O Estado de S. Paulo.
Brasil e Argentina têm muito a aprender com os erros de um e de outro
Eu estava na Argentina no dia em que
Maradona se despediu do futebol. Assisti ao jogo no estádio La Bombonera
lotado. As estrelas da seleção argentina, que jogavam na Europa, se deslocaram
para Buenos Aires. Em campo, faziam jogadas geniais e passavam a bola para
Maradona – que, obeso e decadente, não conseguia completá-las. Era triste.
Isso foi há mais ou menos 20 anos. Fui a Buenos Aires cobrir a derrocada do peso, que gerou uma crise política – manifestantes tomavam as ruas para pedir a cabeça dos governantes. Impressionei-me com o nível educacional dos argentinos que entrevistei, engolidos pela catástrofe econômica – era igualmente triste. O capital humano foi um dos fatores que, no passado, transformaram a Argentina num dos países mais ricos do mundo.
O outro foi a geografia. Um texto clássico
de Eugênio Gudin, patriarca dos cursos de Economia no Brasil, compara os dois
países. “A Argentina é a nação rica por natureza: terras férteis e planas, rios
navegáveis e clima semelhante ao da Europa. Isso permitiu reproduzir as
técnicas de plantio do Velho Mundo”, diz o economista Samuel Pessôa. Ele é
entrevistado num dos minipodcasts da semana.
Já o Brasil era pobre por natureza nos anos
1950, quando Gudin redigiu seu texto: terras imprestáveis, com exceção de
pequenos enclaves no Sul e Sudeste, relevo acidentado e temperatura desfavorável.
Nos anos 1970, fizemos como os argentinos: investimos em conhecimento. Graças a
uma leva de cientistas que inventaram um jeito de plantar em clima tropical e
em terras ruins, nos tornamos um dos maiores exportadores de alimentos do
mundo.
Os presidentes Lula da Silva e Alberto
Fernández se encontraram nesta semana. Existe chance de turbinar o Mercosul com
economias de perfil tão parecido – exportadoras de bens agropecuários?
“Não vai ser fácil. Não são economias
complementares”, diz a cientista política turca Hazal Çoban, entrevistada no
segundo minipodcast. Ela estuda as chances de o Brasil se tornar um líder
regional, enfrentando a concorrência das potências que têm interesse na América
do Sul.
Muita coisa mudou entre a “era Maradona” e a “era Messi”. A Argentina evoluiu na seara política: estabilizou sua democracia – enquanto na economia o peso ainda sofre com inflação recorde. Já o Brasil estabilizou sua moeda, mas perdeu pontos nos rankings democráticos.
Brasil e Argentina têm muito a aprender com
os erros de um e de outro, na política e na economia. No diálogo que agora será
retomado, devem ter em mente o acerto que, em diferentes períodos, gerou
histórias de sucesso: investir em educação e conhecimento.
*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa
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