segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* , Alexandre Quintas Filgueiras Quintão ** - A transversalidade da Marina

Quando fala em "transversalidade"(1), a  ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva,  não está blefando; nem o Presidente Lula, ao anunciar que vai  trazer para o Brasil (Belém) a Conferencia Mundial de Mudanças Climáticas (COP-30) em 2024. Eles pretendem  recolocar no palco as organizações não governamentais  sem fins lucrativos , as ONGs, grandes cabos eleitorais neste mundo, defensoras do chamado  "ambientalismo emancipatório" (2).

E o propósito, Marina não escondeu: é levar  Lula a ser indicado ao prêmio Nobel e, quem sabe, ela própria  à condição de candidata à Presidência da República em 2027. Afinal, afirmou, nossa causa é universal,  a sustentabilidade, e não faz distinção entre  capitalistas, nacionalistas, comunistas ou socialistas.

Tentemos entender o cenário meio profético ...Certa vez, numa palestra  em Londres  sobre a questão ambiental, na qual estava  presente o príncipe  Charles, hoje o rei Carlos III, da Inglaterra,  o ambientalista brasileiro José Lutzemberger, surpreendeu o auditório ao concluir sua fala dizendo:  " O meio ambiente é uma questão religiosa!" (3)

No Rio Grande do Sul,  de onde viera,   era já meio mitificado pelas grandes mobilizações  ambientais. Convocado por Collor para a recém criada Secretaria   de Meio Ambiente da Presidência da República, ele, já nos seus 70 anos, optou por morar, solitariamente no Parque Nacional de Brasília(Água Mineral), e ter apenas um  motorista que o  buscava pela manhã  e o deixava de volta no final da tarde. Vivia quase como um ermitão, e seu comportamento  assustava, de certa maneira, muita gente, inclusive os servidores ao redor. 

Na chefia da Secretaria, de status ministerial,  preferia despachar  na sede do IBAMA, no Setor de Áreas Isoladas  Norte (SAIN), onde, antes de iniciar o expediente, fazia uma caminhada silenciosa pelo bosque que circunda a área, sob o olhar curioso e incrédulo da  burocracia da Casa. Suas atitudes pouco comuns, eram vistas, com desconfiança, até como as de alguém emocionalmente instável,  por aqueles que não conseguiam entender sua configuração da existência humana, da qualidade de vida e, por conseguinte das políticas públicas. 

A reverência  à natureza fora  desenvolvida ao longo da vida profissional, trabalhando, antes,  em uma indústria química. Teria adquirido ali a percepção da relação ambígua dos homens com os princípios biológicos ativos, ocultos  na  natureza, delineados em ricos  biomas e sistemas ecológicos, cadeias das quais ele, como homem (hominídeo), considerava-se parte.

E, assim,  existencialmente, a cada dia mais sacralizado,  foi se envolvendo  com o que o filósofo holandês, Baruch Spinosa, chamava de substância do ambiente natural.  Falava holandês, e cultivava o pensamento de  seu compatriota , que vivera entre 1632 e 1677,  sem qualquer ligação, entretanto, com o budismo. O filósofo  chamava atenção para a substancialidade sagrada contida na natureza, na qual identificava a presença de Deus e de seu papel na criação e tutela  desse mundo. Distinguia a coisa chamada de  natural daquela tratada como   artificial. Dizia  que a substância contida nas coisas da natureza eram imanentes e, em decorrência, indivisíveis e imutáveis .  Para ele, a natureza seria fruto dessa substância : expressão de uma espiritualidade  inerente. Em 1677 escreveu um  Tratado à Correção do Intelecto, referindo-se às relações confusas do homem com o ambiente do qual faz parte. Valeu-lhe o banimento do meio judio, do qual descendia.

