Folha de S. Paulo
E
calibrar o emprego desses instrumentos não é uma tarefa simples
A ideia de que a
democracia deve se defender de maiorias tomadas de fúria não é nova. Freios e
contrapesos nada mais são do que ferramentas voltadas a arrefecer a paixão
circunstancial das maiorias.
A discussão
sobre a necessidade de criação de mecanismos especiais para defender a
democracia de seus inimigos abertos ganhou força, no entanto, com a ascensão ao
poder do fascismo e do nazismo, nos anos 1930. A ironia de Goebbels,
de que "uma das melhores pilhérias sobre a democracia sempre será a de que
ela própria proporcionou aos seus mortais inimigos os meios pelos quais foi
aniquilada", não pode ser desprezada.
O ponto de partida dessa discussão deu-se com a publicação de dois textos seminais de Karl Loewenstein, na American Political Science Review, em 1937. Jurista alemão de origem judaica, Loewenstein havia sido aluno de Max Weber, que desconfiava da democracia de massas. A título de curiosidade, esteve no Brasil durante o Estado Novo, quando escreveu um clássico sobre legalismo autoritário, chamado "Brazil Under Vargas", publicado em 1942.
Sua preocupação
fundamental era com a "irracionalidade" e o "emocionalismo"
promovidos pelo nazi-fascismo, contra o que a política democrática e liberal
não conseguiria concorrer. Dessa forma, era necessário convocar as instituições
constitucionais para defender a democracia. Assumir uma postura
"neutra", como propunha Kelsen, ou mesmo uma atitude
"fundamentalista liberal" equivaleria a cometer um suicídio
institucional.
A proposta de
restringir a participação dos inimigos da democracia no processo político,
promovida pela doutrina da "democracia militante" de Loewenstein,
sempre foi vista com ceticismo por liberais e democratas, por motivos óbvios.
Na prática,
entretanto, diversas democracias constitucionais que surgiram no pós-Guerra ou
após períodos autoritários, como a brasileira, inseriram mecanismos de
autodefesa em suas novas leis e constituições.
A possibilidade
de suspensão de partidos políticos antidemocráticos, o poder de controlar
emendas contrárias a princípios do Estado democrático de Direito conferido às
supremas cortes, a prerrogativa de restrição da liberdade de expressão ou de
manifestação, em casos especiais, assim como a criminalização daqueles que
ameacem ou atentem contra as instituições, são exemplos dessas ferramentas
institucionais de autodefesa democrática.
Calibrar o
emprego desses instrumentos não é tarefa simples, como demonstram as enormes
controvérsias em torno da doutrina da "democracia combatente",
concebida pela Corte Constitucional alemã a partir dos anos 1950.
O Supremo
Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral não vacilaram em assumir um
papel militante na defesa do processo democrático nos últimos anos. A
capitulação de órgãos como a PGR e a constante tensão com os militares exigiram
ainda mais ousadia desses tribunais. Se a democracia não sucumbiu nesse
período, muito se deve a postura dessas cortes.
A resposta do
STF à intentona de 8 de janeiro não tem sido menos robusta. Dois são os
principais desafios do Supremo neste momento. O primeiro deles é aplicar a lei
de forma rigorosa em relação àqueles que conspiraram contra nossas
instituições, especialmente aqueles que se encontram no topo da cadeia de
comando dos atos golpistas. O segundo desafio é não restringir
desnecessariamente os direitos processuais dos investigados.
A autoridade do
Supremo será tanto maior quanto mais fielmente aplicar a lei aos que serão julgados
por conspirar contra a próprio império do direito.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP
3 comentários:
"A ideia de que a democracia deve se defender de maiorias tomadas de fúria não é nova."
Não sei do q cê fala, continuarei lendo, mas anoto q, no Brasil, a democracia deve se defender de MINORIAS.
Lula foi roubado (lembram das blitz da PRF no Nordeste?) e, ainda assim, teve mais votos do q o genocida.
"... a constante tensão com os militares exigiram ainda mais ousadia desses tribunais."
Milicos.
Sempre do lado errado.
Deles o Brasil não precisa.
Vão tensionar na casa do caral ..., bando se sanguessugas.
Quem sabe,sabe!
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