sábado, 28 de janeiro de 2023

João Gabriel de Lima* - Da ‘era Maradona’ à ‘era Messi’

O Estado de S. Paulo.

Brasil e Argentina têm muito a aprender com os erros de um e de outro

Eu estava na Argentina no dia em que Maradona se despediu do futebol. Assisti ao jogo no estádio La Bombonera lotado. As estrelas da seleção argentina, que jogavam na Europa, se deslocaram para Buenos Aires. Em campo, faziam jogadas geniais e passavam a bola para Maradona – que, obeso e decadente, não conseguia completá-las. Era triste.

Isso foi há mais ou menos 20 anos. Fui a Buenos Aires cobrir a derrocada do peso, que gerou uma crise política – manifestantes tomavam as ruas para pedir a cabeça dos governantes. Impressionei-me com o nível educacional dos argentinos que entrevistei, engolidos pela catástrofe econômica – era igualmente triste. O capital humano foi um dos fatores que, no passado, transformaram a Argentina num dos países mais ricos do mundo.

O outro foi a geografia. Um texto clássico de Eugênio Gudin, patriarca dos cursos de Economia no Brasil, compara os dois países. “A Argentina é a nação rica por natureza: terras férteis e planas, rios navegáveis e clima semelhante ao da Europa. Isso permitiu reproduzir as técnicas de plantio do Velho Mundo”, diz o economista Samuel Pessôa. Ele é entrevistado num dos minipodcasts da semana.

Já o Brasil era pobre por natureza nos anos 1950, quando Gudin redigiu seu texto: terras imprestáveis, com exceção de pequenos enclaves no Sul e Sudeste, relevo acidentado e temperatura desfavorável. Nos anos 1970, fizemos como os argentinos: investimos em conhecimento. Graças a uma leva de cientistas que inventaram um jeito de plantar em clima tropical e em terras ruins, nos tornamos um dos maiores exportadores de alimentos do mundo.

Os presidentes Lula da Silva e Alberto Fernández se encontraram nesta semana. Existe chance de turbinar o Mercosul com economias de perfil tão parecido – exportadoras de bens agropecuários?

“Não vai ser fácil. Não são economias complementares”, diz a cientista política turca Hazal Çoban, entrevistada no segundo minipodcast. Ela estuda as chances de o Brasil se tornar um líder regional, enfrentando a concorrência das potências que têm interesse na América do Sul.

Muita coisa mudou entre a “era Maradona” e a “era Messi”. A Argentina evoluiu na seara política: estabilizou sua democracia – enquanto na economia o peso ainda sofre com inflação recorde. Já o Brasil estabilizou sua moeda, mas perdeu pontos nos rankings democráticos.

Brasil e Argentina têm muito a aprender com os erros de um e de outro, na política e na economia. No diálogo que agora será retomado, devem ter em mente o acerto que, em diferentes períodos, gerou histórias de sucesso: investir em educação e conhecimento.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

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