Segundo mostra  J.W.Bayle,  filósofo inglês, teria sido por mera modéstia que também  Spinosa não criara uma seita com o seu nome. O Deus de Espinosa possuía caráter imanente, ou seja, não estava separado do mundo. Pelo contrário, estava íntimamente nele imbricado , configurando uma única coisa: a tal substância.   Deus  estaria refletido na harmonia (gestão?), na existência e funcionamento de todas as coisas. A substância  ambiental não era algo fragmentário ou passível de ser fragmentado artificialmente no sentido, por exemplo, do utilitarismo,  ideia que o judaísmo repassou para este mundo: a natureza a serviço do homem, submissão  que,  no discurso da Marina, é citado com perspectiva de uma "bioeconomia". 

Daí esta seria uma das ambiguidades a ser digerida  do discurso da  ministra Marina,   para que o Brasil, como um país que abriga enorme diversidade ambiental,   possa pretender  a  liderança de um processo de mudança de paradigmas nas políticas públicas nacionais e internacionais. Isso se daria a partir do que ela chamou,  metodologicamente, de  "transversalidade", aderência governamental ampla  a um eixo unificador de sentidos ambientais nas  propostas a serem recomendadas  por conselhos, ou adotadas por ministérios e empresas públicas e privadas na organização de  políticas específicas para a agricultura, energia, indústria, recursos hídricos, ar, ocupação e exploração territorial, populações tradicionais, saúde, cultura e até fiscal. 

Vamos ver como a ministra Simone Tebet , do  ministério do Planejamento, se sai desta...

Quando se fala em temas transversais, no caso do meio ambiente, trata-se de uma orientação intangível  (substância) que atravessa  todas aquelas políticas e atividades públicas cobradas como unificadoras e organizadoras de sentido, agregadora de valores, com o fim de transformá-las, à busca de virtudes novas  e compatíveis com o cenário dado . Não seria algo trivial, para ser banalizado política ou retoricamente.  Não se trata apenas de moldar a coisa ou as coisas para adequá-las, de maneira tangível,  às demandas, às ideologias partidárias ou  do sistema produtivo. Há implícito, uma concepção de respeito e sacralidade mesmo no tratamento  transversal para as políticas públicas. É daí que, imagina-se, vá surgir o modelo de gestão pública que  Lula e Marina   profetizam com ar de aparente religiosidade.

* Jornalista, professor (ex-guarda florestal do PNB).                                                                                                                                        

** Especialista em Gestão e Avaliação de Projetos em Saúde Coletiva                                                                                                     

(1)Hamze,(2)Tunes(3); (4)Lutzemberger; (5)Nogueira Neto.

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Interessantes as lembranças sobre o Lutz, José Antonio Lutzenberger, o maior ambientalista brasileiro, ex-secretário do Meio Ambiente do governo Collor, que ocupou tal cargo quando tinha 64-65 anos, e um pouco antes havia sido homenageado com o Prêmio Nobel Alternativo, em Estocolmo, em 1988.

Anônimo disse...

fora a lembrança, bla bla blás de 5ª

Anônimo disse...

Como autor do primeiro comentário, considero ainda interessantes outros pontos do artigo. Um é o objetivo de Lula de ganhar o prêmio Nobel, e a possível dependência ou relação disto com o trabalho que seja desenvolvido por Marina. Alguns analistas comentaram sobre isto, mas poucos aprofundaram esta possível motivação para a volta de Lula.
Outro ponto é a necessária transversalidade e busca permanente de sustentabilidade nas políticas ambientais, como já enfatizado por Mercadante no BNDES e por outros ministérios, o que será necessário para que as mudanças climáticas sejam realmente incorporadas nas novas políticas destes ministérios, como espera Marina e como prometeu Lula.
Lutz ganhou o Nobel alternativo com sua pregação e suas ações na Secretaria do Meio Ambiente (embrião do Ministério do Meio Ambiente), que Marina deu continuidade e poderá levar Lula a um Nobel clássico. Se muito trabalho for feito e der certo, é possível. Por outro lado, só mudar radicalmente a política destrutiva do GENOCIDA no Meio Ambiente já será uma grande vitória!

ADEMAR AMANCIO disse...

Ex-guarda florestal.

Anônimo disse...

O segundo anônimo está enganado: bla bla blás de 2a feira, na quinta-feira são outros.