quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Luiz Carlos Azedo - Uma reforma militar será inevitável

Correio Braziliense

Reforma militar pode ganhar apoio da sociedade, principalmente da juventude, em razão dos últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas

Recém-eleito, com 288 mil votos, o jovem deputado Amom Mandel (Cidadania), de 21 anos, o mais votado no Amazonas para Câmara dos Deputados, antes mesmo de tomar posse, iniciou uma campanha para acabar com o serviço militar obrigatório, um verdadeiro tabu para as Forças Armadas. “Estou preparando um projeto para propor o fim do alistamento militar obrigatório. Qual a sua opinião?” — anunciou no Twitter, a sua principal ferramenta de intervenção política. A proposta provocou 3.567 comentários e teve 1.538 compartilhamentos, o que já é suficiente para se tornar uma causa com ressonância na sociedade e posicionar seu mandato junto à opinião pública.

Se aprovada, a proposta será o ponto de partida para uma reforma militar, que pode ganhar apoio da sociedade, principalmente da juventude, em razão dos últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas, principalmente a omissão quanto à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Não é uma ideia nova, mas o ambiente político agora é mais favorável a sua aprovação. A proposta de Amom está na contramão do Projeto de Lei 557/19, já aprovado pelo Senado, para que jovens morando em instituições de acolhimento familiar ou institucional tenham prioridade no processo seletivo para o serviço militar obrigatório.

Atualmente, a seleção para as Forças Armadas tem três etapas: alistamento (no ano em que o jovem completa 18 anos), seleção e incorporação. Pela proposta, de autoria do senador bolsonarista Eduardo Girão (Podemos-CE), a preferência pelos jovens egressos de abrigos será complementar a critérios definidos previamente pelo Exército, pela Marinha ou pela Aeronáutica. O Ministério da Defesa seleciona os jovens a partir da combinação de vigor físico e capacidade analítica, medida de forma independente do nível de informações ou da formação cultural dos candidatos.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara, mas tem um longo caminho a percorrer: as comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. A proposta de Amom coloca em xeque o conceito adotado na criação do serviço militar obrigatório, cujo objetivo é fazer com que as Forças Armadas sejam a representação do “povo em armas”, com base no mito fundador do nosso Exército, a vitória na batalha de Guararapes (PE), decisiva para expulsão dos holandeses.

Ocorrida entre 1648 e 1649, houve muitos combates entre as tropas holandesas e as brasileiras, com apoio dos portugueses, na região dos Montes Guararapes, localizada próximo à cidade de Recife. Derrotados pelos militares luso-brasileiros, os holandeses fugiram para a cidade de Recife, local em que resistiram até janeiro de 1654. Muitos índios e negros lutaram ao lado das forças luso-brasileiras para expulsar os holandeses, sob comando do general português Francisco Barreto de Meneses; do paraibano André Vidal de Negreiros; do negro Henrique Dias, filho de escravos libertos; e do líder indígena potiguar Felipe Camarão, todos militares.

Profissionalismo e tecnologia

O surgimento de exércitos de massa no Ocidente está associado à formação do Estado-nação e ao uso de mosquete, que facilitou a instrução militar. A falta de precisão das armas de fogo da época obrigava a formações maciças de atiradores. Com a Revolução Francesa, o Exército de Napoleão Bonaparte, que conquistou a Europa e obrigou Dom João VI e a família real a fugirem de Portugal para o Brasil, consolidou o conceito de exército popular, com forte identidade patriótica, para se contrapor aos exércitos profissionais, muitas vezes formados por mercenários. A conscrição permitiu à França revolucionária formar o exército que Napoleão Bonaparte considerava “a nação em armas”.

Entretanto, esse conceito vem sendo contestado no Ocidente desde os protestos maciços nos Estados Unidos contra a conscrição para a Guerra do Vietnã. Com o final da Guerra Fria, a maioria dos países do Ocidente passou a dar prioridade aos soldados profissionais, ao treinamento de alta performance, à criação de forças especiais e ao uso de tecnologia de última geração. A guerra da Ucrânia, por exemplo, está servindo de terreno para um confronto entre modernos armamentos da Otan e as tropas russas equipadas com armamentos convencionais.

O projeto do jovem Amom Mandel abre um debate na sociedade sobre as Forças Armadas que queremos, num momento em que a questão militar voltou ao centro das preocupações políticas. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que pretende discutir com os comandantes militares a modernização das Forças Armadas. Recém-empossado, Lula está convencido de que no dia 8 de janeiro havia um golpe em marcha, que somente não ocorreu devido à intervenção civil na segurança pública do Distrito Federal.

Há uma desconfiança recíproca entre Lula e os militares, uma vez que o bolsonarismo contaminou grande parte dos efetivos militares. Ao contrário do que aconteceu na Argentina e na Espanha, como no Chile, a volta aos quartéis dos militares brasileiros foi uma retirada em ordem, embora tenham sido politicamente derrotados. A vitória de Bolsonaro em 2018 representou uma volta ao poder pelas urnas, levando à militarização da administração federal, numa proporção maior até que a do regime militar.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Ótimo texto!
"em razão dos últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas, principalmente a omissão quanto à invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF)."

Sem desmerecer o artigo, ouso dizer q não foi omissão, mas, sim, colaboração com os golpistas. Tem até vídeo do coronelzinho do batalhão Caxias, q serve pra proteger o Palácio do Planalto, agindo pra proteger golpistas.

O EB ficou ainda mais conspurcado. O atual governo, com toda razão, não confia nas FA nem pra implantar a GLO.
Q voltem a caiar troncos! São os pintores mais caros do mundo.

Fernando Carvalho disse...

A vitória do boçal não representou "uma volta dos militares ao poder", pelo voto e nem levou, normalmente, a uma "militarização" do governo. O boçal voltou ao poder numa onda antipetista criada pela Operação Lava Jato. Bolsonaro, que sonha com golpe militar desde o século XX (vide O golpe que Bolsonaro vai dar neste blog) é que se esforçou em fazer com que militares em geral, policiais militares e milicianos comprassem a ideia de que com ele os militares estavam de volta ao poder. Isso em parte, e que se quisessem o poder militar total (com AI5 e tudo) isso seria conseguido com seu golpe de estado "dentro das quatro linhas da Constituição". Empenhado nesse objetivo golpista, o boçal colocou 8 mil milicos em cargos civis do governo. Sem contar cargos de confiança e diretores em empresas estatais. Bolsonaro também frequentou cerimônias de formação de militares do longo de seus quatro anos de governo, uma espécie de onanismo castrense. Graças ao azar que o persegue (os 60 mil litros de gasolina não explodiram, o Lee Oswald tupiniquim foi preso, o projeto glo glo glo michou, etc.) seu projeto golpista foi derrotado. Quanto aos militares, como não existe nenhuma possibilidade de guerra nos dias de hoje. Um bom trabalho para eles é policiar as fronteiras do país para impedir contrabando e tráfico de tudo quanto é tipo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Quem sabe,sabe!