quarta-feira, 14 de junho de 2023

Vinicius Torres Freire - A quadrilha da Americanas

Folha de S. Paulo

Empresa acusa antiga diretoria; polícia e CPI têm de ir fundo nessa história mal contada

Os advogados e a nova direção da Americanas acusaram diretores e outros executivos da empresa até 2022 de formação de quadrilha, grosso modo. A cúpula da varejista inventaria descontos na compra de mercadorias, ocultaria dívidas, falsificaria o cálculo do endividamento relativo, forjaria documentos e publicaria números mentirosos de resultado, mentira que teria passado da casa de R$ 2,4 bilhões em 2021, por exemplo, no caso do lucro.

A mutreta teria contado com a anuência de auditores externos e mesmo de bancos. O conselho de administração e os ditos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira não são envolvidos no rolo segundo essa explicação parcial e, note-se, ainda não auditada.

Essa é a versão da atual direção da empresa, apresentada nesta terça-feira (13) em documentos oficiais e, em parte, para a CPI da Americanas, na Câmara, pelo atual diretor-presidente da companhia, Leonardo Coelho Pereira.

A história é ainda muito confusa mesmo para quem entende de balanços e, mais especificamente, balanços de varejistas. Não há a versão da defesa dos acusados, jogados às feras, sem mais nem menos.

Além disso, ainda não é nem mesmo a história que está sendo levantada por um comitê independente de investigação contratado pelo conselho de administração. Talvez mais importante, não é uma história conclusiva e derivada de uma investigação completa de polícia, Comissão de Valores Mobiliários, Ministério Público e da CPI da Câmara. Se o trabalho for bem feito, em particular por uma CPI que dispense show demagógico e incompetente contra "bilionários", melhor ainda.

Não quer dizer que bilionários não devam entrar na dança ou mesmo na cadeia, óbvio. Mas é preciso usar os amplos recursos oficiais de investigação a fim de produzir provas fundamentadas, a fim de evitar falhas de processo, facilidades para a chicana da defesa de eventuais criminosos e até futuras descondenações, por assim dizer.

Deveria ser uma obviedade. Porém, é possível contar nos dedos quantos são os condenados por crimes financeiros. A cadeia, não raro sem devido processo, aliás, é muita vez reservada para pobres e pretos que furtam merrecas, por vezes apenas para comer, ou garotos pegos com trouxinha de maconha. Vez e outra, a prisão é feita com corda no pescoço ou numa versão atual do pau de arara.

Vamos ver batida em casa de fraudador bilionário de empresa, mercado e trabalhadores? Perto da fraude da Americanas, o dinheiro achado em fundilhos, malas e cofres de políticos e de seus amigos vira troco de pinga. Em valores, até a roubança pública da Petrobras empalidece diante da roubança privada da Americanas.

Além de esclarecer o caso específico, todas essas investigações deveriam servir para que se estabeleça que tipo de mumunha pode ser criada na confecção de balanços, não apenas desta varejista na lama. Acionistas, fornecedores e trabalhadores de quantas empresas mais estão sendo fraudados, em maior ou menor escala? Há um modus operandi? Tem lei para mudar? Penas para aumentar?

Ao menos pelo que diz a Americanas "sob nova administração", executivos, auditores e instituições financeiras podem maquiar desde textos e fraseados de balanços ao balanço propriamente dito, para nem falar de meras notas de operações comerciais. Em algumas situações flagradas, publica-se uma errata e queima-se o filme, mas "vamos em frente", "business as usual".

O fato em tela é o caso da Americanas. Se as investigações forem fundo nessa história, de modo competente, já seria um avanço. Mas os investigadores podem ir além e passar a limpo o ainda inefável mundo dos balanços.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

E quem vive de rachadinha?