimentista do governo havia se tornado
poderosa.
Agora, a situação é semelhante. A
expectativa de inflação para 2026 está subindo. Chegou a 3,2%, pelo dado mais
recente. Uma parte disso é o risco fiscal, que está levando à desancoragem das
expectativas de inflação. Mas uma parte também reflete, aparentemente, a
leitura de alguns analistas de que a meta de inflação poderá subir.
Essa incerteza também contamina um pouco as
projeções de inflação para anos anteriores a 2026. A mediana das expectativas
para 2025 está em tendência de alta, chegando a 3,3%. As projeções dos
especialistas para 2024, que passa a ser o principal alvo da política
monetária, também está sob pressão. O cálculo é que, se o governo petista fixar
uma meta de inflação mais alta para 2026, faz um pouco menos de sentido buscar
a ferro e fogo a meta estabelecida para 2025.
A questão é como o Banco Central vai reagir
a essa deterioração das expectativas. Em termos práticos, o ano de 2026 está
fora do radar mais imediato da política monetária. A rigor, o ano de 2025
também está bem distante. Mas, nesse último caso, o Banco Central já teria a
obrigação de cuidar da meta, que já foi oficialmente definida pelo CMN.
Assim, no fim das contas, o esperado é que
o Banco Central reaja a qualquer deterioração nas expectativas, seja ela
motivada pelas incertezas fiscais, seja pela indefinição da meta de longo
prazo. Ou seja, a falta de uma posição clara sobre as metas joga contra o
desejo de baixar o juro.
O descuido com o objetivo de longo prazo
para a inflação não é uma exclusividade do atual governo. A equipe do
ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, nunca fez uma sinalização de longo prazo
sobre a meta desejada. Ela foi sendo definida ano a ano e, dessa forma, havia
um prêmio tanto nas expectativas de inflação quanto nos juros nominais de longo
prazo.
No governo Michel Temer, o então ministro
da Fazenda, Henrique Meirelles, foi hábil em definir a meta a cada ano, mas
sempre deixar sinalizado o desejo de convergir o objetivo para os usualmente
adotados por economias emergentes. Meirelles, que foi presidente do Banco
Central, era mais letrado sobre a importância do controle das expectativas. Com
isso, na prática, colheu juros mais baixos.
A meta definida pelo Banco Central, em 3%,
é igual à de países emergentes com a economia bem arrumada, como o Chile. É um
percentual um pouco mais alto do que o normalmente adotado em economias
avançadas, de 2%. Alguns economistas defendem que esses países adotem metas
maiores, mas essa discussão não tem nada a ver com o Brasil. O argumento é que,
neste período em que economistas estão chamando de Estagnação Secular, a taxa
neutra de juros é muito baixa. Portanto, no caso de uma recessão, haveria pouco
espaço para reduzir os juros nominais. No Brasil, com os juros nominais em
13,75% ao ano e taxa neutra de pelo menos 4% ao ano reais, numa visão muito
otimista, não falta espaço para baixar os juros.
Muitos economistas heterodoxos defendem uma
meta de inflação mais alta. É um pouco o raciocínio de Mantega: com uma meta
muito ambiciosa, o BC fica sob pressão para cumpri-la, levando a juros maiores
e a menos crescimento. No fundo, é uma descrença no universo das expectativas.
Mas há uma corrente de economistas
ortodoxos, que inclui o ex-diretor do BC Sergio Werlang e o professor Aloisio
Araújo, do Impa e da FGV, que acha que o Brasil deveria ter uma meta de
inflação mais alta, em virtude de nossa fragilidade fiscal. Araújo, junto com
outros autores, publicou textos acadêmicos que apoiam a visão.
A questão é se vale a pena reabrir a
discussão agora, quando a meta chegou a 3%. Haddad já vem mantendo uma pressão
verbal para o BC baixar os juros. Ninguém acha que o atual presidente do BC,
Roberto Campos Neto, vá ceder. Mas o governo Lula começa em fevereiro a nomear
os seus membros para o BC, e em fins de 2024 fará o presidente. No governo
Dilma, a meta era 4,5%, mas o mercado achava que o BC buscava 6,5%. O mercado
vai colocando cada vez mais na curva de juros o risco de uma volta do
inflacionismo.
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